Com inteligência artificial, 6G vai ser a internet de todas as coisas — até mesmo do seu corpo

Com inteligência artificial, aprendizado de máquina e frequências THz, 6G deve chegar em meados de 2030 e poderá detectar se você está com febre sem qualquer termômetro

Lucas Braga
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6G
6G deve chegar por volta de 2030 com mais velocidade e sensores (Imagem: Vitor Pádua / Tecnoblog)

Ainda estamos engatinhando no 5G, mas a indústria de telecomunicações já tem o 6G como um alvo nos próximos 10 anos. Ainda sem especificações definidas por órgãos internacionais, a Nokia enxerga potencial para usar as radiofrequências como sensores e o uso de inteligência artificial para otimizar a conexão entre diferentes dispositivos.

O Tecnoblog conversou com Wilson Cardoso, diretor de tecnologia da Nokia para a América Latina. Segundo o executivo, o uso de inteligência artificial (AI) e aprendizado de máquina (ML) podem ser grandes aliados do 6G para otimizar a utilização da rede e espectro para diferentes aplicações:

“O que acontece na rede celular hoje em dia: ela funciona bem para todo mundo a todo tempo, mas ela não funciona com excelência para as aplicações diferentes ao mesmo tempo.

A ideia da inteligência artificial no 6G é identificar os parâmetros de uso, e com base nisso a rede pode se alterar para ser mais eficiente possível para atender cada caso de uso de forma dinâmica.”
Wilson Cardoso, diretor de tecnologia da Nokia

Perguntei se esse tipo de mudança dinâmica poderia ser aplicada em redes 4G ou 5G, através de tecnologias como o slicing, do 5G Standalone. Cardoso diz que não, e que isso tem a ver com a eficiência de uso do espectro, pois atualmente há um “desperdício” de recursos:

“Se você utiliza um medidor de energia em uma rede 4G convencional que também é utilizada por smartphones, você vai utilizar os mesmos recursos, mesmo com um dispositivo usando mais que o outro. Com isso, você perde recursos de rede por utilizar ondas eletromagnéticas sem conteúdo.

No 5G há um pouquinho mais de flexibilidade, mas o uso pleno será visto apenas no 6G.”
Wilson Cardoso, diretor de tecnologia da Nokia

Wilson Cardoso, diretor de tecnologia da Nokia para a América Latina
Wilson Cardoso, diretor de tecnologia da Nokia para a América Latina (Imagem: Divulgação)

Os espectros na casa dos terahertz

Os testes primitivos em 6G utilizam espectros na casa dos terahertz (THz). Estamos falando de uma frequência acima de 1.000 GHz, muito mais do que os atuais 3,5 GHz utilizados pelo 5G no Brasil.

O número grande surpreende, pois permitiria velocidades enormes. No entanto, a utilização de qualquer coisa em terahertz parece atualmente uma utopia. É que quanto maior a frequência, menor o alcance. E aqui vale lembrar que as operadoras de todo o mundo já encontram dificuldades para construir o 5G mmWave, que opera na faixa de 26 GHz a 39 GHz.

Antena de telefonia celular
6G deve ter antenas muito menores que tecnologias anteriores (Imagem: Lucas Braga / Tecnoblog)

Questionei ao executivo sobre as dificuldades de utilizar esse tipo de espectro:

“A cobertura [em terahertz] é muito baixa, mas a antena também é extremamente compacta. (…) Em uma linha de produção, em um galpão industrial, por exemplo, onde consigo controlar bem o ambiente, funcionaria bem. Na sala da sua casa funcionaria tremendamente bem.

A gente precisa encontrar os casos de uso que irão se desenvolver com essas frequências. A ideia é ter uma antena extremamente compacta, mas com a largura de banda impressionante que eu possa ligar qualquer tipo de aplicação.”
Wilson Cardoso, diretor de tecnologia da Nokia

Além dos terahertz, o 6G também deve se desenvolver com outras frequências menores, inclusive aquelas utilizadas nas redes 2G, 3G e 4G. A Nokia executou alguns testes com espectro sub-terahertz a partir de 100 GHz, onde foi possível estabelecer uma conexão com velocidades de 25 Gb/s.

