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Ato de Concentração nº 08700.004880/2017-64 (autos públicos: 08700.004431/2017-16)

Requerentes: Itaú Unibanco S.A. e XP Investimentos S.A.

Advogados: Barbara Rosenberg, Lauro Celidonio Neto e outros.

Conselheiro-Relator: Paulo Burnier da Silveira

 

VOTO

VERSÃO PÚBLICA

 

 

Ementa: Ato de Concentração. Procedimento Ordinário. Itaú Unibanco S.A. e XP Investimentos S.A. Aquisição de participação minoritária. Corretagem de valores, gestão e administração de recursos de terceiros, distribuição de produtos de investimentos. Sobreposição horizontal. Integração vertical. Plataforma de dois lados. Inovação. Poder de mercado. Impugnação da Operação com recomendação de aprovação mediante a celebração de Acordo em Controle de Concentrações. Aprovação condicionada à celebração de Acordo em Controle de Concentrações.

Palavras-chave: Itaú Unibanco S.A. XP Investimentos S.A. Aquisição de participação minoritária. Aprovação com restrições. Acordo em Controle de Concentrações (ACC).

 

 

Sumário

 

 

1. Relatório

 

1.1. Requerentes

1.2. Descrição da Operação

1.3. Aspectos formais da Operação

 

2. Análise concorrencial

 

2.1. Considerações preliminares

2.1.1. Setor bancário no Brasil

2.1.2. Histórico de aquisições do Itaú

2.2. Definição dos mercados relevantes

2.2.1. Evolução do setor e da jurisprudência do CADE

2.2.2. Dimensão produto

2.2.3. Dimensão geográfica

2.3. Possibilidade de exercício de poder de mercado

2.3.1. Sobreposições horizontais

2.3.2. Integrações verticais

2.3.3. Particularidades da Operação: maverick firms e mercados de dois lados

2.4. Probabilidade de exercício de poder de mercado

2.4.1. Condições de entrada

2.4.2. Rivalidade no setor financeiro brasileiro

2.5. Resumo dos problemas concorrenciais

 

3. Mitigadores dos problemas concorrenciais

 

3.1. Estruturação da Operação

3.1.1. Limitação dos poderes do Itaú na gestão da XP

3.1.2. Incentivos da correlação entre futuras parcelas da Operação e êxito da XP

3.2. Acordo em Controle de Concentrações (ACC)

3.2.1. Compromissos assumidos pela XP Investimentos

3.2.2. Compromissos assumidos pelo Itaú

3.2.3. Prazo, monitoramento e penalidades

3.3. Resumo dos mitigadores dos problemas concorrenciais

 

4. Cooperação com BACEN e CVM

 

5. Dispositivo

 

1. Relatório

 

1. Trata-se do Ato de Concentração nº 08700.001642/2017-05 (“Operação”), consistente na aquisição, pelo Itaú Unibanco S.A. (“Itaú”), de participação acionária no capital social da XP Investimentos S.A. (“XP”). Em decorrência da Operação, o Itaú se torna acionista na XP, sem aquisição de controle societário.

 

1.1. Requerentes

 

2. O Itaú faz parte do Grupo Itaú Unibanco, cujas principais atividades operacionais são: (i) banco comercial; (ii) Itaú BBA (grandes empresas e banco de investimento), (iii) crédito ao consumidor (produtos e serviços financeiros para não correntistas) e (iv) atividade com mercado e corporação.

 

3. A XP integra o Grupo XP, que atua nos seguintes segmentos: (i) corretagem de valores, (ii) distribuição de produtos de investimento, (iii) asset management (incluindo administração de clubes e fundos de investimento e gestão de recursos de terceiros), (iv) corretagem de seguros e planos de previdência (nesse ramo, o Grupo XP atua pontualmente na distribuição de alguns planos de previdência privada e seguros de vida), (v) educação financeira, (vi) serviços de informática voltados para sistema financeiro (Tecnifinance/Infostock), e (vii) serviços de mídia digital com veiculação de notícias financeiras, publicidade ou informação através de portal na internet.

 

1.2. Descrição da Operação

 

4. Trata-se de Contrato de Compra e Venda de Ações e Outras Avenças (SEI nº 0364411), celebrado em 11.05.2017, entre os atuais acionistas da XP (XP Controle Participações S.A., G. A. Brasil IV FIP, Dyna IH FIP e outros[1]) e o Itaú, por meio do qual o Itaú se comprometeu a realizar investimento na XP – holding que consolida todos os investimentos do Grupo XP – mediante aporte de capital e aquisição de participação no capital social da companhia. Por conseguinte, a Operação tem por efeito a entrada do Itaú no capital social da XP.

 

5. De acordo com os termos contratuais, a Operação consistirá em três etapas de aquisição:

 

(i) Primeira Aquisição: inicialmente, o Itaú se tornará acionista minoritário da XP, com uma participação correspondente a 49,9% do capital social total e 30,1% do capital social votante;

 

(ii) Segunda Aquisição: em 2020, o Itaú adquirirá uma participação adicional de 12,5% da XP, que lhe assegurará 62,4% do capital social total e 40,0% do capital social votante; e

 

(iii) Terceira Aquisição: em 2022, o Itaú adquirirá outro adicional de 12,5% da XP, que lhe assegurará 74,9% do capital social total e 49,9% do capital social votante.

 

6. Enquanto a Operação acarretará a saída completa das Sociedades G.A. Brasil IV FIP e Dyna III FIP do capital social da XP, o controle do capital votante remanescerá com os atuais controladores da XP Controle Participações S.A. (“XP Controle”).

 

7. Após a Operação, em momento futuro eventual, XP e Itaú poderão exercer opções de venda (put) e compra (call), respectivamente, nos seguintes termos: (i) a partir de 2024, a XP poderá exercer seu direito de venda da totalidade de sua participação no capital social da XP ao Itaú; e (ii) a partir de 2033, o Itaú poderá exercer seu direito de compra da totalidade da participação detida pela XP Controle no capital social da XP. Os detalhes estão pactuados através do Acordo de Acionistas firmado entre as partes (SEI nº 0364412)

 

8. Destaca-se que uma nova notificação ao CADE será necessária em caso de aquisição de controle da XP pelo Itaú, o que importaria em nova análise concorrencial a ser empreendida quando de eventual notificação.

 

1.3. Aspectos formais da Operação

 

9. Em 18.07.2017, o Ato de Concentração foi notificado ao CADE (SEI nº 0364422) e conhecido por se enquadrar nos critérios de notificação obrigatória do art. 88 da Lei nº 12.529/2011. A taxa processual foi devidamente recolhida (SEI nº 0365175) e certificada pelo Despacho Ordinatório (SEI nº 0365177). O Edital n° 241/2017 deu publicidade à Operação em análise e foi publicado no dia 25.07.2017 (SEI nº 0324518).

 

10. Em 28.12.2017, a Superintendência-Geral (“SG”) do CADE nos termos do Despacho SG nº 1886/2017 (SEI nº 0425437) ofereceu impugnação da presente Operação ao Tribunal, recomendando sua aprovação, condicionada à celebração de Acordo em Controle de Concentrações (“ACC”) proposto pelas Requerentes (SEI nº 0425351).

 

11. Em 28.12.2017, o processo foi distribuído à minha relatoria, conforme sorteio realizado na 161ª Sessão Ordinária de Distribuição (SEI nº 0425721).

