Videocurso: Física e Ética em Epicuro - Aula 3 (01/07/20)


FÍSICA (PARTE 1)


De 32:39 a 1:08:52 


As propriedades e os movimentos dos átomos.


Em primeiro lugar, nada nasce do nada; de outra forma, tudo poderia nascer de tudo sem necessidade de nenhuma semente. E se aquilo que desaparece tivesse sido reduzido ao não-ser, todas as coisas teriam perecido, dado que aquelas em que teriam se dissolvido não seriam nada. O Universo sempre foi o mesmo que é agora e será o mesmo por toda a eternidade. Com efeito, não há nada em que ele possa transformar-se, pois não existe nada fora do Universo que possa nele penetrar e provocar uma mudança. O Universo está constituído de corpos e de vazio. Que os corpos existem, a sensação o atesta em toda ocasião, e é necessariamente em conformidade com ela que fazemos, pelo raciocínio, conjecturas sobre o invisível... Se, por outro lado, não houvesse o que chamamos de vazio, espaço ou natureza impalpável, os corpos não teriam onde se localizar nem onde se mover; é porém evidente que se movem. […] Entre os corpos, há os que são compostos e outros dos quais os compostos são constituídos. Estes últimos são indivisíveis e imutáveis, se não quisermos que todas as coisas sejam reduzidas ao não-ser, mas que permaneçam, após a dissolução dos compostos, elementos resistentes de uma natureza compacta e que não possam, de nenhuma maneira, ser dissolvidos. Portanto, os princípios indivisíveis são necessariamente as substâncias dos corpos. (Epicuro, Carta a Heródoto, extraída do livro “Epicuro, as luzes da ética”, de João Quartim de Moraes, p. 86 e 85, Editora Moderna)


[...] quando os corpos são levados em linha reta através do vazio e de cima para baixo pelo seu próprio peso, afastam-se um pouco da sua trajetória, em altura incerta e em incerto lugar, e tão somente o necessário para que se possa dizer que se mudou o movimento. Se não pudessem desviar-se, todos eles, como gotas de chuva, cairiam pelo profundo espaço sempre de cima para baixo e não haveria para os elementos nenhuma possibilidade de colisão ou de choque; se assim fosse, jamais a natureza teria criado coisa alguma. [...] Se alguém pensasse que os elementos mais pesados poderiam, pela maior velocidade com que se deslocam através do vazio, cair de cima sobre os mais leves e dar, assim, lugar a choques que tornassem por sua vez possíveis os movimentos de criação, muito longe andaria ele da verdade. É fora de dúvida que tudo quanto cai através da água ou do ar sutil tem de acelerar, segundo o peso, a sua queda: os elementos da água e a natureza leve do ar não podem retardar por igual cada uma das coisas e cedem mais depressa quando sofrem a pressão de maiores pesos. Mas, pelo contrário, em tempo algum e em lugar algum poderia o vazio estar por baixo de qualquer coisa sem que, segundo lhe pede a sua natureza, continue a ceder-lhe; por isso, todos eles devem ser levados pelo inerte vácuo com igual velocidade, embora sejam desiguais os pesos. Não poderão, portanto, os mais pesados cair jamais sobre os mais leves, nem por si próprios originar os choques pelos quais a natureza gera as coisas. É, por conseguinte, absolutamente necessário que os elementos se inclinem um pouco, mas somente um pouco, para que se não pareça conceber movimentos oblíquos e o refute a realidade. (Lucrécio, Da Natureza, Livro I, p. 58, Abril Cultural, 1973).


Não se pode, ademais, atribuir ao infinito o alto ou o baixo no sentido do alto absoluto ou do baixo absoluto. […] É preciso, assim, considerar distintamente o movimento que se efetua no infinito para cima e aquele que se efetua no infinito para baixo, mesmo se o móvel que se dirige para cima toca mil e mil vezes os pés do que habitam acima de nós, ou que aquele que se dirige para baixo toque mil e mil vezes a cabeça dos que se encontram abaixo de nós. O movimento em seu conjunto não é menos concebido como efetuando-se em sentidos opostos um ao outro no infinito. Os átomos têm necessariamente a mesma velocidade quando, ao se deslocar através do vazio, não encontram nenhum obstáculo. Pois os átomos pesados não se movem mais depressa que aqueles que são pequenos e leves, a partir do momento que nada lhes resiste. Os átomos pequenos, por sua vez, não se movem mais rapidamente que os grandes, dados que encontram todos uma passagem fácil quando não enfrentam obstáculos. Não há diferença de velocidade entre o movimento para o alto e o movimento oblíquo, determinado pelos choques, e aquele que se efetua para baixo em virtude do peso próprio dos átomos. Enquanto o átomo conservar um ou outro desses movimentos, ele se deslocará com a rapidez do pensamento até o momento em que, por causa exterior ou por seu peso próprio, for levado a reagir contra um impulso recebido. (Epicuro, Carta a Heródoto, extraída do livro “Epicuro, as luzes da ética”, de João Quartim de Moraes, p. 90, Editora Moderna)



