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Absurdos nos editais: até exame de HIV é pedido em concursos públicos

Absurdos nos editais: até exame de HIV é pedido em concursos públicos

Exigências não podem configurar discriminação; qualquer tipo de determinação deve estar previsto em lei, como ocorre com o limite de idade

Publicado em 26 de fevereiro de 2020 às 09:56

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Exame de HIV estava previsto no edital do concurso da Prefeitura de Cariacica. (Divulgação/ Ministério da Saúde)

Passar em um concurso público é o sonho de muitos candidatos em todo o país. Mas tanto tempo de estudo pode se tornar uma frustração quando as bancas examinadoras utilizam critérios de eliminação que beiram ao absurdo. Alguns editais de concursos públicos, por exemplo, chegam a pedir teste de HIV e exame papanicolau. Já outros eliminam candidatos se, durante a investigação social, houver registro de inquérito policial e uso de drogas ainda na adolescência. 

As exigências soam como absurdas e o resultado são ações na Justiça e movimentação de entidades para a retirada desses requisitos das regras das seleções. Advogados especializados na defesa de candidatos dizem que alguns requisitos podem até ser exigidos, desde que tenham a ver com a atividade a ser exercida. Limite de idade e de altura, por exemplo, devem estar estabelecidas por lei. 

O advogado Victor Marques explica que a Constituição Federal determina que para alguns cargos, como de militares, é possível estabelecer requisitos para que o candidato ingresse no serviço público em perfeitas condições para exercício da função.

“Qualquer exigência tem que estar ligada ao cargo. Se não influenciar em nada, não podem ser pedidos. Há alguns exageros e muitos deles acabam sendo recorrentes. Só para se ter uma ideia, as polícias militares do Espírito Santo e de Minas Gerais já eliminaram candidatos por eles terem feito cirurgia no joelho. No caso de exames de HIV, além de não afetar a função, é uma questão discriminatória e a Constituição veta qualquer tipo de discriminação”, ressalta Marques.

Um exemplo recente desse tipo de cobrança levou a Defensoria Pública do Espírito Santo a protocolar, no final de janeiro, uma recomendação para que a Prefeitura de Cariacica deixasse de exigir laudo de sorologia (HIV/AIDS) dos candidatos ao concurso da Guarda Municipal. O município alterou o edital e ampliou o prazo de inscrições. 

O advogado Victor Marques também lembra o caso de um candidato do Espírito Santo que foi eliminado do concurso da PM de 2014 por ter diabetes. A doença tratada, segundo ele, não influencia na atividade diária. “A Justiça entendeu que houve discriminação e ele foi reconduzido ao cargo”, destaca.

Ainda de acordo com Marques, é necessário que uma perícia detalhada seja feita para avaliar o quanto determinado problema pode ou não atrapalhar as atividades do servidor público.

"Um candidato a professor com problema vocal, por exemplo, pode correr o risco de seu problema agravar. No entanto, a perícia que vai determinar se ele pode ou não dar aulas. É bom lembrar que tudo vai depender de cada caso. O perito que vai dizer se a pessoa está apta ou não para o cargo. Infelizmente não é isso que ocorre e a perícia é muito superficial", afirma.

A advogada Renata Araújo ressalta que qualquer limitação como limite de idade ou de altura precisam estar determinados por lei.

"Tudo vai depender do cargo e de suas atribuições. No caso de policiais militares, é necessário fazer esforço físico, mas não faz sentido ter essa exigência para escrivão, por exemplo. Uma outra polêmica é a tatuagem, que já foi item de reprovação e hoje está superado. É claro que os desenhos não podem superar princípios e valores. A pessoa não pode ter, por exemplo, tatuagem de cunho nazista”, ressalta Renata.

QUEM RESPONDE INQUÉRITO NÃO PODE SER ELIMINADO

Na última semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que candidatos que respondem inquéritos policiais não podem ser eliminados de concursos públicos. De acordo com a instituição, os órgãos não podem impedir a participação de quem ainda não foi condenado.

“Um candidato que é parado em blitz não responde inquérito, não foi autuado e não teve processo judicial não pode ser eliminado. Da mesma forma alguém que experimentou droga na adolescência e não se tornou usuário. No entanto, é necessário ser sincero quando foi questionado sobre isso. Ele pode até eliminado do certame, mas por outras razões”, pontua Marques.

O advogado alerta que uma pessoa só pode ser eliminada de um concurso se a deficiência prejudicar a atuação. “Se ela foi traficante ou usuário de droga, não pode ser um policial”, diz.

Segundo Renata, um candidato condenado só pode ser eliminado de um certame se o processo dele estiver trânsito em julgado. Ela alerta que essa regra vai valer para cargos como delegado, policial militar, oficial, entre outros.

“Dependendo do cargo, não pode haver restrição, a não ser que ele esteja respondendo a uma acusação grave. Como há recurso, ele pode ir se segurando no cargo até ser julgado. Neste caso, há decisões contra e a favor desse candidato”, afirma a advogada.