 

12. Em 14.03.2018, data da presente Sessão Ordinária de Julgamento, o caso se encontra com 233 dias de análise pelo CADE, dentro do prazo legal de 240 dias.

 

13. Durante esse período, 125 ofícios foram enviados a agentes variados do mercado (i.e. bancos, assets independentes, associação de agentes autônomos de investimento, entre outros), com retorno de 66 deles que trouxeram importantes informações aos autos, além de cooperação interinstitucional com o Banco Central do Brasil (BACEN) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

 

2. Análise concorrencial

 

2.1. Considerações preliminares

 

14. A título preliminar, com o intuito de contextualizar a presente Operação, passa-se a breves considerações sobre o setor bancário no Brasil. 

 

2.1.1. Setor bancário no Brasil

 

15. A presente Operação mais uma vez nos convida a refletir sobre os possíveis efeitos à concorrência resultante de fusões e aquisições no sistema financeiro nacional. Considerando a extrema importância desse setor para a nossa economia, é natural que operações desse gênero sejam examinadas com cautela por parte da autoridade de defesa da concorrência.

 

16. O setor financeiro brasileiro passou por modificações profundas nas últimas duas décadas. Essas transformações estão associadas, em linhas gerais, à implementação de políticas governamentais – como, por exemplo, o Programa de Estímulo à Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), à ampliação da participação do capital estrangeiro no setor e ao aumento do número de fusões e aquisições entre instituições financeiras. Tais fusões e aquisições se acentuaram principalmente entre os anos 1995 e 2016, conforme ilustrado na figura abaixo:

 

 

Fonte: Anexo ao Parecer nº 16/2017/CGAA2/SGA1/SG/Cade (SEI nº 0361338)

 

17. Em decorrência dessas operações, a estrutura do setor se concentrou em torno de 5 (cinco) grandes bancos, quais sejam, Banco do Brasil (“BB”), Caixa Econômica Federal (“CEF” ou “Caixa”), Itaú Unibanco, Bradesco e Santander. Juntas essas instituições passaram a representar, em 2016, cerca de 86% (oitenta e seis por cento) dos depósitos totais no país: 

 

Evolução de market share com base em depósitos totais (2007-2016)

Fonte: Anexo ao Parecer n.º 16/2017/CGAA2/SGA1/SG/Cade (SEI nº 0361338)

 

Evolução dos cinco principais bancos com base em ativos totais (2007-2016)

Fonte: Anexo ao Parecer n.º 16/2017/CGAA2/SGA1/SG/Cade (SEI nº 0361338)

 

18. Essa tendência histórica de concentração do setor deve ser levada em conta na análise do presente Ato de Concentração.

 

19. Ainda a título de contextualização, convém rememorar que, no julgamento da AC HSBC/Bradesco, instaurou-se um debate sobre o grau de concentração do setor financeiro nacional, em particular se este seria proporcional quando comparado com o de outros países. À época, o voto do Conselheiro-Relator João Paulo de Resende (SEI nº 0211912) trouxe ricas contribuições a esse debate, ponderando que qualquer comparação nesse sentido deveria ser feita primordialmente com países que apresentam características próximas às brasileiras em dimensões geográficas e populacionais. Valendo-se de dados do Banco Mundial e do Bankscope, defendeu-se que o Brasil, de fato, é um outliner e se encontra próximo ao topo do ranking de concentração bancária quando comparado com jurisdições que lhe são próximas:

 

Concentração Bancária em Países Selecionados (C5)

Fonte: Voto do Conselheiro João Paulo de Resende no AC nº 08700.010790/2015-41 (Requerentes: Banco Bradesco S.A.; HSBC Bank Brasil S.A. – Banco Múltiplo; e HSBC Serviços e Participações Ltda) (SEI nº 0211912)

 

20. Todos esses elementos reforçam, portanto, a necessidade de se examinar com extrema cautela os impactos da presente Operação sobre o setor financeiro nacional.

 

2.1.2. Histórico de aquisições do Itaú

 

21. No AC 08700.001642/2017-05 (Itaú/Citibank), sob minha relatoria, pode-se fazer um breve apanhado histórico das aquisições do Grupo Itaú.

 

22. Em realidade, o Grupo Itaú Unibanco se consolidou como o maior banco privado do país após uma série de operações envolvendo a aquisição de outros bancos, além de instituições não-bancárias. A figura abaixo ilustra a evolução histórica de aquisições da Requerente:

 

Principais operações empreendidas pelo Itaú Unibanco

 

 

Fonte: Anexo ao Parecer n.º 16/2017/CGAA2/SGA1/SG/Cade (SEI nº 0361338)

 

23. A maior dessas operações foi a fusão com o Grupo Unibanco em 2008, que foi apreciada por este Tribunal Administrativo no âmbito do AC nº 08012.011303/2008-96. Destaca-se igualmente a recente aquisição do Citibank, aprovada com restrições pelo CADE em 2017. Ademais, nos últimos cinco anos, outras operações menores foram notificadas ao CADE, dentre as quais:

 

 

 

 

 

 

 

 

24. Por meio dessas operações, o Grupo Itaú Unibanco adquiriu capilaridade e passou a ofertar serviços não exclusivos de instituições financeiras na indústria nacional. Dessa forma, o histórico do Grupo Itaú também deve ser levado em consideração na análise do presente Ato de Concentração.

 

25. Feitas essas considerações iniciais, passa-se à definição dos mercados relevantes.

 

2.2. Definição dos mercados relevantes

 

2.2.1. Evolução do setor e da jurisprudência do CADE

 

26. Inicialmente, até o julgamento do AC nº 08700.010790/2015-41 (Bradesco/HSBC), o CADE definia os mercados relevantes de produtos e serviços financeiros de maneira integrada, com exceção de alguns poucos serviços, como seguros.

 

27. A título ilustrativo, no mercado de produtos de investimento, como CDB (Certificados de Depósito Bancário), fundos de investimentos e previdência privada, o CADE considerava que a “produção” e a comercialização de tais produtos compunham um só mercado. Isso porque os ofertantes desses produtos – instituições financeiras do sistema bancário – atuam de forma integrada. Em outras palavras, essas instituições emitem seus títulos (CDB, LCA, LCI, por exemplo), gerem seus fundos de investimentos e planos de previdência e também os comercializam exclusivamente em suas respectivas redes de atendimento. Dessa forma, a oferta desses produtos é completamente integrada e cativa de cada instituição.

 

28. No exemplo dado pela SG em sua Nota Técnica, bancos como Bradesco, Banco do Brasil ou o próprio Itaú emitem CDB que são comercializados apenas dentro de suas próprias instituições. Os fundos de investimentos geridos por esses bancos são também comercializados apenas por suas respectivas redes de atendimento. Um consumidor que queira ser cotista de um fundo gerido pelo Bradesco deverá procurar um canal de atendimento do próprio Bradesco, pois não encontrará o produto no portfólio de outra instituição.

 

29. Essa foi a estrutura vigente no mercado financeiro brasileiro há décadas, com instituições de “arquitetura fechada”, ou seja, que ofertam apenas produtos desenvolvidos internamente.