De 1:27:20 a 1:57:19


O espaço, os corpos compostos e as suas qualidades.


O Universo é infinito. Com efeito, o que acaba tem uma extremidade, mas esta é determinada em relação a algo que lhe é externo. De modo que, se ele não tem extremidade, não tem fim, se ele não tem fim, não é finito, e sim infinito. O Universo é ainda infinito quanto à quantidade de corpos e à extensão do vazio. Pois, caso o vazio fosse infinito e o número de corpos finito, estes não permaneceriam em lugar algum, mas seriam transportados e dispersados pela imensidão infinita do vazio, já que, sem entrechocarem, careceriam de pontos de apoio e não seriam rebatidos. Se, por outro lado, o vazio fosse limitado, não haveria lugar para conter os corpos em número infinito. (Epicuro, Carta a Heródoto, extraída do livro “Epicuro, as luzes da ética”, de João Quartim de Moraes, p. 90, Editora Moderna) 


[…] os mundos são em número infinito, tanto os que se parecem com o nosso quanto os que dele diferem. Com efeito, os átomos, sendo em número infinito, como acabou de ser demonstrado, são também levados para extremamente longe. Pois esses átomos que dão origem a um mundo ou que o constituem não se esgotam na formação de um só mundo ou de um número finito de mundos, sejam eles semelhantes ou diferentes do nosso. Nada, por conseguinte, opõe-se à existência de uma infinidade de mundos. (Epicuro, Carta a Heródoto, extraída do livro “Epicuro, as luzes da ética”, de João Quartim de Moraes, p. 88, Editora Moderna)


Aqueles que, por mais densa composição, pouco se afastam depois do choque, ligados como estão pelo entrelaçado de seus esquemas [figuras], formam os rijos fundamentos das rochas e os corpos do ferro e as restantes coisas deste gênero. Outros, que são poucos, vagueiam pelo vazio imenso e ressaltam longe e de longe voltam, com grandes intervalos: estes nos dão o leve ar e o esplêndido luminar do Sol. Há, além de todos eles, muitos que vagueiam pelo espaço imenso e que não têm lugar nas composições das coisas nem jamais foram recebidos e consorciaram movimentos.  […] Observa os raios do Sol que entram dando sua luz na obscuridade de uma casa: verás que na própria luz dos raios se misturam, de modos vários, numerosos corpos diminutos, e, como se fosse em eterna luta, combatem, dão batalhas, por grupos certos se guerreiam e não há pausa, agitados como estão pelos encontros e pelas separações freqüentes. Podes imaginar por isto o que será a perpétua agitação no vago espaço dos elementos das coisas na medida em que um pequeno fato pode dar ideia de grandes coisas, e elementos para seu conhecimento. Há também outro motivo para observar os corpos que se vêem agitar-se nos raios do Sol: tais movimentos desordenados revelam os movimentos secretos, invisíveis, da matéria. Verás que muitos, ao impulso de choques invisíveis, mudam de direção, e, repelidos, voltam para trás, para um lado, para outro, realmente para todos os pontos. Ora, é evidente que esta marcha errante vem toda ela dos elementos. Efetivamente, são os próprios elementos os primeiros a se moverem por si mesmos; vêm depois os corpos cuja composição é reduzida e que estão, digamos assim, mais perto de forças elementares: movem-se impelidos pelos choques invisíveis destas últimas, e, por seu turno, põem em movimento os que são um pouco maiores. Assim o movimento sobe desde os elementos e a pouco e pouco chega aos nossos sentidos, até que se movem aquelas mesmas coisas que podemos ver na luz do Sol, embora permaneçam invisíveis os choques que os causam. (Lucrécio, Da Natureza, Livro I, p. 56, Abril Cultural, 1973).