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Brasil e seu desenvolvimento mediático: síntese e
análise da aplicação dos indicadores da UNESCO1
B. BARBOSA, F. OLIVEIRA PAULINO, S. PEREIRA, A. P. AMORIM, O. BANDEIRA,
D. MOYSÉS, E. VIEIRA OURIQUES Y J. BRANT
Bia Barbosa es periodista,
máster en Políticas Públicas
por la FGV, coordinadora
de Intervozes y secretaria
general del Fórum Nacional
pela Democratização da
Comunicação (Brasil).
Fernando Oliveira Paulino
es profesor y decano de la
Facultad de Comunicación
de la Universidad de Brasilia.
Director de Relaciones
Interncionales de la
Asociación Latinoamericana
de Investigadores de
Comunicación (Brasil).
Sivaldo Pereira es profesor de
la Facultad de Comunicación
de la Universidade de Brasilia
(Brasil).
Ana Paola Amorim es
investigadora del Centro
de Estudos Republicanos
Brasileiros (Cerbrás) – DCP/
UFMG, doctora en en Ciencias
Políticas de la UFMG (Brasil).
Olivia Bandeira es doctora
en Antropologia Cultural
Este artigo sistematiza trajetória e síntese de resultados de pesquisa de aplicação dos Indicadores de Desenvolvimento da Mídia (UNESCO) no Brasil. O trabalho foi desenvolvido como resultado de uma parceria entre UNESCO, Intervozes, Universidade de Brasília, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Rede
Nacional de Observatórios da Imprensa com atividades realizadas entre 2008
e 2016. A pesquisa demonstra características do sistema de mídia e importantes lacunas para o seu pleno estabelecimento para a promoção da diversidade e do discurso democrático, derivadas da concentração de propriedade e
da audiência dos veículos comerciais de comunicação, com insuficientes regulamentações e políticas públicas para a promoção do direito à informação
e à comunicação.
Palavras chave: Desenvolvimento, mídia, indicadores, UNESCO, Brasil.
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1 O artigo é de exclusiva responsabilidade dos autores e não representa, necessariamente, a visão da unesco sobre
o tema.
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BIA BARBOSA ET AL.
Antes de apresentar os resultados alcançados pela pesquisa de aplicação do
documento de Indicadores do Desenvolvimento da Mídia estabelecido pela
unesco;2 é importante fazes uma genêsis do trabalho. Em 2004, o Intervozes–Coletivo Brasil de Comunicação Social, organização da sociedade civil
que atua em defesa do direito à comunicação no país, coordenou o capítulo
brasileiro do Projeto de Governança Global da Campanha cris (Communication Rights in the Information Society), que articulava organizações internacionalmente com vistas à participação da sociedade civil na Cúpula da Sociedade da Informação, na Tunísia. Entre 2004 e 2005, o projeto foi realizado em
cinco países —Brasil, Colômbia, Filipinas, Itália (cobrindo a União Européia)
e Quênia—, analisando quatro questões em torno do direito à comunicação:
base constitucional e legal, implementação, o papel dos diferentes atores e
tendências atuais e futuras em relação a temas como liberdade de expressão,
pluralidade dos meios, propriedade intelectual, respeito à diversidade cultural, privacidade nas comunicações, acesso às Tecnologias de Informação e
Comunicação (tic) e participação da sociedade civil nas decisões sobre essas
questões.
A pesquisa evidenciou a falta de referências sólidas sobre esses temas no
Brasil e a necessidade de qualiicar os dados e informações disponíveis. Em
setembro de 2005, o Intervozes lançou o projeto do Centro de Referência para
o Direito à Comunicação, que tinha o desenvolvimento de indicadores como
uma de suas estratégias principais. Em 2007, quando o projeto já estava em
sua fase inal, foi noticiado que a unesco trabalhava em âmbito internacional
em um documento sobre indicadores para o desenvolvimento da mídia.
Pela proximidade dos temas e pela dimensão da proposta, nasceu em 2008
uma parceria com o Intervozes para a aplicação dos indicadores da unesco
no país, apoiada pela representação da organização no país e que contou
desde o início com a participação do Laboratório de Políticas de Comunicação-LaPCom/Faculdade de Comunicação/Universidade de Brasília-UnB e do
Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Psicopolítica e Consciência-netccon/Escola de Comunicação/Universidade Federal do Rio de Janeiro-ufrj. O
LaPCom tem um histórico de mais de duas décadas de trabalho na área de
legislação e políticas de comunicação, sendo consequência de um trabalho de
mais de 40 anos da Universidade de Brasília nesta área. O netccon dedica-se
em rede, desde 1982, à renovação da teoria social e da ilosoia através da teoria psicopolítica, e de sua metodologia, a gestão mental, tendo em vista que
a dominação é construída por operações psicológicas com ins políticos
—como as que geraram os golpes jurídico-mediáticos— e que assim a via de
emancipação é psicopolítica.
No âmbito desta parceria, de setembro a novembro de 2009, foi realizado o
Ciclo de Seminários A Construção de Indicadores do Direito à Comunicação
no Brasil, com três edições regionais organizados no Rio de Janeiro, em Bra-
em la UFRJ, máster em
Comunicación Social de la
UFF (Brasil).
Diogo Moysés
es licenciado en
Comunicación Social por la
Escuela de Comunicación
y Artes de la Universidade
de São Paulo (2001),
máster en Derecho por la
Facultad de Derecho de la
Universidade de São Paulo
(2010) y actualmente
estudiante de doctorado
en la ECA/USP (20152018), es especialista en
regulación y políticas de
comunicación (Brasil).
Evandro Vieira Ouriques
es director del Centro de
Estudos Transdisciplinares
de Psicopolítica e
Consciência-Escola
de Comunicação/
Universidade Federal
do Rio de Janeiro-UFRJ
(Brasil). Profesor del
posgrado em Historia de
las Ciencias y las Técnicas
de la Epistemología.
Coordinador de la línea
de investigación Políticas
de Cultura, Biopolítica y
Psicopolítica del Centro
Internacional de Estudios
de Epistemologías de
Frontera y Economía
Psicopolítica de la Cultura/
Universidad de La
Frontera-Ufro (Chile).
João Brant es periodista,
uno de los fundadores
del colectivo Intervozes.
Exsecretario ejecutivo
del Ministerio de Cultura
(Brasil).
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2 Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0016/001631/163102POR.pdf
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Brasil e seu desenvolvimento mediático
sília e em São Paulo. O objetivo foi promover o debate público sobre o tema
no país, buscando identiicar os desaios de implementação, mapear possíveis
instituições parceiras e construir legitimidade para a proposta a partir do diálogo com as diversas instituições ligadas à comunicação, incluindo o poder
público, a academia, empresas e a sociedade civil organizada.
Paralelamente, a renoi- Rede Nacional de Observatórios da Imprensa
desenvolvia no país, também com o apoio da representação da unesco no
Brasil, pesquisas ligadas aos Indicadores de Qualidade da Informação Jornalística.
Após os seminários, em 2010, foi aprovado em Paris pelo International
Programme for the Development of Communication-ipdc/unesco o projeto3 elaborado pelo grupo formado por Intervozes, UnB, ufrj e renoi, com
o suporte da representação da unesco no Brasil, para a aplicação-piloto uma
aplicação piloto dos Indicadores de Desenvolvimento da Mídia no país. A pesquisa seria baseada na compilação e análise de fontes primárias já disponíveis,
considerando limitações técnicas e de recursos.
Como parte deste processo, foi realizada uma reunião com 35 atores
estratégicos,4 representando organizações do poder público, academia, sociedade civil e setor empresarial com atuação relacionada às cinco categorias dos
indicadores da unesco. As organizações puderam apresentar contribuições
ao processo de aplicação no Brasil, indicando fontes de informação e questões
prioritárias para serem abordadas.