 

30. No entanto, no AC nº 08700.001642/2017-05 (Itaú/Citibank), indicou-se elementos que já apontavam as mudanças pelas quais passa o setor. Naquele caso, o CADE decidiu pela separação dos mercados de gestão/administração de recursos de terceiros do mercado de distribuição de produtos de investimentos, bem como dos mercados de previdência privada e de distribuição de previdência privada.

 

31. Essa segmentação se deu em razão de um fenômeno com potencial para alterar significativamente a estrutura da oferta de serviços e produtos financeiros no Brasil: o surgimento de plataformas abertas (ou marketplaces) de produtos financeiros.

 

32. As plataformas abertas permitem a interação entre diversos ofertantes de produtos financeiros (bancos de pequeno e médio porte, gestores independentes, empresas emissoras de títulos privados, etc.) e os consumidores/investidores, que procuram produtos financeiros como opção de investimento. Esse modelo é essencialmente distinto da maneira tradicional de atuação do sistema bancário, marcado pela “arquitetura fechada” dos bancos tradicionais, de forma verticalizada e produtos cativos.

 

33. Como será melhor detalhado adiante neste voto, esse novo modelo de distribuição de produtos e serviços financeiros tem efeitos pró-competitivos, vez que: (i) possibilita a competição entre diversos ofertantes em uma mesma plataforma (concorrência na plataforma); (ii) promove a concorrência entre as plataformas que estão surgindo e os bancos tradicionais; e (iii) reduz barreiras à entrada para novos ofertantes de produtos de investimento, que não precisam estruturar amplas e custosas redes de atendimento a clientes. Há ganhos, portanto, tanto do lado dos ofertantes, que conseguem reduzir os custos de distribuição de seus produtos, quanto do lado dos investidores, com um incremento significativo da competição no mercado.

 

34. Essa mudança no modelo tradicional deu-se, em parte, pelo próprio surgimento da XP, reconhecida como pioneira desse novo mercado, ao lançar a primeira e, ainda hoje, a principal plataforma aberta de distribuição de produtos financeiros no Brasil.

 

35. A “desbancarização”, como pode ser denominado esse movimento de migração dos investidores de varejo dos bancos tradicionais para plataformas abertas, passou a ser o mote de campanhas publicitárias promovidas pela XP nos últimos anos, conforme demonstrado pela SG.

 

36. O mercado de plataformas abertas de distribuição de produtos de investimento é um mercado ainda com significativo potencial no Brasil, conforme afirmam as próprias Requerentes. De acordo com dados da consultoria especializada Oliver Wyman, mencionados pela SG, os bancos ainda concentram cerca de 95% de todos os ativos de investimento do segmento de varejo no Brasil. Nos Estados Unidos, comparativamente, os canais independentes, como a plataforma aberta da XP, concentram 87% dos investimentos – uma situação quase inversa.

 

37. Além disso, essa tendência ainda é incentivada por alterações regulatórias e inovações tecnológicas que favorecem o desenvolvimento do mercado de plataformas abertas, tais como: (i) cadastro digital, que permite ao cliente efetuar o cadastro para abertura de contas digitais sem a necessidade de presença de uma rede física; (ii) aumento do limite do Fundo Garantidor de Créditos – FGC, de R$ 70 mil para R$ 250 mil, por instituição e por CPF, dando maior segurança ao pequeno investidor para investir em produtos de instituições de pequeno e médio porte desconhecidas do grande público, e que oferecem maior rentabilidade, embora com maior risco; (iii) desenvolvimento do tesouro direto, por meio do qual investidores individuais (pessoa natural) têm acesso a títulos emitidos pelo Governo sem a intermediação de um banco; (iv) incentivos fiscais (como isenção no imposto de renda sobre rendimentos) para aplicações em Letras de Crédito do Agronegócio – LCA, Letras de Crédito da Indústria – LCI entre outros; (v) avanço das plataformas digitais, mobile e redes sociais, que reduzem o custo para as instituições de captação, manutenção e atendimento de clientes, tornando desnecessária a manutenção de redes físicas de atendimento.

 

38. Nesse sentido, o setor financeiro tem passado por significativas transformações, que devem ser levadas em conta pelo CADE em sua análise concorrencial e que justificam a revisitação da jurisprudência na definição dos mercados relevantes nesse setor. Dessa forma, neste Ato de Concentração, segue-se o entendimento recente do CADE no sentido de separar os mercados de gestão e administração de recursos de terceiros do mercado de distribuição de produtos de investimento, conforme será detalhado posteriormente.

 

2.2.2. Dimensão produto

 

39. A SG definiu 8 mercados relevantes para a análise da Operação. Adianto que acolho a orientação da SG e defino os seguintes mercados relevantes sob a ótica do produto:

 

Mercados Relevantes - Produto

Corretagem de Valores

Gestão de recursos de terceiros

Administração de recursos de terceiros/fiduciária

Planos de previdência privada

Distribuição de produtos de investimento para o varejo

Seguros de vida

Seguros habitacionais

Corretagem de seguros

 

2.2.2.1. Corretagem de valores

 

40. A corretagem de valores é a atividade de intermediar a negociação de títulos e valores mobiliários na BM&FBOVESPA (atualmente B3), de acordo com o art. 8º da Lei 4.728/1965 e o art. 18 da Lei 6.385/1976. As corretoras de valores precisam de autorização do BACEN e da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) para funcionamento.

 

41. Em conformidade com o precedente do CADE no AC 08700.001642/2017-05 (Itaú/Citibank), de minha relatoria, entende-se que o mercado de corretagem de valores não deve ser segmentado em razão da classe de ativo negociado ou em razão do perfil de atuação de cada corretora (varejo ou institucional). Define-se, portanto, o mercado de corretagem de valores.

 

2.2.2.2. Gestão de recursos de terceiros

 

42. Conforme explicado pela SG, o gestor de recursos é pessoa natural ou jurídica que possui a função de gerir os ativos financeiros da carteira do fundo, com poderes para negociar os ativos financeiros em nome do fundo de investimento e para exercer o direito de voto decorrente dos ativos financeiros detidos por eles. Conforme a CVM, dentre as suas principais atividades, destacam-se: (i) escolher os ativos que irão compor a carteira do fundo, selecionando aqueles com melhor perspectiva de rentabilidade, dado um determinado nível de risco compatível com a política de investimento do fundo; e (ii) emitir ordens de compra e venda com relação aos ativos que compõem a carteira, em nome do fundo.

 

43. Essa atividade não se confunde com a administração de recursos de terceiros ou administração fiduciária. Essa diferenciação ficou clara no já mencionado AC 08700.001642/2017-05 (Itaú/Citibank), em que o CADE evoluiu o entendimento anterior e definiu esses dois mercados de forma separada.

 

44. Além disso, evidenciando a diferença das figuras do gestor de recursos e do administrador fiduciário, a Instrução nº 558/CVM, de 26.03.2015, dispõe que a pessoa natural ou jurídica pode solicitar o registro nas categorias de administrador fiduciário, de gestor de recursos ou em ambas as categorias, desde que se adeque aos requisitos regulamentares previstos especificamente para cada uma delas.

 

45. Nesse sentido, define-se a gestão de recursos de terceiros como um mercado relevante autônomo.

 

2.2.2.3. Administração fiduciária

 

46. Como dito na seção anterior, a administração de recursos de terceiros (ou administração fiduciária) é um mercado relevante próprio, separado do mercado de gestão de recursos.