CASOS DE EDITAIS QUE TIVERAM RECLAMAÇÃO

Inquérito policial

  • O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que pessoas que respondem a processos ou inquéritos criminais não podem ser barradas em concursos públicos. A Corte entendeu que os editais de seleções de ingresso nas carreiras públicas ou de promoção interna não podem impedir a participação de quem ainda não foi condenado. A decisão do STF foi tomada em um recurso de um policial do Distrito Federal que foi impedido de participar de um concurso interno para o curso de formação de cabos da PM por ter sido denunciado por falso testemunho. Pelas regras da seleção, o policial que respondesse a um processo não poderia participar do certame. O caso ocorreu em 2007
Exame HIV
  • A Defensoria Pública do Espírito Santo protocolou na última quinta-feira (30) uma recomendação para que a Prefeitura Municipal de Cariacica não exija laudo de sorologia (HIV/AIDS) dos candidatos ao concurso da Guarda Municipal (001/2020) que está com edital aberto. A Defensoria pede que seja retirado o item em que está prevista a apresentação de laudo de sorologia para HIV/AIDS, uma vez que não fica claro se o fato será decisivo para exclusão do candidato.  O município retirou a exigência e prorrogou as inscrições
Exame papanicolau
  • Em 2018, o Estado de São Paulo foi proibido de exigir exames invasivos de candidatas aprovadas em concursos públicos. A liminar, concedida pelo juiz José Gomes Jardim Neto, da 15ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, impediu que fossem obrigatórias colposcopia, colpocitologia oncótica (papanicolau) e mamografia. Os exames, previstos por uma resolução de 2015 da Secretaria estadual de Planejamento e Gestão e feitos pelo Departamento de Perícias Médicas do estado, foram questionados pela Defensoria Pública paulista, sob o argumento de que a imposição fere a isonomia entre homens e mulheres. A ação afirmou também que a exigência fere os princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade porque o objetivo do exame é admissional. O mesmo exame também foi pedido no concurso de 2015 do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mas a Justiça Federal suspendeu a exigência.
Cirurgia de joelho
  • Em março de 2019, a juíza da 16ª Vara Cível da Capital, Maria Ester Cavalcante Manso, determinou que o Estado de Alagoas, por meio da Polícia Militar, reconvocasse para realizar o Teste de Aptidão Física (TAF), aprovado no concurso para soldado combatente em junho de 2018. O candidato teria sido reprovado no exame médico por causa de uma cirurgia no joelho, realizada 8 anos antes dos exames e que já estaria recuperado. Caso semelhante também ocorreu nos certames das PMs de Minas Gerais e Espírito Santo. “Ter cirurgia no joelho não vai interferir nas atividades de um policial. Com a tecnologia de hoje, a recuperação é rápida e o joelho pode estar melhor do que um que não passou pelo procedimento. Podemos citar como exemplo os jogadores de futebol, que podem voltar a jogar poucos meses depois da cirurgia”, ressalta do advogado Victor Marques. 
Diabetes
  • No concurso da PM do Espírito Santo realizado em 2014, um candidato foi eliminado por ter diabetes. A Justiça entendeu que a doença tratada não influencia na atividade diária. Ele foi reinserido no certame.
Tatuagens
  • Muitos candidatos foram desclassificados de algum certame por terem tatuagens. Eles entraram na Justiça e conseguiram retornar ao certame. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a proibição de tatuagem em concurso público é inconstitucional. Segundo instituição, a banca examinadora não pode, simplesmente, estabelecer regras que proíba a participação do candidato tatuado. Nesse sentido, as regras contidas no edital devem, sempre, seguir o que diz a legislação. “Editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais, em razão de conteúdo que viole valores constitucionais”, diz a declaração do STF. No entanto, há algumas limitações para as tatuagens, que não podem ferir valores constitucionais e dos órgãos administrativos. O candidato ter uma suástica tatuada ou ainda pleitear uma vaga na Polícia Militar, por exemplo, e apresentar o símbolo de organizações criminosas na pele. 
Aparelho ortodôntico
  • No concurso da PM de Minas Gerais, um candidato foi eliminado por usar aparelho ortodôntico. Ele conseguiu comprovar na Justiça que o uso da correção não era motivo de exclusão. 
  • Uso de drogas
  • A Justiça Estadual suspendeu a eliminação de um candidato do concurso de soldados da PM do Espírito Santo, que foi desclassificado por ter usado drogas no passado. Ele foi reintegrado. O candidato, que foi aprovado nas etapas de provas objetiva, redação, aptidão física e testes psicotécnicos, tinha sido eliminado na fase de investigação social. O concorrente foi considerado contraindicado para a vaga por ter utilizado entorpecente no passado, quando entrou na faculdade. Foi o próprio candidato que admitiu à banca ter usado pontualmente na época - ele não chegou a ser detido ou responder criminalmente pelo ato. 

O QUE DIZ A LEI

  • Constituição
  • A Constituição Federal estabelece a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, sendo vedada a diferença de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
  • Limitação
  • Eventuais limitações estabelecidas como critério de admissão em cargos públicos devem estar estabelecidas em lei.

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