Decidiu-se, a partir daí, dividir o processo em duas fases. Na primeira,
foi realizado um levantamento das fontes de dados existentes no país, relacionando-as com os indicadores da unesco. Também nesta fase foi feita a
3 http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/CI/CI/pdf/ipdc54_bureau_partIII_latin_america.
pdf
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4 Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais-abepec, Associação Brasileira de Televisão por Assinatura-abta, Associação Mundial de Rádios Comunitárias-amarc/Brasil, Agência Nacional de Telecomunicações-Anatel, Agência Nacional do Cinema-ancine/MinC, andi-Comunicação e Direitos + Rede andi,
Associação Nacional de Editores de Revistas-aner, Associação das Rádios Públicas do Brasil-arpub, artigo 19,
Campanha pela Ética na tv, Observatório da Mulher, Rede Mulher e Mídia, Centro de Estudos da Mídia Barão
de Itararé, Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial-Cojira/Enegrecer a Confecom (Conferência Nacional de
Comunicação), Central Única dos Trabalhadores-cut, Federação Nacional de Jornalistas-fenaj, Fórum Nacional
de Democratização da Comunicação-fndc, Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Rádio,
Televisão-fitert, Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Grupo Telefónica do Brasil, Instituto Patrícia Galvão, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação-intercom, Observatório da Mídia
Regional/Universidade Federal do Espírito Santo-ufes, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-ipea, Ministério
das Comunicações, Núcleo de Estudos do Futuro/puc-sp, Observatório de Economia e Comunicação-obscom/
Universidade Federal de Sergipe-ufs, Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación-alaic,
Departamento de Comunicação Social/Universidade Federal de Minas Gerais-ufmg, Núcleo de Estudos de Mídia
e Política-nemp/Universidade de Brasília-UnB) e unesco. Além das instituições organizadoras: Coletivo Brasil de
Comunicação Social-intervozes, Laboratório de Políticas de Comunicação-LaPCom/Faculdade de Comunicação/Universidade de Brasília-UnB, Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Psicopolítica e Consciência-netccon/Escola de Comunicação/Universidade Federal do Rio de Janeiro-ufrj e Rede Nacional de Observatórios de
Imprensa-renoi. Também foram convidados, mas não enviaram representantes: Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e tv-abert, Associação Brasileira de Radiodifusores-abra, Associação Nacional de Jornais-anj,
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária-abraço, Conselho Federal de Psicologia, Empresa Brasileira
de Comunicação-ebc, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-ibge, Secretaria de Comunicação Social da
Presidência da República, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Ministério da Cultura,
Grupo de Trabalho de Comunicação/Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão/Ministério Público Federal.
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seleção, dentre 50 indicadores-chave e 192 sub-indicadores propostos internacionalmente, daqueles que seriam incluídos na aplicação-piloto no país,
considerando a realidade brasileira e os dados primários disponíveis. Pelas
condições da pesquisa realizada no Brasil, não havia recursos para o desenvolvimento de pesquisas primárias especíicas, a não ser quando elas podiam ser
feitas pelo próprio pesquisador a partir da coleta de informações em websites.
Parte do trabalho de investigação foi, portanto, de identiicação de iniciativas em curso no país, o que exigiu um enorme esforço e amplitude. Para
a maior parte desses indicadores, a equipe acredita ter encontrado as informações mais precisas. No entanto, qualquer tentativa de levantamento exaustivo tem lacunas, e é certo que há iniciativas que não foram mapeadas.
A segunda fase compreendeu a aplicação dos indicadores, a partir do plano
desenhado no período citado acima. Para a coleta dos dados, foram utilizadas quatro formas de pesquisa: 1) consultas a documentos e websites, 2) reuniões e entrevistas presenciais, 3) troca de e-mails e 4) telefonemas.5 As fontes
de informação utilizadas estão listadas em capítulo especíico. No site do
Intervozes;6 é apresentada uma listagem completa de todas as informações
que as fontes consultadas disponibilizam, identiicando inclusive se os dados
são atualizados frequentemente.
Importante destacar que foram de extrema importância para a aplicação
da pesquisa os estudos desenvolvidos pela renoi, com o apoio da unesco,
sobre a qualidade da informação jornalística.
Depois da coleta de dados, as cinco categorias foram enviadas para as organizações que haviam participado da reunião com atores estratégicos, em um
processo de validação. A pesquisa foi então inalizada no segundo semestre de
2012. O conteúdo, submetido à unesco, passou ainda por ajustes, a pedido do
órgão internacional, entre 2014 e 2015. O relatório encontra-se atualmente
em fase de inalização para posterior publicação pela unesco.
Parte das informações coletadas tem mais de uma fonte de dados, muitas
vezes com informações conlitantes. Neste caso, buscou-se checar as informações com fontes oiciais, tendo como referência as fontes mais próximas
à informação primária. Nos casos em que não foi possível identiicar a mais
correta, apontamos as múltiplas informações identiicadas.
Categoria 1. «Um sistema regulatório favorável à liberdade de expressão,
ao pluralismo e à diversidade de mídia».
Este é o horizonte normativo desenhado na primeira categoria do estudo, organizando indicadores em quatro grandes temas: marco jurídico e político; leis
5 Aproveitamos para agradecer a abertura e gentileza das instituições para a realização de extensas reuniões presenciais com os pesquisadores e a coordenação do projeto. Destacamos, em especial, a gentileza dos representantes
da Anatel, Ancine, ipea e ibge.
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6 www.intervozes.org.br
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de difamação e outras restrições legais impostas a jornalistas; censura; e sistema
regulatório para a radiodifusão. Constata-se, no entanto, que o Brasil está ainda
muito distante de uma realidade favorável à liberdade de expressão, ao pluralismo e à diversidade, pois o conjunto da legislação do setor é insuiciente para
tornar efetivos os importantes referenciais alcançados na Constituição Federal
de 1988 de defesa da liberdade de expressão e direito à informação.
Em relação à comunicação e à informação, a Constituição e os tratados
internacionais ratiicados pelo Brasil estão em sintonia com sistemas democráticos desenvolvidos em outros países por meio da promoção do acesso à
informação pública, do direito de resposta, da intimidade, honra e vida privada, além da proibição expressa de qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística.7 Mas o conjunto da legislação é inconsistente, desatualizado e omisso, principalmente no que diz respeito à regulação dos serviços de
radiodifusão comercial, comunitária e pública, constituindo uma ameaça à liberdade de expressão, estabelecendo uma condição assimétrica de acesso aos
veículos de comunicação, como já foi identiicado pela unesco, em estudos
elaborados sobre o assunto (i.e. Mendel e Salomon, 2011). Setores de menor
poder econômico ou político e suas ideias estão praticamente excluídos dos
principais veículos de comunicação.
Durante a aplicação dos indicadores no país, não houve registro de censura por parte do Poder Executivo na esfera federal, mas isso está longe de
signiicar que não ocorram restrições à liberdade de expressão em outras esferas e demais setores, incluindo o setor privado.8 A Relatoria Especial para
Liberdade de Expressão da oea relatou, por exemplo, casos de perseguição
política a jornalistas que apuram denúncias de irregularidades no uso de verbas públicas. Medidas para regulamentação de procedimentos da propaganda
eleitoral também podem constituir fator de censura, principalmente quando
as regras deinidas pela Justiça Eleitoral, mesmo que editadas com intenção
de coibir o abuso do poder econômico, acabam impondo restrições severas
ao livre debate político.9 Vale registrar, ainda, estudos que apontam uma forte
disseminação da cultura da autocensura entre proissionais da mídia no Brasil
(i.e. Carneiro, 2002; Kushnir, 2004).
Em relação à Rede Mundial de Computadores, o Brasil chegou a assumir
uma posição de destaque no cenário internacional, com a promulgação do
7 Vale registrar que, na história constitucional brasileira, a Carta de 1988 é a primeira a proibir expressamente a
censura oficial e a reconhecer o direito a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo”. Cf. Costa (2013).