 

47. O administrador fiduciário é o responsável pelas atividades gerenciais e operacionais de um fundo, como, por exemplo, sua constituição, a aprovação do seu regulamento e a divulgação de informações para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e para os investidores, assumindo, portanto, diversas obrigações perante os cotistas e o órgão regulador, na periodicidade, no prazo e no teor definidos por regulamentação da CVM 5290. Portanto, o administrador fiduciário exerce função predominantemente administrativa e auxiliar.

 

48. Dessa forma, seguindo o precedente do CADE no caso Itaú/Citibank, define-se, de forma autônoma, o mercado de administração de recursos de terceiros.

 

2.2.2.4. Previdência privada aberta

 

49. Em linha com a jurisprudência do CADE e com a Nota Técnica da SG, o mercado de previdência privada aberta deve ser definido de forma separada dos planos fechados de previdência privada (fundos de pensão). Isso porque os últimos são ofertados apenas para colaboradores de sociedades ou associações patrocinadoras do plano.

 

50. Além disso, seguindo o precedente Itaú/Citibank, entendo como distintos os mercados de planos de previdência privada e o mercado de distribuição de planos de previdência privada.

 

51. O mercado de planos de previdência privada aberta guarda semelhanças com o mercado de gestão de recursos de terceiros, onde são ofertados fundos de investimento, geridos com o objetivo de melhor alocar esses recursos e alcançar maiores rendimentos. No entanto, há diferenças substanciais que justificam a definição de um mercado separado, tais como regime de tributação, exposição a risco, regulação – os planos de previdência aberta estão sujeitos também à regulação da Susep – dentre outras normas que os gestores de fundos de previdência devem seguir em razão da finalidade desse tipo de investimento: formação de poupança de longo prazo para aposentadoria.

 

52. Ademais, em relação à distribuição de planos de previdência, entendo, em consonância com a SG, que a distribuição desses planos se inclui em um mercado maior, de distribuição de produtos de investimento.

 

53. É que os planos de previdência privada aberta, assim como cotas de fundos de investimentos, títulos de emissão de bancos, dentre outros produtos financeiros, são, em geral, distribuídos pelas mesmas empresas, para um público alvo que busca soluções financeiras de investimento. Esse mercado será abordado de forma mais detalhada na seção seguinte. No caso concreto, o Itaú atua tanto na gestão de produtos de previdência privada quanto na comercialização desses planos. A XP, por sua vez, apenas distribui esses produtos.

 

54. Dessa forma, em convergência com a SG, define-se o mercado de planos de previdência privada aberta.

 

2.2.2.5. Distribuição de produtos de investimento para o varejo

 

55. Em consonância com a decisão tomada no caso Itaú/Citibank e com a Nota Técnica da SG, entende-se que a distribuição de produtos de investimento configura um mercado separado da emissão/oferta desses produtos. Isso decorre da existência, relativamente recente, de plataformas abertas de distribuição de produtos financeiros de terceiros, como a oferecida pela XP. É que com esse novo modelo, criou-se um marketplace de produtos financeiros, acessíveis tanto a ofertantes quanto a demandantes de produtos de investimento.

 

56. Anteriormente, o sistema era considerado fechado, pois, em regra, os bancos somente distribuíam produtos próprios. Com o novo modelo, a plataforma distribui produtos de terceiros.

 

57. Como um típico mercado de plataforma, trata-se de um mercado de dois lados. A XP oferece acesso à sua plataforma a dois grupos distintos: (i) investidores, que buscam produtos de investimento; e (ii) ofertantes de produtos de investimento, que buscam atrair investidores.

 

58. Há uma diferença substancial entre esses dois grupos de consumidores. Para os investidores, há substituibilidade entre os produtos ofertados na plataforma aberta e os ofertados por bancos de forma fechada. Entretanto, para os ofertantes de produtos de investimento (como, por exemplo, uma gestora de recursos que oferta cotas de um fundo de investimento), não há possibilidade de ofertar seus produtos usando o canal dos bancos. Isso porque, como dito, esses bancos possuem estrutura fechada, ou seja, não distribuem produtos de terceiros.

 

59. Em suma, bancos e plataformas abertas concorrem no lado dos investidores, mas não concorrem no lado dos ofertantes de produtos de investimento.

 

60. Ademais, concordo com a posição da SG de não condicionar a qualificação de um player como concorrente nesse mercado à oferta de um número mínimo de produtos no portfólio. A título ilustrativo, as empresas Easynvest, Ativa, BTG Digital, Guide, Órama, Genial, Planner e Ágora competem entre si em um mercado ainda em desenvolvimento, em que pese não tenham a mesma quantidade de produtos ofertados, conforme tabela na página 14 do Anexo ao Parecer nº 24 da SG (SEI nº 0425413). Vale notar que todas essas empresas oferecem fundos de investimento, produtos bancários e ações em suas plataformas abertas, salvo a Órama, que não oferece ações.

 

61. Outro ponto que merece atenção é a divisão do mercado a depender do perfil do consumidor. O próprio setor faz segmentação com base nesse perfil, em que pese algumas diferenças de critérios entre as instituições. A SG realizou instrução complementar a fim de examinar de forma detalhada as possíveis segmentações do mercado com base no público alvo. Conforme a SG:

 

De acordo com as partes, e conforme verificado pela instrução, muito embora as instituições financeiras tenham seus próprios critérios para segmentação de sua clientela, por faixa de renda e/ou volume de investimentos, alguns parâmetros apresentam relativa correspondência entre si. Por exemplo, o segmento de varejo é formado pelas pessoas físicas (que podem ser subsegmentadas entre varejo e varejo alta renda, dentre outras nomenclaturas) e pelo Private Banking (pessoas jurídicas de pequeno e médio portes).Outro segmento bastante distinto é o de clientes institucionais, formado por outras instituições financeiras, seguradoras, gestores de recursos e fundo de pensão, que usualmente utilizam canais próprios não disponíveis ao segmento de varejo.

 

62. Os dados compilados pela Anbima se referem ao segmento varejo e private banking. Como se percebe, a Ambima segmenta varejo e private banking, enquanto a SG, com base em sua instrução complementar, entendeu que o segmento varejo inclui tanto pessoas físicas, quanto private banking. De qualquer forma, não há controvérsias de que o segmento institucional se distingue do varejo e do private banking.

 

63. As informações compiladas pela Anbima são autodeclaratórias e baseadas em critérios próprios de cada instituição. Dessa forma, um cliente classificado como varejo na XP pode ser do segmento private banking no Itaú, e vice-versa.

 

64. As Requerentes esclareceram para a SG que, no caso da XP, a segmentação entre varejo e private banking ocorre em razão da quantidade investida. A partir de R$ 3 milhões o cliente deixa de ser varejo e passa a ser considerado private banking. Já o Itaú classifica como private banking o cliente com mais de R$ 3 milhões em recursos disponíveis, não necessariamente investidos.