Além de tecnologia móvel, o 6G é um grande sensor

Apesar de conseguir maiores velocidades, o maior foco do 6G não está relacionado com altas taxas de transferência. A nova geração promete aproveitar melhor dados de radiofrequência, que são atualmente desperdiçados nas tecnologias anteriores.

“A rede começa a funcionar como um grande sensor. Quando uma antena de celular emite uma onda eletromagnética e ela chega ao aparelho, parte desse sinal é refletido de volta na antena. O que a gente faz com esse sinal hoje? Nada.

A grande ideia do 6G é começar a aproveitar essas informações, de maneira que quando eu conectar o celular, smartwatch, óculos inteligente, a tecnologia começa a criar essa interação entre o mundo físico e o digital.”
Wilson Cardoso, diretor de tecnologia da Nokia

A Nokia exibiu na MWC 2023 em Barcelona uma prova de conceito onde a rede funciona como sensor de presença. Ao caminhar em um corredor, o sistema conseguia determinar a localização em tempo real. Tudo isso sem que o pedestre tivesse qualquer tipo de dispositivo com sensor.

Poder de sensoreamento do 6G deve auxiliar indústria, logística, cidades e saúde
Poder de sensoreamento do 6G deve auxiliar indústria, logística, cidades e saúde (Imagem: Chuttersnap/Unsplash)

O uso de frequências em terahertz permite maiores vantagens no sensoreamento, devido a maior reflexão de sinais. Cardoso compara que os espectros:

“Se eu tenho essa reflexão de sinais, posso detectar se uma pessoa caiu na rua, qual a sua temperatura, pressão arterial, e por aí vai. Existem aplicações desde a área de segurança pública, mobilidade, até a área de saúde em que podemos ter integração desse mundo físico-biológico com o digital.

(…)

O [espectro] terahertz traz vantagens no sensoreamento devido a maior reflexão, então conseguimos ter mais informações. Em GHz consigo identificar a presença de uma pessoa no local, mas em THz é possível determinar se a pessoa está suando ou não, sem qualquer necessidade dispositivos para monitoramento.

É possível identificar se uma pessoa está suando ou não pelo aumento do nível de água, e com auxílio de inteligência artificial e machine learning é possível (…) estabelecer parâmetros para identificar se você está com febre antes mesmo de sentir a febre.”
Wilson Cardoso, diretor de tecnologia da Nokia

Como fica a privacidade?

O potencial de sensoreamento do 6G é, no mínimo, assustador, pois a reflexão de frequências permite que um sistema colete informações sobre você sem qualquer necessidade de ter algum dispositivo de monitoramento.

Segundo a Nokia, um dos principais pontos de discussão do 6G é a privacidade, uso de dados e a segurança desses dados.

“Esse é um dos pontos que a gente está trabalhando, não só a Nokia, mas a indústria de telecomunicações, todos os fabricantes, para ver que mecanismo nós vamos ter que adotar para garantir a privacidade, de acordo com as leis de diferentes países.”
Wilson Cardoso, diretor de tecnologia da Nokia

Cardoso afirmou que se discutem mecanismos para que as pessoas consigam recusar a coleta de dados pelo 6G e tenham a garantia que os dados não sejam utilizados em sistemas.

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Lucas Braga

Lucas Braga

Repórter especializado em telecom

Lucas Braga é analista de sistemas que flerta seriamente com o jornalismo de tecnologia. Com mais de 10 anos de experiência na cobertura de telecomunicações, lida com assuntos que envolvem as principais operadoras do Brasil e entidades regulatórias. Seu gosto por viagens o tornou especialista em acumular milhas aéreas.

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