8 Em 2014, as organizações Artigo 19 e Intervozes apresentaram denúncia perante à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos contra o Estado brasileiro pela perseguição ao jornalista José Cristian Góes, que foi condenado
a sete meses de prisão por crime de injúria contra funcionário público em função da publicação de uma crônica.
A condenação criminal é fundamentada na suposição de que ao escrever o termo “jagunço das leis” o jornalista
estaria se referindo diretamente a um desembargador.
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9 Nas eleições de 2010, uma regra proibiu humoristas de fazerem piadas e sátiras com candidatos em período
eleitoral. A decisão foi revogada pelo stf, atendendo a Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela abert.
Mas permaneceu a proibição de participação de artistas —remunerada ou voluntária— em comícios políticos. No
mesmo ano, a Rede Globo emitiu uma cartilha na qual proíbe artistas de seu elenco de fazer campanha eleitoral.
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Marco Civil da Internet, em 2014, tendo como fundamentos a defesa da liberdade de expressão, a proteção da privacidade e a deinição do princípio da
neutralidade de rede. Importante na regulação do uso da internet, por outro
lado, o Marco Civil não trata diretamente de questões ligadas à promoção da
universalização do acesso ao serviço e ainda apresenta fragilidades na defesa
efetiva dos direitos sob os quais se assenta, pois é uma norma que versa sobre
princípios e carece de iscalização. Nos meses seguintes à sua aprovação, por
exemplo, já foi possível detectar indícios de violações ao princípio da neutralidade de rede, com a oferta por parte de empresas de telecomunicações de
acesso seletivo a determinados aplicativos.
No que diz respeito ao acesso à informação, a construção efetiva desse direito é ainda recente no Brasil. Ainda que igure como um dos direitos fundamentais da Constituição de 1988, só em 2011 foi promulgada a Lei de Acesso
à Informação (Lei 12.527), que estabeleceu a regulamentação desse preceito
constitucional, tendo o princípio da transparência como regra e o sigilo como
exceção. A norma determina que os órgãos públicos forneçam informações de
forma proativa e estabelece prazos para atender a solicitações de informação
por parte dos cidadãos. Não há, no entanto, uma iniciativa especíica na estrutura da administração pública de um órgão independente, que centralize os
mecanismos de apelação de acesso à informação e atue como instância recursal10 diante de uma cultura de transparência frágil no país.
O sistema regulatório da radiodifusão é outro ponto vulnerável apontado
na aplicação dos indicadores, pois o país não dispõe de um órgão que centralize as funções de regulação do sistema. As distintas funções são compartilhadas por cinco atores: a Agência Nacional de Telecomunicações-Anatel, que
trata da gestão do espectro e da iscalização de caráter técnico; o Ministério
das Comunicações;11 que avalia a viabilidade jurídica, legal e econômica das
outorgas e faz a iscalização das questões de conteúdo;12 a Agência Nacional
do Cinema-Ancine, que atua na regulação dos serviços audiovisuais de acesso
condicionado; o Ministério da Justiça, que aplica a política de classiicação indicativa (proteção a conteúdos inadequados para crianças e adolescentes) dos
programas de televisão; e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica10 Criada em 2001, a Controladoria Geral da União (cgu) cumpria essa função. No entanto, em 2016, após o golpe
parlamentar que aprovou o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, a reforma administrativa desenhada pelo
governo do sucessor, Michel Temer (lei 13.341/2016), extinguiu o órgão. Antes vinculado diretamente à Presidência
da República, suas funções foram transferidas para o recém-criado Ministério da Transparência, Fiscalização e
Controle, gerando repercussão negativa entre entidades internacionais. Em junho de 2016, a onu e a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos emitiram uma nota criticando o fim da cgu e também a intervenção do
governo na Empresa Brasil de Comunicação (ebc).
11 O Ministério das Comunicações foi extinto por Medida Provisória ainda na fase interina do governo de Michel
Temer, sendo fundido com o Ministério da Ciência e Tecnologia, formando o Ministério da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Comunicações. A alteração, mantida na reforma administrativa, foi bem aceita pelas empresas de
Telecomunicações e de empresários das tvs comerciais, mas recebeu duras críticas, principalmente das entidades
ligadas à pesquisa e inovação, que criticam, principalmente, a perda de recursos e autonomia da área.
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12 A análise e decisão de outorgas e renovação de concessões públicas de rádio e tv, feita pelo governo federal, no
âmbito do Ministério, deve ser apreciada pelo Congresso Nacional, que, por sua vez, é composto por parlamentares
(8,8% da Câmara e 22,2% do Senado, segundo a Transparência Brasil) que controlam direta ou indiretamente meios
de comunicação, o que pode levar ao uso político das concessões.
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cade, autarquia vinculada ao Ministério da Justiça responsável pelas leis de
concorrência, mas que não promove um acompanhamento sistematizado e
constante do mercado da radiodifusão.
A comunicação no Brasil é ainda uma área restrita à participação popular na formulação de suas políticas públicas, o que torna ainda mais distante,
como dito, a possibilidade de se constituir um sistema de mídia plural e favorável à liberdade de expressão do conjunto da sociedade. Parte considerável
dos empresários que atuam na área formam a principal resistência a essa participação. Apesar da Constituição Federal prever mecanismos de participação
para diferentes setores da administração pública, dentre os quais se destacam
as Conferências Nacionais e a organização de Conselhos, a única instância
prevista em lei nacional com este papel no setor é o Conselho de Comunicação Social (Art. 224 da Constituição), que tem função auxiliar ao Congresso
Nacional e cujo funcionamento não possui regularidade e continuidade.
Nas unidades da federação, a lacuna é ainda maior: um estudo realizado
por Lima mostra que, embora haja previsão de criação de Conselhos Estaduais
de Comunicação em dez constituições estaduais no país, apenas o estado da
Bahia conseguiu criar, instalar e manter em funcionamento permanente o seu
conselho. «Ao contrário do que acontece em outras áreas de direitos fundamentais, na comunicação social, a participação popular e a descentralização
administrativa nunca se tornaram realidade e permanecem praticamente interditadas» (Lima, 2013: 78).
Categoria 2. «Pluralidade e diversidade da mídia, igualdade de condições no plano
econômico e transparência da propriedade»
A categoria 2 dos Indicadores de Desenvolvimento da Mídia trata de cinco
grandes temas: concentração da mídia; diversidade na composição das mídias
pública, privada e comunitária; licenciamento e distribuição do espectro; tributação e regulamentação das empresas; e publicidade. Esses indicadores se
referem principalmente à radiodifusão, mas contemplam também algumas
questões relativas à mídia impressa. Por questão de espaço e devido à relevância desses temas no Brasil, este artigo dá enfase à radiodifusão em dois de seus
aspectos: concentração e licenciamento e distribuição do espectro.
O Brasil proíbe o monopólio e o oligopólio dos veículos de comunicação
desde a Constituição Federal de 1988, em conformidade com a Declaração
de Princípios sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos. No entanto, ainda hoje, o artigo 220 da Constituição, que
trata deste tema, não foi regulamentado. Decretos da década de 1960 ainda em
vigor colocam alguns limites à chamada concentração horizontal.13 O decreto
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13 A concentração horizontal acontece quando uma mesma corporação concentra diversos veículos e quando uma
ou poucas empresas de uma mesma área concentra(m) parte significativa da verba publicitária e da audiência.
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52.795/1963, por exemplo, estabelece que a mesma entidade ou as pessoas que
integram seu quadro societário e diretivo não podem ser contempladas com
mais de uma outorga do mesmo tipo de serviço de radiodifusão na mesma
localidade. Em se tratando de Radiodifusão Comunitária, a Lei n° 9.612/98
estabelece que, a cada entidade, será outorgada apenas uma autorização para
exploração do serviço.
No entanto, nenhuma dessas normas impede que as concessões sejam
dadas em nome de sócios ou familiares dos donos de entidades, o que na
prática faz com que a legislação não seja efetiva para evitar a concentração,
como podemos ver no quadro abaixo. Além disso, a legislação estabelece
que, após cinco anos, as concessões, permissões e autorizações para a prestação dos serviços de radiodifusão comercial poderão ser transferidas para
outras entidades ou para outros sócios, o que seria uma espécie de transferência indireta. Para as rádios comunitárias, é vedada a transferência de
autorização.
