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A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) afirmou nesta quinta-feira (15) que é vítima de uma injustiça da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que a condenou a dez anos de prisão e perda de mandato por invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A parlamentar pediu que seja contada a versão dela da história e disse que tem apoio de colegas para que a Câmara dos Deputados vote a suspensão da ação penal, como no caso de Alexandre Ramagem (PL-RJ).
“O processo ainda não acabou. Este não é um momento triste para mim, mas de esperança e de fé”, disse Zambelli, em entrevista coletiva diante da sede do PL na capital paulista e acompanhada pelo advogado Daniel Bialski, que a defende no caso. Eles apontaram o que dizem ser uma série de contradições nos depoimentos do hacker Walter Delgatti, que embasaram a decisão. Delgatti, conhecido por ter invadido celulares de procuradores da “Lava-Jato”, foi condenado a oito anos na mesma ação.
A deputada voltou a negar que tenha pedido para o hacker invadir os sistemas, afirmou que não há provas suficientes para condená-la e disse que “seria burrice” colocar seu mandato em risco “por causa de uma brincadeira sem graça”. Segundo a denúncia, Zambelli e Delgatti teriam atuado para incluir no sistema do CNJ um falso mandado de prisão contra Alexandre de Moraes, ministro do STF.
A parlamentar relatou que está em tratamento contra depressão e enfrenta outras doenças que demandam atendimento permanente, como a síndrome de Ehlers-Danlos, que provoca deslocamentos de membros e órgãos, e a de taquicardia ortostática postural, que a impede de ficar muito tempo em pé sob risco de desmaio, além de problemas cardíacos. Ela disse que está reunindo laudos médicos atestando que, se for presa, não sobreviverá na cadeia.
Zambelli evitou se comprometer com uma nova candidatura em 2026, caso consiga regularizar sua situação jurídica até lá. "Eu gostaria de ter essa esperança", disse. A deputada também foi condenada pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) por divulgação de informações inverídicas sobre o sistema eleitoral, mas recorre da decisão. "Eles querem me cassar por [causa de] palavras. E palavras, opiniões e votos não são motivo de cassação", disse ela, citando a imunidade parlamentar.
A alternativa mencionada pela deputada no caso do STF, de recorrer a um projeto de resolução para suspender a ação penal, depende de ato do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a quem cabe dar início à tramitação. No caso de Alexandre Ramagem, os deputados aprovaram, com apoio de Motta, a suspensão da ação em que ele é réu por tentativa de golpe. A decisão, no entanto, foi questionada no STF, e os ministros restringiram o alcance do projeto a apenas parte dos crimes atribuídos a Ramagem. Motta recorreu para garantir a suspensão integral.
Zambelli declarou que já teve "um sinal verde" de que seu pedido será pautado na Casa. "Vamos esperar o melhor momento para isso acontecer, porque eu ainda tenho um tempo para colocá-lo em pauta", disse a deputada, que está em liberdade e com o mandato ativo até que todos os seus recursos sejam julgados pelo Supremo. Ela reconheceu que poucos parlamentares declararam publicamente apoio à sua causa, mas afirmou já contar com o comprometimento de "mais de 200 pessoas".
Defesa vai recorrer
Já o advogado repudiou o julgamento do caso no STF pelo plenário virtual, alegando cerceamento de defesa pela impossibilidade de fazer sustentação oral na presença dos ministros. “Isso impede que o julgamento possa ser feito da melhor maneira possível. Impedir que o advogado faça sustentação oral é uma afronta não só ao direito de defesa da Carla, mas a todas as pessoas que vierem a ser julgadas pelo STF. Faço uma súplica para que os ministros mudem esse tipo de procedimento”, disse, lembrando que o processo corre no último grau do Judiciário, com pouca margem para recursos.
“Não tem nenhuma prova de que ela tenha pedido qualquer tipo de coisa a esse mentiroso contumaz”, afirmou o advogado, em referência ao hacker. Bialski disse ainda que Zambelli está sendo alvo de um julgamento parcial porque sua atuação política combativa acaba gerando "algum tipo de antipatia". Segundo ele, “circunstâncias frágeis” estão sendo usadas para condenar sua cliente. “São diversas mentiras que infelizmente foram consideradas para incriminá-la.”