 

65. Ademais, a SG também oficiou os principais concorrentes diretos da XP para identificar o perfil do consumidor atendido por plataformas abertas. A Easynvest (Sei nº 0390058) afirmou que atende “exclusivamente os investidores pessoas físicas, não fazendo qualquer segmentação, todos clientes são considerados como varejo”. A Planner (Sei nº 0391324) informou que atende também pessoas jurídicas, muito embora no segmento institucional tenha uma atuação bastante tímida, limitada à distribuição de alguns fundos de investimento, em percentual pequeno comparado aos demais segmentos. A Órama (Sei nº 0391377) afirmou que segmenta sua clientela conforme volume de investimentos apenas em relação às pessoas físicas (varejo), não possuindo atuação com pessoas jurídicas. A Guide (Sei nº 0391506) seguiu a mesma linha, não possuindo segmentação para pessoas jurídicas, apenas pessoas físicas. Em relação às pessoas jurídicas, possui atuação limitada à corretagem (ações e derivativos). A distribuição de produtos de investimentos é focada, portanto, no varejo. A Genial, por fim (Sei nº 0393684) informou que apenas segmenta seus clientes entre pessoas físicas e jurídicas. Conforme dados fornecidos, o foco de sua atuação está no segmento de pessoas físicas, embora as pessoas jurídicas tenham participação relevante nos produtos fundos de investimentos e NTN-B (tesouro direto).

 

66. Dessa forma, a SG concluiu que o mercado deve ser definido somente em relação ao varejo, considerando (i) a própria definição adotada pelas Requerentes, que separa o segmento de varejo (incluindo varejo pessoa física e private banking) do segmento institucional (cujos clientes são instituições financeiras, fundos de pensão, seguradoras, assets, etc.); (ii) as informações divulgadas pela Anbima, que também se concentra no segmento de varejo (não obstante cada instituição financeira se utilize de seus próprios parâmetros); e (iii) as informações fornecidas pelas principais concorrentes da XP no sentido de possuírem foco no segmento de varejo e sequer atuar no segmento institucional.

 

67. Outra possível definição de mercado seria excluir o segmento private banking do mercado de varejo, em razão de particularidades dos clientes. Entretanto, como será demonstrado posteriormente no voto, tal segmentação não alteraria a conclusão sobre a possibilidade de exercício de poder de mercado. É que, mesmo com a inclusão do segmento private banking no mercado de varejo, a análise concorrencial aponta para a possibilidade de exercício de poder de mercado, considerando os efeitos da atuação da XP no mercado, caracterizado como maverick firm pela SG – ponto que será abordado de forma detalhada mais à frente.

 

68. Assim, em consonância com o precedente Itaú/Citibank e com a orientação da SG, define-se o mercado relevante como a distribuição de produtos de investimento para o varejo (incluindo varejo pessoa física e private banking), com a ressalva de que, sob o ponto de vista dos ofertantes de produtos financeiros, os bancos de estrutura fechada não concorrem com as plataformas abertas.

 

2.2.2.6. Mercados de seguros

 

69. A jurisprudência do CADE define os mercados relevantes de seguros de acordo com a segmentação feita pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. A segmentação ocorre porque a substituibilidade da demanda por diferentes tipos de seguro é limitada ou inexistente. Nas palavras do ex-Conselheiro Relator Alessandro Octaviani Luís no voto do Ato de Concentração nº 08012.005526/2010-39:

 

“Por outro lado, a substituibilidade pelo lado da demanda também não se sustenta, como afirma o i. Conselheiro Olavo, pois é óbvio que os consumidores certamente não avaliam que, em precisando proteger-se contra o risco de terceiro atingir seu automóvel (grupo “automóvel”), venham a celebrar contrato para proteger-se dos riscos de não receber pagamento por determinadas operações financeiras (grupo “riscos financeiros”), ou, querendo estar protegidos contra a destruição de seu barco ou sua lancha (grupo “marítimos”), venham a contratar seguro que proteja contra má condução corporativa, com a chamada apólice D&O – Directors and Officers (grupo “responsabilidades”).”

 

70. Assim, entende-se que cada classe de seguros constitui um mercado relevante distinto. Considerando que a XP não atua no mercado de seguros, mas apenas no mercado de corretagem de seguros, e que o Itaú oferece apenas seguros de vida e habitacionais, para a análise da presente Operação serão definidos os seguintes mercados relevantes: (i) seguros de vida e (ii) seguros habitacionais.

 

2.2.2.7. Corretagem de seguros

 

71. De forma análoga à distribuição de produtos de investimento, a corretagem de seguros, que pode ser vista como uma forma de distribuição de planos de seguro, não deve ser sujeita a segmentação por tipo de seguro. Em que pese um seguro de vida não concorra com um seguro habitacional, a distribuição de vários tipos de seguros diferentes ocorre pelas mesmas corretoras. Em outras palavras, uma corretora de seguros pode distribuir diversos tipos de seguro.

 

72. Dessa forma, não é devida a segmentação do mercado de corretagem de seguros em razão do tipo do seguro. Isso posto, em consonância com a posição da SG, defino como mercado relevante a corretagem de seguros, sem distinção por tipo de seguro.

 

2.2.3. Dimensão geográfica

 

73. Em convergência com a jurisprudência do CADE no setor financeiro e com o entendimento da SG, entende-se que a dimensão geográfica de todos os mercados descritos deve ser considerada nacional. Com a criação de plataformas digitais e com a evolução do mercado financeiro, o atendimento presencial em agências bancárias se torna cada vez menos importante, o que corrobora a jurisprudência do CADE no sentido do escopo nacional dos mercados tratados neste Ato de Concentração.

 

2.3. Possibilidade de exercício de poder de mercado

 

74. A partir das definições dos mercados relevantes realizadas na seção anterior, a Operação gera as seguintes sobreposições horizontais e integrações verticais:

 

 

 

75. Abaixo seguem as informações de forma sistematizada, com as respectivas parcelas de mercado e níveis de HHI;

 

Sobreposições horizontais

 

[ACESSO RESTRITO]

 

Integrações Verticais

 

 

 

 

76. Passa-se abaixo à análise de cada umas das relações decorrentes da Operação.

 

2.3.1. Sobreposições horizontais

 

2.3.1.1. Corretagem de valores

 

77. Como já mencionado na seção anterior, a corretagem de valores é a intermediação da negociação de títulos e valores mobiliários na BM&FBOVESPA (atualmente B3) e o mercado não deve ser segmentado de acordo com a classe de ativo negociado.

 

78. Segue abaixo a tabela com a participação de mercado dos principais agentes:

 

Tabela 1: estrutura do mercado de corretagem de valores (2017)

Empresa

Volume negociado (R$ milhões)

Market share (%)

Grupo XP

2.179.904

17,6

XP

2.101.942

17,04

Clear

3.339

0,03

Rico

74.622

0,60

Itaú

640.041

5,19

UBS

2.374.592

19,2

BGC

1.026.026

8,3

BTG

1.018.359

8,2

Outros

5.117.036

41,4

Total

12.355.958

100

Fonte: Requerentes, com dados da B3.

 

79. Após a Operação, Itaú e XP se tornarão líderes nesse mercado, ultrapassando o UBS. Deterão market share de 22,8%. Entretanto, a análise do índice de Herfindahl-Hirschman (“HHI”) demonstra que não se trata de um mercado concentrado.

 

80. No mercado de corretagem de valores, segundo a SG, o HHI é de no máximo 1458 pontos, devendo ser considerado não-concentrado conforme Guia de Análise de Atos de Concentração Horizontal (Guia H) do CADE. De fato, analisando as participações de mercado e o HHI, não há aumento da possibilidade de exercício de poder de mercado decorrente da Operação no mercado corretagem de valores.

 

81. No entanto, como será melhor abordado posteriormente neste voto, as presunções baseadas no exame de HHI e de market share devem ser relativizadas em situações específicas, previstas no próprio Guia H.