Se as normas em vigor regulamentam de forma insatisfatória a propriedade horizontal dos veículos de comunicação, as regras em relação à propriedade cruzada são ainda mais escassas. A legislação sobre o assunto se limita às
intersecções com as empresas de telecomunicações. A Lei 12.485/2011 determina que as empresas de TV aberta e rádio e as produtoras e programadoras
de TV por assinatura não podem controlar mais de 50% do capital total e votante de empresas de telecomunicações; por outro lado, as últimas não podem deter mais que 30% do capital total e votante das primeiras. No entanto,
não há restrições à propriedade cruzada entre TV aberta, rádio e jornais, por
exemplo, favorecendo o quadro de concentração que vemos na tabela abaixo.
Quadro 1. Quadro de concentração
Rede
TV
Globo
FM
OC
OM
OT
TVC
MMDS
DTH
TVA
2
76
11
52
4
9
2
1
SBT
58
70
1
39
2
1
10
1
Band
39
48
5
44
3
13
1
Record
46
51
2
31
3
Rede TV
26
33
17
2
1
1
Canal
Jornal
assinatura
17
33
12
2
Revista
27
Radcom
TOTAL
1
340
1
195
11
166
9
142
4
84
Fuente: Dados da Anatel e do Ministério das Comunicações, 2008.
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O Quadro 1 acima foi sistematizado pelo projeto Donos da Mídia em 2008 e
mostra como os conglomerados que lideram as cinco maiores redes privadas
controlam, direta e indiretamente, os principais veículos de comunicação no
país. Consideram-se veículos vinculados às redes nacionais todas as emissoras
de tv geradoras ou retransmissoras do sinal da cabeça-de-rede. Além disso,
estão incluídos todos os demais veículos controlados pelos grupos regionais
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Brasil e seu desenvolvimento mediático
ailiados. Neste último bloco, são contabilizadas as estações de rádio, jornais,
revistas e operadoras de tv por assinatura.
No Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) elabora, administra e mantém os Planos Básicos de Distribuição de Canais, conforme
previsto na Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997). Embora o artigo
223 da Constituição Federal tenha imposto o princípio da complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal, nunca houve regulamentação desse princípio. Dessa forma, a Anatel não considera o pluralismo no
momento de alocar as frequências, gerando uma prevalência de emissoras
comerciais (cerca de 90% do espectro). A complementaridade entre os sistemas também não tem sido levada em conta em editais para licitação de canais
postos em prática via plano de distribuição administrado pelo atual Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Recentemente, o governo Temer suspendeu editais para emissoras educativas e comunitárias, ao
mesmo tempo em que editou a Medida Provisória 474 concedendo mais prazo
para as emissoras comerciais que haviam perdido o prazo para a renovação de
suas licenças apresentarem novos pedidos de renovação.
As concessões da radiodifusão comercial são deinidas via processo licitatório. Na licitação, os interessados precisam apresentar propostas técnicas,
contendo quesitos como tempo destinado a programas educativos, jornalísticos e noticiosos —mas eles podem variar de acordo com as características
especíicas do serviço—.14 Em estudo realizado em 2008, Cristiano Aguiar Lopes, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, concluiu, no entanto,
que existe uma preponderância do critério inanceiro para a obtenção de concessões, que prevaleceram em 92% dos processos com mais de um concorrente entre 1997 e 2008.15
Já o serviço de Radiodifusão Comunitária é outorgado por meio de autorização, como previsto na Lei n° 9.612/98, e de maneira diferenciada da
concessão porque pode ser revogada sem a necessidade de decisão judicial
e legislativa. Para o serviço educativo, em 2011, o então Ministério das Comunicações publicou portaria com regras para as outorgas de radiodifusão
educativa, estabelecendo que o processo de seleção dos interessados passaria
a ocorrer por meio de avisos de habilitação, da mesma forma que já acontecia
com o serviço de radiodifusão comunitária. No ano seguinte, a aprovação da
lei de criação da ebc (Lei nº 11.652) determinou parâmetros para a Comunicação Pública no país.
Apesar das regras existentes, os indicadores mostram que o processo de
avaliação e de monitoramento do governo em relação às outorgas de radiodi14 Conforme art. 16 do Decreto n° 52.795, de 31 de outubro de 1963, com redação dada pelo Decreto n° 7.670, de
16 de janeiro de 2012.
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15 O estudo analisou 1.996 concorrências realizadas entre 1997 e 2008, fruto da publicação de 507 editais de licitação entre os anos de 1997 e 2002, que redundaram na outorga de 1.033 emissoras de rádio e de televisão, e concluiu
que existe uma facilidade significativa para que os concorrentes conquistem nota máxima ou muito próxima da
máxima na avaliação técnica, o que faz com que o principal fator definidor seja o econômico.
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fusão foi, até recentemente, praticamente inexistente, mesmo com evidências
e denúncias frequentes de concentração do setor no país. Além de não haver
um órgão independente que faça a iscalização do setor, há indícios de interferência política nos processos. Em 2012, pela primeira vez, o então Ministério
das Comunicações publicou um plano anual de iscalização dos serviços de radiodifusão, cobrindo iscalizações por denúncia, estoque processual e rotina.16
Em tabela publicada no inal de 2012,17 foram identiicadas 741 sanções no ano.
Mais da metade foram para rádios comunitárias.
A falha na iscalização por parte do Poder Executivo ica mais evidente nos
processos de renovação de outorgas, que acontecem de forma quase automática. Com a falta de monitoramento, a única exigência feita às concessionárias
é estar em dia com o pagamento de tributos. Os critérios técnicos e de conteúdo que assegurariam a conformidade com as licenças não são regularmente
analisados.18
Outro grave problema existente é a considerável participação de congressistas brasileiros como sócios ou controladores indiretos de emissoras de tv
e rádio. Isto porque, de acordo com a Constituição de 1988, o Congresso Nacional também deve se manifestar nos procedimentos de outorgas. Ou seja,
sua concessão ou renovação só têm validade jurídica após deliberação da Câmara e do Senado federais. Segundo dados do Sistema de Acompanhamento
de Controle Societário da Anatel, em 2015 havia 40 deputados federais e senadores proprietários de empresas concessionárias de radiodifusão. A prática,
histórica no país, gera um quadro de distorção na inalidade de exploração do
serviço público, na medida em que aumenta o poder dos parlamentares que,
assim, podem controlar a circulação das informações na área de abrangência
de suas emissoras.
Nos anos que se seguiram à aplicação que realizamos dos indicadores no
Brasil (2009-2016), organizações da sociedade civil e partidos políticos moveram ações junto ao Supremo Tribunal Federal e entraram com representações
junto ao Ministério Público Federal (mpf) pedindo o cancelamento dessas
concessões. O Poder Judiciário já proferiu três decisões favoráveis ao pleito,
determinando o cancelamento da outorga de três parlamentares no estado
de São Paulo. O governo federal, entretanto, a pedido do presidente Michel
Temer, entrou na Corte Suprema do país para barrar as decisões da Justiça.
16 http://www.mc.gov.br/servicos/apresentacoes/doc_download/1130-plano-anual-de-fiscalizacao-dos-servicos-de-radiodifusao-2013
17 http://www.mc.gov.br/acoes-e-programas/radiodifusao/fortalecimento-da-acao-fiscalizatoria/319-temas/radiodifusao/fortalecimento-da-acao-fiscalizatoria/25158-2012
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18 Amp 747/2016 altera o processo de concessão de rádios e tv, determinando que interessados em renovar a
concessão ou a permissão devem apresentar requerimento nos 12 meses anteriores ao término do respectivo prazo
da outorga. As entidades que não fizerem o pedido de renovação no tempo previsto serão notificadas para que
se manifestem em até 90 dias. Também será possível regularizar permissões que já estejam vencidas. Na prática,
a medida facilita os processos da quase metade das emissoras de radio e tv comerciais do país que estavam com
suas concessões vencidas ou que não tinham solicitado a renovação no prazo legal. No entanto, não engloba as
rádios comunitárias. Mais informações em: http://www.intervozes.org.br/direitoacomunicacao/?p=29717 Acesso
em 22/11/16.