Zambelli também recorreu ao caso das fraudes nos descontos de benefícios do INSS para argumentar que a Justiça pode ter dois pesos e duas medidas. "Ao mesmo tempo que a gente vê R$ 90 bilhões do INSS sendo roubados de aposentados e pobres, a gente vê uma deputada ganhando dez anos de prisão por uma prova que não existe, que não me liga ao crime", disse.
O advogado e a deputada entregaram à imprensa um relatório de 29 páginas que aponta uma série de elementos que desvinculam Zambelli da invasão dos sistemas e lista incongruências das informações apresentadas pelo hacker. A deputada disse que ele é mitômano e "contou uma versão diferente em cada um dos seis depoimentos que prestou". Reforçando a afirmação de Bialski de que Delgatti agiu por conta própria, ela especulou que o hacker pode ter cometido o crime por vaidade.
A defesa do hacker tem sustentado que ele agiu sob a orientação da deputada. Ela repetiu que não tem "nenhuma relação" com o caso e também eximiu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de participação.
Bialski afirmou que entrará na segunda-feira com um novo recurso no STF, um agravo regimental contra a decisão de Moraes que, no dia 12, negou a suspensão do julgamento. O advogado diz que pedirá uma avaliação da Turma sobre a medida monocrática de Moraes. Outro passo será, após a publicação do acórdão do julgamento, apresentar embargos de declaração. Eles não têm poder para alterar o resultado, mas adiam o trânsito em julgado do processo. Uma eventual prisão precisaria ser autorizada pela Câmara dos Deputados. A perda de mandato também teria que ser referendada pela Casa.
O julgamento e a denúncia
Ontem, a Primeira Turma do STF decidiu, por unanimidade, condenar Zambelli. A defesa da advogada pediu a absolvição da parlamentar e afirmou que os fatos investigados deveriam ser atribuídos só a Delgatti. Já o hacker diz que foi contratado pela deputada.
Zambelli e Delgatti teriam atuado para incluir no sistema do CNJ um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes. O documento forjado era assinado pelo próprio ministro. Também foi emitido um alvará de soltura falso em favor de um líder do Comando Vermelho. Para isso, foram utilizadas credenciais falsas de funcionários em atividade.
“A invasão aos sistemas do Poder Judiciário e a inserção de documentos ideologicamente falsos, incluindo um falso mandado de prisão contra ministro do STF, representa afronta direta à dignidade da Justiça, comprometendo gravemente a confiança da sociedade no sistema judicial brasileiro”, disse Moraes em seu voto.
Ao se manifestar, o ministro Cristiano Zanin acompanhou o voto de Moraes na íntegra. Para ele, "ficou demonstrada a gravidade e a delicadeza das imputações contidas na denúncia, inseridas em um contexto de invasão a dispositivos de informática e inserção de documentos falsos com evidente intuito de atingir as instituições do Estado democrático de Direito".
A denúncia contra Zambelli e Delgatti foi aceita em maio do ano passado. Quando votou para aceitar a acusação, Moraes destacou uma publicação em que Zambelli comemorou nas redes sociais estar ao lado de Delgatti, alguém que, segundo ela, teria hackeado mais de 200 autoridades.
A ministra Cármen Lúcia ironizou o caso à época. Afirmou que deixou de se preocupar só com o avanço da inteligência artificial e passou a ficar impressionada com a “desinteligência natural de alguns que atuam criminosamente sem nenhum tracinho de inteligência”. Moraes devolveu: “Vossa excelência, sempre muito educada, disse ‘desinteligência’, mas eu chamo de ‘burrice’ mesmo. Acharam que não fosse ser descoberto”.
De acordo com a denúncia, a invasão aos sistemas do CNJ poderia ter levado à soltura de Sandro Silva Rabelo, o “Sandro Louco”, que é apontado como líder do Comando Vermelho no Mato Grosso. Foi emitido um alvará de soltura falso com a assinatura de um juiz de Cuiabá. Segundo o procurador-geral da República, Paulo Gonet, Zambelli teria contratado Delgatti para invadir os sistemas.
A denúncia diz que o Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) foi invadido em 4 de janeiro de 2023, quando foi incluído o “mandado de prisão contra Moraes” a partir de uma credencial falsa.
Sobre o alvará em favor de Sandro Louco, afirmou Gonet, o documento foi inserido em sistema público e poderia ter levado à soltura “do sentenciado a duas centenas de anos de reclusão”. O PGR também disse que foram encontrados nos celulares de Zambelli quatro documentos falsos inseridos nos sistemas do CNJ.