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Política

Após decretos de Bolsonaro, país chega a 1 milhão de armas registradas

De acordo com a Polícia Federal, 36.009 novos armamentos foram registrados entre janeiro e agosto, dos quais 52% ocorreram após sequência de decretos sobre o tema
Brasil já tem 1 milhão de registros de armas ativos Foto: DIEGO VARA / REUTERS
Brasil já tem 1 milhão de registros de armas ativos Foto: DIEGO VARA / REUTERS

BRASÍLIA — As políticas implementadas pelo governo federal têm provocado um aumento na quantidade de armas de fogo no país. De acordo com dados da Polícia Federal (PF), 36.009 novos armamentos foram registrados entre janeiro e agosto deste ano, dos quais 52% ocorreram nos últimos três meses desse período, após o presidente Jair Bolsonaro editar uma sequência de decretos sobre o tema. Em setembro, o total de registros ativos de armas no país expedidos pela PF já havia ultrapassado a marca de 1 milhão, ante os 678.309 de dezembro do ano passado.

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Levando-se em consideração a média mensal de registros, 2019 pode se tornar o ano com maior número de novas armas em circulação desde o início da série histórica, em 1997. Em 2018, o patamar de 36 mil novas armas só foi alcançado em outubro. O volume notificado pela PF até agosto de 2019 já é maior do que a média anual considerando o período de 2008 até o ano passado: 34.412.

A disseminação da presença das armas de fogo no país também é apontada no incremento de 49% dos registros ativos concedidos pela PF entre dezembro do ano passado e setembro deste ano, quando o número bateu a marca recorde de 1.013.139. O crescimento não é explicado apenas pelos novos armamentos, mas também por registros expirados que foram reativados.

No Rio, os registros de novas armas passaram de 90 em janeiro para 273 em agosto deste ano, um salto de 203%. Em Minas Gerais, que soma o maior volume de novos cadastros (4.789), o aumento no período foi de 230%.

Entre as principais mudanças promovidas por Bolsonaro, está a determinação de que cabe ao próprio solicitante do registro apresentar uma declaração de “efetiva necessidade” sobre a posse da arma. A avaliação, até o ano passado, era uma atribuição da PF, e foi criticada pelo presidente por ter um caráter subjetivo. A alteração no mecanismo tornou o processo mais ágil, facilitando as concessões. Em outra frente, o governo enviou à Câmara um projeto que flexibiliza o Estatuto do Desarmamento e amplia o direito ao porte para uma série de categorias. O texto pode ser votado em plenário esta semana.

Riscos

Os dados do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) foram obtidos pelo GLOBO e pelo Instituto Igarapé, via Lei de Acesso à Informação. Os números incluem registros para pessoas físicas, lojas de armas, órgãos de segurança pública e empresas de segurança privada. Não estão na conta os registros para Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs), que são de responsabilidade do Exército, que passaram de 350.683 em dezembro de 2018 para 464.720 em agosto deste ano, salto de 32%.

A política de flexibilização no acesso a armas de fogo já foi criticada pelo Ministério Público Federal (MPF). Uma nota técnica divulgada em outubro afirma que as normas publicadas pelo governo federal ampliaram o “cenário de agressão ao Estatuto do Desarmamento e de enfraquecimento da segurança pública”. Para o MPF, a edição em série de decretos dificultou o trabalho de fiscalização por ter tornado “praticamente impossível” para a PF “discernir o que é autorizado ou não autorizado em termos de posse de armas”.

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Especialistas em segurança pública também desaprovam o movimento pró-armamento. Para a pesquisadora Michele dos Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé, a flexibilização está ocorrendo sem que haja uma contrapartida de melhoria no controle, como a marcação de todas as munições e medidas para reduzir os desvios armas de órgãos públicos.

— Passamos de uma política com foco no fortalecimento dos mecanismos do controle e na restrição de acesso à posse e ao porte para uma irresponsável defesa da arma de fogo como solução para a insegurança e a violência no país — avalia Michele.

O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, acredita que os impactos vão ser vistos a médio prazo:

— Os números começam a refletir a liberalização colocada em prática. O impacto maior deve acontecer nos crimes de violência doméstica.

O gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, endossa a avaliação:

— As armas não provocam conflitos, mas potencializam. Uma briga que ficaria numa agressão física ou verbal pode se transformar numa tragédia.

Já o analista de segurança Bene Barbosa defende o maior acesso às armas como “parte de uma solução” para a segurança pública:

— Traz uma melhora ao impor uma barreira psicológica aos criminosos, que vão pensar duas vezes antes de cometer um crime que envolva o contato com a vítima, em função da possibilidade de que ela ou alguém próximo esteja armado. É uma das tendências de uma política mais liberal.