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Brasil e seu desenvolvimento mediático
Dos 40 parlamentares denunciados, nove deputados são também integrantes
da chamada bancada evangélica do Congresso, o que acrescenta aos problemas já citados outros relacionadas à laicidade do Estado e à diversidade
religiosa19 na exploração do serviço de radiodifusão.
O MPF acatou as representações contra os congressistas com o argumento
de que essa participação fere o artigo 54 da Constituição Federal, que estabelece que deputados e senadores estão impedidos de irmar ou manter contratos com concessionárias de serviço público e não podem ser proprietários,
controladores ou diretores de empresas que recebam da União benefícios previstos em lei. O órgão diz ainda que há “conlito de interesses” nesse processo,
uma vez que, como dissemos, o Congresso participa dos atos de concessão,
renovação e iscalização dos serviços.20
A chegada da tv digital ao país poderia, em tese, ter contribuído para a
desconcentração da radiodifusão. O decreto de sua criação, porém, deiniu
a transmissão digital em alta deinição como norma e determinou a consignação, às concessionárias e autorizadas de serviço de radiodifusão, de um segundo canal de radiofrequência com largura de banda de 6 MHz, a im de
permitir a transição para a tecnologia digital sem interrupção da transmissão de sinais analógicos. Tal forma de distribuição fez com que cada detentor
atual de outorga analógica passasse a ter também uma faixa com a mesma
largura de banda para o uso digital. Dessa forma, a ampliação do número de
canais em operação na tv digital —uma das principais características da tecnologia, que possibilitaria a ampliação da diversidade e pluralidade na mídia
brasileira— não se efetivou.21
Categoria 3. «A mídia como uma plataforma para o discurso democrático»
A terceira categoria que compõe o conjunto de indicadores analisados busca
averiguar se o sistema de mídia do país pode ser considerado uma plataforma
para o discurso democrático. A aplicação desta categoria envolveu diversos
tópicos, conforme prevêem as diretrizes da Unesco. Dentre os principais temos: mídia e diversidade social, comunicação pública, veículos de comunicação e acesso à informação; coniança na mídia e segurança dos jornalistas
no exercício do ofício.
19 Para saber mais sobre as relações entre mídia, política e religião no Brasil ver o artigo de Mônica Mourão (2016).
Disponível em http://www.intervozes.org.br/direitoacomunicacao/?p=29732. Acesso em 22/10/16.
20 Em setembro de 2016, o mpf ingressou com ações para derrubar a concessão dos parlamentares deputados
federais Elcione Barbalho (pmdb/pa), Cabuçu Borges (pmdb/ap) e o senador Jader Barbalho (pmdb/pa). Em 9 de
novembro do mesmo ano, o presidente Michel Temer, do mesmo partido dos citados parlamentares, por meio da
Advocacia Geral da União entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal solicitando a declaração da inconstitucionalidade desses ações contra os parlamentares donos de mídia.
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21 Atualmente em andamento, a migração completa da tv analógica para a digital estava prevista para ser concluída em 2016, mas o prazo foi prorrogado para 2018. Há previsão de uma nova prorrogação deste prazo para 2023.
Mais informações em: http://www.telesintese.com.br/sai-novo-cronograma-de-desligamento-da-tv-df-outubro-de-16-capital-paulista-marco-de-17-e-rj-outubro-de-17/. Acesso em 22/11/2016.
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No que se refere à diversidade linguística representada nos veículos de comunicação, no Brasil há uma prática já tradicional nas emissoras de televisão
em estipular a utilização de um português padronizado, principalmente na
atividade jornalística, que se propõe neutro, mas que possui a preponderância de sotaque característico do sudeste do país (região mais industrializada, onde se concentra boa parte das sedes das redes de televisão e rádio). Na
teledramaturgia e em outras produções iccionais, é possível encontrar versões menos padronizadas do português, através da fala interpretada de atores
e atrizes quando tentam encenar personagens regionais.22 A presença de locais
só é mais permissiva em veículos menores, principalmente de rádio, onde a
imposição de padrões linguísticos neutros é menos rígida.
Historicamente, idiomas indígenas ou africanos (duas importantes matrizes étnicas na formação do Brasil) foram preponderantemente ofuscados
pela língua portuguesa, que se impôs no país ao longo do tempo. Os idiomas
indígenas, por exemplo, sobrevivem em determinadas comunidades nativas,
mas se coniguram, na prática, como guetos culturais. Idiomas indígenas
ou africanos não são veiculados na radiodifusão propoderante (salvaguardadas raríssimas exceções, por exemplo, em trechos de documentários sobre
índios, seguidos de legendas). Não há grandes emissoras de rádio ou tv transmitindo em língua indígena, como ocorre em países como Austrália e Canadá.
No caso dos veículos comunitários, a presença de canais indígenas também é
rara. Segundo a Associação Mundial de Rádios Comunitárias, das emissoras
comunitárias autorizadas no país até 2013, apenas uma é sediada em território
indígena e nenhuma em comunidade quilombola.
Ao observarmos o indicador da diversidade étnica e também de gênero nas
atividades jornalísticas, os números demonstram algumas contradições. Estudo desenvolvido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)23 em 2012
revelou que as mulheres compõem 64% das redações, contra 36% dos homens.
Apesar disso, as jornalistas mais jovens ganham menos que os homens e são
minoritárias nos cargos de cheia nos órgãos de comunicação. O estudo também demonstrou que o percentual de negros entre os jornalistas não condiz
com a proporção de pretos e pardos que compõem a população brasileira. Entre os entrevistados, 72% se declararam brancos, 18% pardos, 5% negros e 2%
amarelos. Não houve o registro de jornalistas indígenas.
No que se refere à atividade de comunicação pública ou serviço público
de mídia (public broadcasting) no Brasil, este sempre foi um problema estrutural, como já havia sido detectado no momento da aplicação dos Indicadores, e que se agravou drasticamente em 2016 com o início do governo Temer.
Apesar de a Constituição de 1988 ter estabelecido que a radiodifusão no país
deveria operar observado o princípio da complementaridade dos sistemas
22 Embora haja a crítica de que tais sotaques regionais nem sempre condizem com a realidade, por serem artificializados ou caricatos em certa medida em função da interpretação ser feita por atores do sudeste brasileiro.
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23 http://fenaj.org.br/relinstitu/pesquisa_perfil_jornalista_brasileiro.pdf
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Brasil e seu desenvolvimento mediático
privado, público e estatal, apenas o sistema comercial foi de fato desenvolvido (principalmente sob o incentivo dos governos militares entre as décadas
de 1960 e 1980). As tv e rádios estatais (inanciadas e gerenciadas por entes
governamentais) foram criadas na maioria dos estados brasileiros na forma
de emissoras culturais ou educativas. Porém, a maior parte desses canais
atua com escassos recursos e sob gerência e/ou acompanhamento direto do
titular governamental, que possui poder de nomear ou demitir diretores ou
interferir na linha editorial desses meios. Emissoras públicas, ou seja, veículos
inanciados com dinheiro público e com autonomia e independência administrativa e editoral, foram historicamente negligenciadas no país.
Após muitos anos de cobrança e de debates, em 2008, o governo brasileiro
criou a Empresa Brasil de Comunicação-ebc, durante o segundo mandato de
Luiz Inácio Lula da Silva. A nova organização foi projetada para suscitar a
ideia de um sistema público de radiodifusão efetivamente nacional. Apesar de
problemas de inanciamento escasso, de deiciências infraestruturais na rede
de cobertura e fragilidades na sua estrutura administrativa, este era o principal projeto de um sistema de public broadcasting /(ou public service of media)
no país. Para garantir sua autonomia, a ebc foi estabelecida com um Conselho
Curador, com membros majoritariamente escolhidos por segmentos da sociedade, mandato ixo e poder de destituir a direção da empresa em caso de não
cumprimento de princípios que regem a mídia pública.