 

2.3.1.2. Gestão de recursos de terceiros

 

82. Segue abaixo a tabela com a estrutura do mercado de gestão de recursos de terceiros, com base em dados fornecidos pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima):

 

Tabela 2: estrutura do mercado de gestão de recursos de terceiros (2017)

Gestor

Volume (R$ milhões)

Market share (%)

Itaú

581.746

16,1

XP

10.671

0,29

Banco do Brasil

786.276

21,11

Bradesco

570.475

15,3

Caixa

250.980

6,7

Santander

237.200

6,4

Safra

83.943

2,2

Outros

1.203.467

32,3

Total

3.724.758

100

Fonte: Requerentes, com dados Anbima.

 

83. Também nesse mercado, o HHI é inferior a 1500 pontos, considerando que a análise da SG apontou para HHI de 1.093 pontos. Além disso, a participação conjunta seria de 16,4%, sendo que a XP possui apenas 0,29%. Dessa forma, a Operação não manteria nexo causal com aumento da possibilidade de exercício de poder de mercado no mercado de gestão de recursos de terceiros.

 

2.3.1.3. Administração fiduciária

 

84. Segue abaixo a tabela com a estrutura do mercado de administração de recursos de terceiros, também baseada em dados fornecidos pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima):

 

Tabela 3: estrutura do mercado de administração de recursos de terceiros (2017)

Administrador

Volume (R$ milhões)

Market share (%)

Itaú

729.544

19,59

XP

349

0,01

Banco do Brasil

791.231

21,24

Bradesco

757.131

20,33

Caixa

302.307

8,12

Santander

255.655

6,86

Credit Suisse

133.632

3,59

Outros

754.909

20,26

Total

3.724.758

100

Fonte: Requerentes, com dados Anbima.

 

85. Assim como no mercado de gestão de recursos, o acréscimo de market share decorrente da Operação é insignificante, já que a XP possui apenas 0,01% do mercado. De qualquer forma, a participação conjunta será menor que 20% e o HHI também é menor que 1500 pontos (1450 segundo análise da SG). Também nesse mercado, portanto, não se verificaria nexo causal entre a Operação e o aumento da possibilidade de exercício de poder de mercado.

 

2.3.1.4. Distribuição de produtos de investimento para o varejo

 

86. Para a análise horizontal, a SG considerou como concorrentes as plataformas abertas e os agentes com estrutura fechada de distribuição de produtos de investimento (como os bancos tradicionais). Em outras palavras, bancos e corretoras concorreriam no mesmo mercado.

 

87. Assim como nos mercados anteriores, serão utilizados dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima). Entretanto, vale ressalvar que as informações prestadas pelas instituições são auto declaratórias, e podem estar sujeitas aos critérios de segmentação interna de cada instituição. Não obstante, os dados da Anbima são a melhor fonte disponível para a análise do referido mercado. Adicionalmente, a SG também levou em consideração informações fornecidas pelos próprios agentes econômicos, já que os dados fornecidos pelas partes não contemplaram os volumes individuais dos concorrentes, apenas o total do mercado e o de cada uma das partes.

 

88. Para a estruturação do mercado, foram considerados os seguintes produtos de investimento, constantes da base Anbima: (i) privados bancários (CDB, Letras, etc); (ii) privados não bancários (debêntures, por exemplo); (iii) fundos de investimentos; (iv) renda variável (ações); (v) tesouro direto; e (vi) previdência privada. Foram excluídos do cálculo a poupança, produto estritamente distribuído pela rede bancária e operações compromissadas, em que a XP não atua – assim como as demais plataformas abertas. Ademais, vale lembrar que a definição adotada inclui o segmento private banking. Segue abaixo tabela com a estrutura desse mercado:

 

Tabela 4: estrutura do mercado de distribuição de produtos financeiros (2017)

 

[ACESSO RESTRITO]

 

 

89. Nesse mercado, a concentração resultante da Operação seria de [ACESSO RESTRITO]. A título de esclarecimento, cumpre notar que dos [ACESSO RESTRITO] de market share do Grupo XP, [ACESSO RESTRITO] correspondem à plataforma XP e [ACESSO RESTRITO] corresponde à plataforma Rico (SEI nº 0364419, p. 55).

 

90. Apesar da análise realizada pela SG demonstra um mercado considerado moderadamente concentrado, com um índice de HHI total de 1983 pontos, a variação do HHI (ΔHHI) é de apenas 96,7 pontos, abaixo do patamar de 100 pontos, que indicaria nexo de causalidade entre a Operação e o aumento da possibilidade de exercício de poder de mercado.

 

91. Assim, considerando tão somente os índices de concentração, a análise da Operação não precisaria prosseguir em relação a este mercado. Entretanto, como já dito, as presunções baseadas nesses índices devem ser relativizadas caso particularidades existam, como a eventual presença de empresa maverick como parte da operação.

 

92. Caso excluíssemos o segmento private banking do mercado, a participação de mercado conjunta seria de aproximadamente [ACESSO RESTRITO] conforme dados da Anbima (SEI nº 0452944), o que indicaria possibilidade de exercício de poder de mercado. De qualquer forma, como será abordado posteriormente, a conclusão será a mesma com a inclusão do segmento private banking, em razão de a XP ser maverick nesse mercado. Dessa forma, ainda que hajam diferenças de market share decorrentes das diferentes formas de se definir o mercado, essas diferenças não alterariam a conclusão da análise concorrencial.

 

93. Destaca-se que a estrutura de mercado apresentada acima somente é adequada sob a ótica dos investidores (demandantes de produtos de investimento). Como se sabe, o modelo de plataformas abertas de distribuição de produtos de investimento constitui um mercado de dois lados, em que interagem ofertantes de produtos de investimento (por exemplo, emissores de títulos bancários) e demandantes (investidores). Para o lado dos ofertantes de produtos de investimento, não é possível considerar os bancos como concorrentes das plataformas abertas, vez que apenas essas podem distribuir produtos de terceiros. Portanto, é importante pontuar que, sob a ótica dos ofertantes, a XP possui posição dominante, detendo market share próximo de 50%, conforme a tabela abaixo:

 

Tabela 5: estrutura do mercado de distribuição de produtos financeiros – plataformas abertas (2017)

 

[ACESSO RESTRITO]

 

94. A tabela acima, elaborada pela SG, considerou apenas plataformas abertas que distribuem, no mínimo, dois produtos de investimento, excluindo, dessa forma, corretoras com atuação exclusiva na intermediação em bolsa de valores. Além disso, para identificação dos concorrentes, a SG também considerou o reconhecimento recíproco deles.

 

95. Em que pese a posição dominante da XP no mercado, sob a ótica dos ofertantes de produtos de investimento, não há sobreposição horizontal, já que o Itaú não atua como plataforma aberta. Eventuais problemas concorrenciais relacionados ao poder de mercado da XP entre plataformas abertas serão abordados na análise de integrações verticais.

 

2.3.1.5. Corretagem de seguros

 

96. Conforme informado pela SG, as partes não foram capazes de fornecer dados precisos a respeito do mercado de corretagem de seguros, pela ausência de dados públicos e pela elevada pulverização do mercado. Segundo a federação Nacional dos Corretores de Seguros Privados – Fenacor, há atualmente 99.432 corretores atuando em todo o país.