Porém, em 2016, houve uma substancial derrocada desse indicador. Iniciando uma série de ações para inviabilizar o projeto de Comunicação Pública
no Brasil, o governo Temer editou a Medida Provisória 744 e, unilateralmente,
dissolveu o Conselho Curador e acabou com o mandato ixo do presidente da
ebc, que passou a ser exonerável pelo Presidente da República, exterminando
assim os dois principais mecanismos de autonomia que existiam na empresa.
Ao observarmos os indicadores sobre acesso à informação através dos veículos de comunicação, o país estruturou historicamente diversas barreiras
para grupos marginalizados, principalmente de viés econômico e educacional. Segundo os Indicadores Sociais Municipais do Censo Demográico 2010,
divulgados pelo ibge (Instituto Brasileiro de Geograia e Estatística), 9,6% da
população brasileira é composta por iletrados e mais de 20% são analfabetos
funcionais, o que impede seu acesso a informações por meios impressos (jornais e revistas) e também pela internet. Para além do analfabetismo, vale destacar que mais de um terço da população não concluiu o ensino fundamental.
Ou seja, apesar de não serem considerados analfabetos, são cidadãos que possuem barreiras estruturantes para acessar a informação pelo meio impresso.
Na região nordeste, por exemplo, este índice chega a 44% da população com
25 anos ou mais. Na região norte, é de 38%.
Quando a barreira não é educacional, é econômica. Estudo encomendado
pela Associação Nacional dos Jornais em 200724 mostrou que a penetração
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24 Fonte Ipsos: Estudos Marplan/egm, Jan/07 a Dez/07.
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de jornais impressos é de 78% na classe A; caindo para 18% na classe E. Em
relação ao acesso à informação via internet, em 2015 apenas metade (50%) dos
domicílios brasileiros estavam conectados à rede mundial de computadores25.
Para 60% da população, o custo elevado é o principal motivo para a falta de
internet no domicílio.
Somando, portanto, os dois fatores (escolaridade e renda), que na maior
parte das vezes caminham juntos, à maior parte da população brasileira resta o
acesso à informação via televisão aberta e rádio. Isso porque, segundo a Anatel
(Agência Nacional de Telecomunicações), em fevereiro de 2015, os serviços de
tv por Assinatura estavam presentes em apenas 29,85% dos 66,04 milhões de
domicílios no país (os de maior renda). A televisão aberta e o rádio se fazem
presentes em mais de 90% dos lares brasileiros e, no caso de grupos marginalizados, na maior parte das vezes, são suas únicas fontes de acesso à informação.
No tocante à qualidade do jornalismo, no Brasil, são escassos os estudos
que tratam da percepção do público sobre a atividade jornalística, o que diiculta analisar longitudinalmente este indicador. Pesquisa do gênero realizada
por uma consultoria contrata pela Secretaria de Comunicação da Presidência
da República, em 2015, aponta que apenas 41% da população acredita sempre
ou muitas vezes nas notícias veiculadas pela mídia.26
Do ponto-de-vista formal, a imprensa brasileira consegue exercer suas atividades em relativo ambiente de respeito ao trabalho jornalístico. Relativo,
pois as ocorrências de ameaça e assédio aos jornalistas e órgãos de imprensa
não são fenômenos extintos. Pelo contrário, são frequentes, mas ocorrem de
modo implícito ou não-publicizado, o que diiculta sua mensuração exata em
termos estatísticos.
Externamente aos órgãos de imprensa, podemos listar casos mais recorrentes de ameaças e assédios: diminuições de verbas publicitárias governamentais a jornais e emissoras como de forma de represália a determinadas
coberturas que contrariam o interesse de autoridades ou, contrariamente, a
liberação de recursos como forma de barganha quando a relação entre mídia e
governos estão harmoniosas;27 ameaças anônimas a jornalistas devido a matérias investigativas em andamento ou publicadas; ameaças verbais de políticos
ou autoridades governamentais em of durante uma entrevista, por exemplo,
são experiências já vivenciadas pelo menos uma vez por grande parte dos órgãos de imprensa ou dos proissionais deste meio.
Internamente, ameaças, assédio ou vigilância ao trabalho jornalístico ocorrem no âmbito da micro relação de poder entre proprietários, diretores e repórteres. Nestes casos, o nível de liberdade e autonomia dado ao jornalista é maior
25 Pesquisa tic Domicílios e Empresas 2015 do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Disponível em http://cetic.br/
pesquisa/domicilios/indicadores. Acesso em dezembro de 2016.
26 Pesquisa Brasileira de Mídia 2015 – Hábitos de Consumo de Mídia pela População Brasileira. Disponível em
http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-atuais/
pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf. Acesso em dezembro de 2016.
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27 Um fenômeno bastante comum em nível regional.
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ou menor a depender de variáveis como: (a) tamanho e abrangência do veículo;
(b) características da cultura política da região de atuação do veículo; (c) conlitos de interesses em que a pauta está envolvida. Exemplo desse tipo de situação
foi a demissão da psicanalista Maria Rita Kehl do quadro de articulistas do jornal
O Estado de S. Paulo. A direção do jornal decidiu romper o contrato com Kehl no
dia 6 de outubro de 2010, depois da publicação de um artigo intitulado Dois
pesos... no qual a autora faz uma crítica sobre a desqualiicação do voto dos pobres, gerando grande repercussão na internet e nas mídias sociais. Fui demitida
por um delito de opinião, airmou Maria Rita Kehl em entrevista ao jornalista
Bob Fernandes, do portal de notícias Terra Magazine, em 7 de outubro de 2010.28
No Brasil, a relação entre mídia e a esfera política é umbilical. Dados do
projeto Donos da Mídia demonstravam, em 2008, que 271 políticos eram sócios ou diretores de 324 veículos de comunicação. Praticamente em todos os
estados da federação brasileira, rádios, tv ou jornais estão sob tutela ou propriedade de políticos. Este problema estrutural faz com que muitos veículos
sejam utilizados como instrumentos de luta política, propiciando enquadramentos tendenciosos; construindo ou destruindo imagens públicas de atores
políticos segundo o interesse dos proprietários dos veículos.
O país possui leis e normas que protegem a atividade jornalística, mas os
casos de agressões físicas ainda não foram extintos. O relatório Violência e
Liberdade de Imprensa no Brasil de 2014,29 produzido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), relata que em 2013 ocorreram 181 casos de violência contra jornalistas e, em 2014, 129, sendo três mortes. Também foram
assassinados três radialistas e um blogueiro, embora estes crimes constam
dos relatos de casos do relatório para registro, já que esses proissionais não
pertencem à categoria de jornalistas. Quanto à execução dessas violências, o
documento aponta que a grande maioria das agressões parte de políticos ou
autoridades governamentais (historicamente, a principal fonte de agressão),
forças policiais e manifestantes em casos de protestos de rua. A organização
também ressalta que os casos apurados não retratam toda realidade, já que
diagnosticar casos de violência contra jornalistas em um país do tamanho do
Brasil se torna difícil em sua totalidade.
A Associação Nacional de Jornais (anj) também publicou o documento Relatórios de Atividades e de Liberdade de Imprensa: 2012 a 2014.30 No documento,
são descritas infrações ou ameaças contra a atividade jornalística. Dentre elas,
oito assassinatos, onze casos de prisão, 209 agressões, 28 casos de censura31 e
18 atentados.
28 Link da entrevista de Maria Rita Kehl, concedida ao jornalista Bob Fernandes, do Portal Terra Magazine, publicada em 07/10/2010: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4722228-EI6578,00-Maria+Rita+Kehl+Fui+demitida+por+um+delito+de+opiniao.html
29 Disponível em http://www.fenaj.org.br/federacao/comhumanos/relatorio_fenaj_2014.pdf
30 http://www.anj.org.br/images/public_docs/relatorios_liberdade/RELATRIO%20DE%20LIBERDADE%20
2012-2014.pdf
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31 Todos os casos envolvendo o sistema Judiciário brasileiro.
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Por fm, no relatório Freedom Of Press, da Freedom House, o Brasil aparece em 2015 na 90ª posição no ranking dos países em termos de liberdade de
imprensa e é considerado «parcialmente livre» pela organização.32 Levantamento do cpj (Committee to Protect Journalists), divulgado também em abril
de 2012,33 indica que o Brasil é o 11º país do mundo em que os assassinatos de
jornalistas mais icam impunes. De acordo com o «Índice da Impunidade»
elaborado pelo órgão, cinco mortes de jornalistas nos últimos dez anos não
resultaram em nenhuma condenação no país.
O fato de o país não possuir um sistema regulatório eiciente, com normas
claras e agentes reguladores capazes de receber denúncias e evitar abusos por
parte de veículos de comunicação, tem possibilitado o uso distorcido do Poder Judiciário como instrumento inibidor a atividade jornalística. Um exemplo emblemático recente foi a ação sincronizada de diversos juízes, em 2016,
contra jornalistas da Gazeta do Povo. Na tentativa de impedir a publicação
de uma série de reportagens sobre transparência pública que traziam dados
sobre salários de membros do Judiciário —baseados em informações públicas previstas em lei— os magistrados moveram mais de 40 processos contra
cinco jornalistas, pedindo indenizações e forçando-os a comparecer a diversas
audiências para se defenderem, em uma evidente ação de represália. O caso
ganhou repercussão e chegou à Suprema Corte brasileira, que suspendeu as
ações até o julgamento inal do mérito do caso, ainda em aberto.
Categoria 4. «Capacitação profissional e instituições de apoio»
A categoria 4 dos Indicadores de Desenvolvimento da Mídia da Unesco trata
da «capacitação proissional e instituições de apoio à liberdade de expressão,
ao pluralismo e à diversidade, dividindo seus indicadores entre os temas:
oferta de capacitação proissional na área de mídia; oferta de cursos acadêmicos sobre a prática midiática; presença de sindicatos e organizações proissionais e presença de organizações da sociedade civil.
No que diz respeito à formação dos proissionais de comunicação, há um
hiato entre a oferta e a qualidade dessa formação na promoção de valores que
estimulem a liberdade de expressão, o pluralismo e a diversidade. Numericamente, encontramos uma ampla presença de cursos de graduação e de pós-graduação na área. São 549 cursos de Comunicação Social que incluem jornalismo
como habilitação, além de 14 especíicos de Jornalismo.34 Em relação à pós-graduação, são registrados mais de quarenta programas na área. O levantamento da
32 Ver síntese do ranking em https://freedomhouse.org/sites/default/files/FreedomofthePress_2015_FINAL.pdf.
Acesso em dezembro de 2016.
33 Ver em http://www.cpj.org/reports/2012/04/impunity-index-2012.php
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34 A partir de 2016, as escolas de comunicação tiveram de se adequar a uma nova resolução do mec que padronizou
as denominações dos cursos. Jornalismo (assim como as demais áreas) deixa de ser habilitação e passa a se configurar como curso autônomo, dentro da área de Comunicação Social.
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renoi aponta que 88% dos entrevistados concordam que uma sólida formação
acadêmica é um fator importante para atingir altos níveis de qualidade no trabalho jornalístico. No entanto, observa-se que essa oferta é assimétrica entre as
regiões do país, concentrando-se principalmente nos estados do Sudeste. Do
total de cursos de graduação em jornalismo, 50,79% estão concentrados na região Sudeste do Brasil, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro. Os três
estados da região Sul têm 16,53% dos cursos e os nove do Nordeste, 17,53%.
Os indicadores mostram como as diretrizes curriculares da área tratam de
forma supericial questões de direito, ética, regulamentação e políticas públicas de mídia. Já a relação entre mídia e promoção da democracia e direitos
humanos não é sequer mencionada explicitamente nas diretrizes curriculares
do curso de Comunicação Social. A fragilidade desse conteúdo tem impacto
direto na formação de uma cultura proissional com pouca percepção dos
princípios democráticos. Estudos ligados à renoi (Cerqueira, 2010; Christofoletti, 2010; Guerra, 2010) indicam ainda que a percepção da importância do
pluralismo e da relação entre jornalismo e expansão da democracia é fraca
entre os jornalistas, e falta consenso entre os proissionais da mídia em torno
de valores da diversidade e pluralidade como alicerce com impacto direto na
qualidade do produto jornalístico.
Algumas empresas de mídia oferecem programas de capacitação, como a
Editora Abril e os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, que mantêm
programas voltados à capacitação de jornalistas recém-formados. Organizações da sociedade civil e empresas como Oboré, abraji, intercom, Comunique-se, senac e aberje também mantêm cursos. Entidades da sociedade
civil têm se destacado em iniciativas de educomunicação ou de alfabetização
para a mídia. No campo acadêmico, são dois cursos de graduação voltados
para essa área, que tem sido trabalhada em escolas de ensino médio ou em
iniciativas autônomas por pelo menos dez organizações da sociedade civil que
compõem a Rede cep, além da Rede de Adolescentes e Jovens Comunicadores
e Comunicadoras-renajoc, ligada ao projeto Viração.
Iniciativas de formação especíicas para negros e negras são o foco do trabalho de instituições como o Mídia Étnica, da Bahia, assim como o Instituto
Patrícia Galvão, que realiza formação em comunicação com foco na questão
de gênero. Há iniciativas neste campo também por parte da Fenaj e da onu
Mulheres.
A sociedade civil também tem papel preponderante nas ações de monitoramento de conteúdo e da propriedade da mídia com vistas à promoção do
pluralismo e da diversidade. Foram identiicadas pelo menos duas dezenas de
organizações voltadas para o tema.35 Nas instituições acadêmicas, o tema tem
91
35 No campo do monitoramento do conteúdo, destacam-se as iniciativas da Rede Nacional de Observatórios de
Imprensa; no campo da promoção do pluralismo, pode ser feita menção à atuação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (fndc), que reúne mais de 500 entidades de diversos setores com preocupação sobre
o tema. Entre as entidades criadas prioritariamente para lidar com questões da mídia destacam-se a andi, a Artigo
19, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e o Instituto Alana, além do Intervozes. No campo da
comunicação pública e comunitária também há pelo menos cinco entidades com trabalho permanente, tais como
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sido acompanhado por pesquisas e estudos, com destaque para o Laboratório
de Políticas de Comunicação, da Universidade de Brasília, com atuação sobre
o tema desde 1991; o Capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da
Informação, da Comunicação e da Cultura-ulepicc–Brasil; a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação-Intercom; e a criação da
economia psicopolítica da comunicação e da cultura pelo Centro de Estudos
Transdisciplinares de Psicopolítica e Consciência-netccon/eco/ufrj.
Categoria 5. «A capacidade infraestrutural é suficiente para sustentar uma mídia
independente e pluralista»
A categoria 5 do documento de Indicadores do Desenvolvimento da Mídia se
foca em dois temas: disponibilidade e uso de recursos técnicos pelas empresas
de mídia e seus funcionários e penetração da imprensa, mídia eletrônica e
Tecnologias da Informação e Comunicação (tic). Por questão de espaço, vamos priorizar o segundo tema, que se refere ao acesso da população aos veículos de comunicação, essencialmente os canais de radiodifusão, excluindo,
dessa forma, a mídia impressa, devido a pouca disponibilidade de dados.