 

97. De todo modo, a SG conseguiu obter algumas informações sobre este mercado. Na análise da operação entre o Itaú e o Citibank, verificou-se que o Itaú atuava nos mercados de seguros de pessoas, automóveis e habitacional, não possuindo, em nenhum deles, participação superior a 20%.

 

98. Ademais, por possuir estrutura fechada e cativa, ou seja, distribui os seguros do seu próprio grupo, sua participação no mercado de corretagem seria, no máximo, de 20%, pois: (i) distribuindo apenas seus próprios seguros, sua participação no mercado de corretagem estaria limitada a esses produtos que, individualmente, em seus respectivos grupos/mercados, não ultrapassam 20% de market share; e (ii) o mercado de corretagem não é segmentado, ou seja, contempla outros grupos de seguros em que o Itaú não atua, porquanto sua participação no mercado de corretagem seria diluída.

 

99. A XP, por sua vez, atua na corretagem de seguros apenas do grupo dos seguros de vida. Mesmo nesse segmento, a XP possui participação de cerca de 1,5%, considerando o valor total dos prêmios pagos no mercado de seguros de vida individuais. Considerando ser o mercado de corretagem mais amplo, como já dito, a participação da XP seria ainda menor, não chegando a 1%.

 

100. Dessa forma, a Operação não aumenta a possibilidade de exercício de poder de mercado no segmento de corretagem de seguros.

 

2.3.1.6. Conclusões preliminares sobre as sobreposições horizontais

 

101. Em nenhum dos mercados em que se verificou sobreposição horizontal há o risco de aumento da possibilidade de poder de mercado em decorrência da Operação, considerando os índices tradicionais de concentração econômica.

 

102. Passa-se agora à análise das integrações verticais.

 

2.3.2. Integrações verticais

 

103. Partindo na análise vertical, como já mencionado, a Operação acarreta: (i) reforço de integração entre a atividade de gestão de recursos de terceiros do Itaú e de distribuição de produtos de investimentos da XP; (ii) reforço de integração vertical entre a atividade de emissão de títulos bancários pelo Itaú e a de distribuição de produtos de investimentos pela XP; (iii) reforço de integração vertical entre a atividade de previdência privada do Itaú e a de distribuição de produtos de investimentos da XP; (iv) reforço de integração vertical entre as atividades de gestão de recursos de terceiros e administração de recursos de terceiros, exercidas por ambas as partes; e (v) reforço de integração vertical entre a atividade de seguros (vida e habitacional) do Itaú e a de corretagem de seguros da XP.

 

104. As três primeiras integrações serão analisadas de forma conjunta, já que a capacidade e os incentivos ao fechamento de mercado são iguais.

 

2.3.2.1. Reforço de integração vertical entre os mercados de gestão de recursos de terceiros, emissão de títulos bancários e de previdência privada, do Itaú, e o mercado de distribuição de produtos de investimentos, da XP

 

105. Tradicionalmente, em análises verticais, busca-se verificar se alguma das partes envolvidas tem poder de mercado para prejudicar a concorrência em qualquer das etapas da cadeia, seja restringindo ao concorrente à jusante a oferta de insumos essenciais a sua atividade (ou em condições discriminatórias), ou vedando ao concorrente à montante o acesso a canais de distribuição necessários para que seu produto ou serviço alcance o consumidor final (ou permitindo o acesso em condições também discriminatórias). A estrutura das integrações verticais analisadas nessa seção é a seguinte:

 

 

106. Inicialmente, cumpre notar que, nas integrações verticais analisadas nesse tópico, a XP possui posição dominante, com cerca de 50% do mercado, conforme a Tabela 5. Isso porque, ao analisarmos a relação da XP com ofertantes de produtos de investimento – no caso, o Itaú – devemos lembrar que apenas outras plataformas abertas concorrem com a XP, vez que os bancos não distribuem produtos de terceiros, pois possuem estrutura fechada. Feita essa observação inicial, passa-se a analisar eventuais riscos concorrenciais decorrentes das integrações verticais acima referidas.

 

107. Em relação aos riscos de fechamento do mercado de distribuição de produtos de investimento, entende-se que podem existir incentivos à discriminação, por parte do Itaú, de plataformas abertas concorrentes à XP. O Itaú é o maior banco privado do Brasil e passará a deter grande fatia do capital social da XP após a Operação. Assim, caso o Itaú passe a distribuir produtos de investimento de emissão própria por meio da XP, eventual discriminação ou recusa de fornecimento de seus produtos às plataformas concorrentes poderia prejudicá-los, reforçando ainda mais a posição dominante da XP entre plataformas abertas.

 

108. Ademais, em um cenário hipotético, é possível vislumbrar risco de direcionamento, pelo Itaú, de sua vasta carteira de clientes correntistas para a XP. É que, caso o Itaú anteveja uma inevitável tendência à “desbancarização”, teria ele os incentivos para direcionar a migração de seus clientes à XP, em detrimento de outras plataformas abertas – considerando sua significativa participação no capital social da XP. Esse direcionamento poderia ocorrer, a título ilustrativo, por meio de campanhas publicitárias, recomendação institucional ou fornecimento de dados de seus clientes à XP. Caso isso ocorra, entende-se que poderia haver reforço relevante da posição dominante detida pela XP entre plataformas abertas.

 

109. As duas preocupações destacadas acima são complementares à análise da SG, uma vez que esta focou em aspectos relacionados à XP que serão vistos a partir de agora.

 

110. Em relação ao risco de fechamento de mercado à montante, também há riscos concorrenciais de uma integração entre Itaú e XP. Não se ignora que a XP é o principal canal de distribuição de produtos financeiros de terceiros do Brasil. Assim, players dos mercados à montante, que dependem do canal de distribuição da XP e concorrem com o Itaú, poderiam ser discriminados pela XP, com o intuito de favorecer o Itaú. A tabela abaixo, elaborada pela SG, demonstra a representatividade da XP na distribuição de ativos de alguns bancos e gestoras de recursos:

 

Tabela 14: participação da XP na distribuição de produtos de investimentos de emissores e gestores (2017)

 

[ACESSO RESTRITO]

 

111. Como se percebe pela análise da tabela e pela instrução feita pela SG, melhor detalhada em seu Parecer, a XP possui grande relevância, como canal de distribuição, para diversos ofertantes de produtos de investimento.

 

112. Dessa forma, entende-se que há possibilidade de fechamento de mercado e discriminação de concorrentes do Itaú por parte da XP.

 

113. Em suma, podemos destacar três riscos concorrenciais que, a princípio, decorrem das integrações verticais analisadas nesse tópico: (i) possível discriminação de plataformas concorrentes da XP, pelo Itaú, no fornecimento de seus produtos de investimento; (ii) possível direcionamento, pelo Itaú, de seus clientes à XP, reforçando sua posição de dominância entre plataformas abertas; e (iii) possível discriminação, por parte da XP, de ofertantes de produtos de investimento concorrentes do Itaú.

 

114.  Assim, as integrações verticais relacionadas à atuação da XP no mercado de distribuição de produtos de investimento serão analisadas de forma mais aprofundada na seção de probabilidade de exercício de poder de mercado.