Segundo a Pesquisa tic Domicílios e Usuários 2015 (Cetic.br 2015),36 97%
dos domicílios do Brasil possuem televisão, sendo que apenas 29% possuem
tv por assinatura; 70% têm aparelho de rádio, 93% aparelho de celular e 31%
possuem telefone ixo, que foi gradualmente substituído pelos aparelhos móveis. Os principais gargalos no acesso às tic são o computador e a internet. A
pesquisa mostra que 51% das residências possuem computador e 50% possuem
acesso à internet, sendo 68% com banda larga ixa. O acesso é maior nas regiões Sul e Sudeste, e alcança apenas 40% das residências na região Nordeste e
38% no Norte. Enquanto 99% dos domicílios de classe A têm acesso à internet,
esse número é de apenas 16% nas residências das classes D e E. Vejamos a seguir
alguns obstáculos para a penetração das mídias eletrônicas e das tic no Brasil.
As emissoras de rádio e tv comerciais têm um alcance grande. Embora
apenas 12,1% dos municípios tenham geradoras de conteúdos televisivos, a
tv aberta está presente em 99,9% dos municípios brasileiros, através das retransmissoras e repetidoras, segundo dados da munic 2015: Pesquisa de Informações Básicas Municipais, realizada pelo ibce.37
Já as emissoras públicas, educativas e comunitárias têm maior diiculdade
de penetração. Ainda segundo dados do ibce, em 2014, 64,1% dos municípios
brasileiros possuíam rádios comunitárias. Segundo o Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações, até 2016 foram autorizadas a funcio-
a Abepec, além de uma série de organizações com atuação nas questões relacionadas à internet.
36 http://www.cetic.br/pesquisa/domicilios/indicadores
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37 http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95013.pdf
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nar 4.774 rádios no país.38 No entanto, as rádios comunitárias possuem um
problema adicional. A elas é destinado no máximo um canal de frequência do
espectro em cada município. Como é um serviço de baixa potencia (25 Watts),
pode haver mais de uma rádio em cada localidade operando na mesma frequência. No entanto, como só há uma frequência disponível para cada localidade, muitas comunidades não conseguem autorização, já que seu sinal
esbarra no de outra emissora próxima.
A situação acima acontece porque a combinação dos limites de uma frequência por comunidade com o alcance máximo de 1 km de raio e a distância
mínima de 4 km entre as emissoras gera uma situação em que a cobertura
máxima não tem como passar de 20% do município. Além disso, a lei 9.612/1998
determina sanções para as rádios comunitárias que interferirem no sinal de
rádios comerciais – enquanto não há previsão de punição para a situação contrária. Em relação às tv comunitárias, o alcance é muito menor, uma vez que
tais emissoras estão restritas à tv a cabo (um canal por localidade), presente
em apenas 272 municípios brasileiros.39 Segundo a munic 2015, há tv comunitárias atuam em apenas 3,5% das cidades do Brasil.
Em relação às emissoras públicas de televisão e de rádio, os indicadores
revelam um baixo índice de acesso às mesmas, em virtude do limite do alcance de seu sinal, disponíveis em poucos municípios. Desde 2007, a ebc é
responsável por gerir os canais de radiodifusão e comunicação pública: a tv
Brasil, a tv Brasil Internacional, uma agência pública de notícias (a Agência
Brasil), a Rádio Agência de Notícias e oito emissoras de rádio.40 A tv Brasil
está presente em sinal aberto (uhf ou vhf) em apenas em pouco mais de uma
dezena de municícios. Sua programação é acessível ainda por meio de antenas
parabólicas analógicas e digitais, presentes, segundo a pesquisa tic Domicílios e Usuários 2015,41 em 39% dos domicílios brasileiros. Desde a aprovação
da lei 12.485/2011, sua oferta é também obrigatória por todas as operadoras de
tv por assinatura do país, que atinge, como vimos, 29% da população. Parte
de sua programação é também retransmitida por 20 emissoras educativas estaduais e por 24 tv educativas municipais.42
A acesso à internet encontra diiculdades adicionais, já que o serviço de conexão não é considerado essencial , o que diiculta a sua universalização. A política
de preços elevados aliada à ausência de infraestrutura são fatores de exclusão.
Segundo a tic Domicílios e Usuários 2015, 60% dos domicílios que não
possuem internet apontam o preço do serviço como um impeditivo e 30% não
contratam por não terem o serviço disponível em sua região. De acordo com
a União Internacional de Telecomunicações, órgão ligado à Organização das
38 http://www.mc.gov.br/DSCOM/view/Informacoes.php
39 http://www.mc.gov.br/DSCOM/view/Informacoes.php
40 http://www.ebc.com.br/institucional/sobre-a-ebc
http://www.cetic.br/tics/usuarios/2013/total-brasil/A/
http://tvbrasil.ebc.com.br/comosintonizar
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ICR
BIA BARBOSA ET AL.
Nações Unidas, a internet banda larga no Brasil ainda é cara em comparação
com o restante do mundo, embora sua posição no ranking tenha melhorado.
Em 2011, no ranking de 152 países, o Brasil ocupava a 56ª posição em escala
crescente (do mais barato ao mais caro serviço) de preço. Em 2016, o Brasil
subiu para a 32a posição entre 182 países.43
Em, 2010, o governo federal lançou o Plano Nacional de Banda Larga com
a meta, entre outras, de atingir 35 milhões de domicílios com internet ixa
até 2014. No entanto, como mostra o relatório elaborado pela Comissão de
Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal, no inal deste período, as metas estavam longe de ser atingidas: o acesso à
internet ixa, por exemplo, tinha atingido 23,5 milhões de locais, incluindo residências e estabelecimentos comerciais.44 Para complicar a situação, tramita
de maneira acelerada no Congresso Nacional o pl 3453/2015, que promove
mudanças na Lei Geral de Telecomunicações que podem diicultar ainda mais
a universalização do serviço e a diminuição da desigualdade em relação à qualidade e velocidade de acesso.
A privatização do sistema Telebrás, em 1998, determinou que, terminado o
prazo de outorga, o Estado retomaria a posse dos bens necessários para a oferta
dos serviços de telecomunicações, os chamados bens reversíveis, e faria novo
processo de concessão que incluiria regras em relação a preço e universalização.
Caso o PL 3453/15 seja aprovado, no entanto, os bens reversíveis que, se constituiriam em uma infraestrutura pública, não voltarão mais para o Estado e as
obrigatoriedades em relação a preço e universalização não se concretizarão.45
Conclusões
A pesquisa de aplicação dos Indicadores do Desenvolvimento da Mídia no
Brasil demonstra características do sistema de comunicação e importantes
lacunas para o seu pleno estabelecimento para a promoção da diversidade e
do discurso democrático, derivadas basicamente: a) da concentração de propriedade e da audiência dos veículos comerciais de comunicação, b) de insuicientes regulamentações e políticas públicas para a promoção do direito à
informação e à comunicação.
O país também pode ser caracterizado por pendência de medidas para o
fortalecimento da comunicação pública e pela necessidade de acompanhamento da propriedade dos meios para reduzir a signiicativa presença do controle direto ou indireto de políticos em veículos midiáticos. Embora relevante
e crescente, o acesso à internet não superou a televisão como principal fonte
43 http://www.itu.int/en/ITU-D/Statistics/Documents/publications/misr2016/MISR2016-w4.pdf
44 http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/o-fracasso-do-plano-nacional-de-banda-larga-3770.html
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45 Para uma análise do PL: http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/avanco-do-pl-3453-pode-minarampliacao-da-inclusao-digital
ICR
Brasil e seu desenvolvimento mediático
de informação da população brasileira, situação que mantém a relevância da
formulação, implementação e execução de políticas públicas nesta área.
A atual conjuntura política do país apresenta obstáculos ainda maiores para a
superação dessas lacunas, considerando a prioridade que o governo Temer tem
dado à radiodifusão comercial —em detrimento à comunicação pública e comunitária—; à defesa que tem feito do controle de emissoras por políticos; e às
mudanças propostas na Lei Geral de Telecomunicações, que impactarão signiicativamente nas possibilidades de universalização do acesso à internet no Brasil.
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