 

2.3.2.2. Reforço de integração vertical entre os mercados de gestão de recursos de terceiros e administração fiduciária

 

115. Ambas as Requerentes atuam nos mercados de gestão de recursos de terceiros e administração fiduciária. Conforme os dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), a participação da XP nesses mercados é muito reduzida (0,29% e 0,01%, respectivamente), o que afasta eventual nexo causal da Operação com preocupações concorrenciais.

 

116. Além disso, a participação conjunta resultante da Operação seria de 19,6% no mercado de gestão de recursos de terceiros e 16,39% no mercado de administração fiduciária.

 

117. Dessa forma, não há possibilidade de exercício de poder de mercado em decorrência da presente integração vertical.

 

2.3.2.3. Reforço de integração vertical entre os mercados de seguros e o de corretagem de seguros

 

118. A XP apenas atua no mercado de corretagem de seguros, enquanto o Itaú, além desse mercado, atua também na oferta de seguros de vida e patrimoniais.

 

119. Percebe-se que o Itaú tem market share inferior a 20% nos mercados de seguros (à montante) e no mercado de corretagem de seguros. A XP, por sua vez, possui market share inferior a 1% no mercado de corretagem de seguros.

 

120. Dessa forma, em concordância com a análise da SG e analisando os índices de concentração, não há risco de adoção de práticas verticais tendentes ao fechamento de mercado em decorrência da Operação nos mercados de seguros e corretagem de seguros.

 

2.3.2.4. Conclusões preliminares sobre as integrações verticais

 

121. Com base na análise tradicional, fundada em presunções a partir de índices de concentração econômica, é possível concluir que somente as integrações verticais relacionadas ao mercado de distribuição de produtos de investimento apresentariam problemas concorrenciais, em razão da posição dominante da XP como plataforma aberta de distribuição.

 

122. Entretanto, a presente Operação apresenta particularidades que afastam as presunções baseadas nos índices de concentração econômica.

 

123. Esses índices são úteis para a análise concorrencial na maioria das situações. Não obstante, em certas situações, a participação de mercado de um concorrente pode não representar sua efetiva capacidade competitiva. O próprio Guia H estabelece que a metodologia baseada em market share e HHI deve ser flexibilizada quando uma das partes for maverick, entrante potencial ou recente ou apresentar estratégia disruptiva.

 

124. Esse é o caso da XP, como será abordado na próxima seção do voto.

 

2.3.3. Particularidades da Operação: maverick firms e mercados de dois lados

 

125. Há particularidades no presente Ato de Concentração que merecem análise cuidadosa do CADE. Referem-se, sobretudo, ao conceito de maverick firms e de mercado de dois lados.

 

Maverick firms

 

126. Segundo o Guia H, empresas mavericks são aquelas que apresentam um nível de rivalidade disruptivo, com baixo custo de produção e uma baixa precificação que força os preços do mercado para baixo ou que se caracterizam por sua inventividade e estimulam a permanente inovação no segmento em que atuam. Desse modo, a presença de empresas com essas características no mercado pode disciplinar os preços de concorrentes com maior market share:

 

“O Cade pode considerar que o AC que envolva uma empresa com uma estratégia de liderança de custos, de inovação ou de nicho, por exemplo, pode diminuir a concorrência atual ou potencial do segmento, diminuir a rivalidade e desestimular a inovação no mercado em análise, ainda que a variação do HHI seja baixa” (Guia H do CADE)..

 

127. Em sede de direito comparado, o Guia utilizado pelo Department of Justice - DOJ e pela Federal Trade Commission – FTC[2], ambos dos Estados Unidos, também ressaltam que as autoridades antitruste devem conferir especial atenção a concentrações envolvendo mavericks, ainda que com base nos índices tradicionais não levantem maiores preocupações.

 

128. A SG, em seu Parecer, analisa a literatura sobre o assunto de forma mais aprofundada e afirma que:

 

“O maverick, portanto, pode ser uma força disruptiva observável, que lidera movimentos de guerra de preços, mas também pode se caracterizar como alguém que se recusa a elevar os preços – ou adotar qualquer outra estratégia de paralelismo – em sequência a um movimento de seus rivais” (SEI nº 0425434).

 

129. Dessa forma, aplicando os conceitos ao caso concreto, a SG entendeu que a XP se enquadra no conceito de maverick, o que demandaria análise concorrencial mais detalhada da presente Operação. Em verdade, o próprio mercado percebe a XP como empresa disruptiva, conforme notícias diversas mencionadas no Parecer da SG.

 

130. De fato, a XP foi pioneira no movimento disruptivo que o setor financeiro experimenta atualmente, chamado de “desbancarização”. O termo indica o surgimento de novos concorrentes em mercados nos quais, tradicionalmente, apenas bancos atuavam. Em realidade, a XP tem crescido por meio da conquista de clientes dos bancos tradicionais, provocando evasão de grandes quantias antes aplicadas nessas instituições, cujos clientes migram para a XP em razão de sua plataforma aberta de distribuição de diversificados produtos financeiros.

 

131. Essa percepção é corroborada pelo mercado, conforme documentação constante nos autos. A este respeito, destaca-se a afirmação de banco tradicional no sentido de que uma parte importante dos seus clientes transferiram suas posições para a XP:  [ACESSO RESTRITO].

 

132. No entanto, o rápido e sensível crescimento da XP é limitado aos mercados de corretagem de valores e de distribuição de produtos de investimento para o varejo. A dinâmica disruptiva não se verificou nos outros mercados em que atua a XP, conforme se verifica na tabela abaixo:

 

Tabela 6 - Evolução de market share da XP (2012-2017)

Mercado

Market share (2012)

Market share (2017)

Corretagem de valores

1,61%

17,67%

Administração de recursos

0,00%

0,01%

Gestão de recursos (asset)

0,06%

0,29%

Distribuição de produtos de investimentos

0,6%

2,7%

Fonte: Anbima, Requerentes e concorrentes.

 

133. Portanto, pelos dados trazidos no Parecer da SG, nota-se que, nesses mercados, a XP tem apresentado taxas muito elevadas de crescimento nos últimos anos, bastante superiores à média dos demais agentes, gerando uma perspectiva de market share futuro significativamente maior do que possui hoje.

 

134. As Requerentes alegam que a XP não é, atualmente, uma maverick. Para tanto, aduzem que o modelo iniciado pela XP – plataforma aberta de investimento – é que seria disruptivo. Afirmam que o rápido crescimento da XP se deve ao fato de que ela foi pioneira (first mover) nesse novo modelo de negócios, mas que esse modelo foi e está sendo replicado por diversos concorrentes. Nesse sentido, as Requerentes entendem que que ainda a Operação representasse a aquisição do controle da XP pelo Itaú (o que não se trata neste presente Ato de Concentração), não estaria configurada a eliminação de uma maverick.

 

135. Neste voto, concorda-se com a afirmação de que o modelo iniciado pela XP, ou seja, o modelo de plataforma aberta de distribuição de produtos de investimento, é disruptivo. No entanto, isso não é capaz de descaracterizar, por completo, a XP como uma maverick – ou pelo menos com efeitos no mercado equiparados às mavericks. Trata-se da principal plataforma aberta do país, apresentando taxas menores que os bancos tradicionais na maioria dos produtos, conforme instrução realizada pela SG.

 

136. Nesse sentido, essas particularidades da XP afastam a utilização do HHI como critério de nexo de causalidade, exatamente porque o uso do referido índice se limita aos aspectos estáticos do mercado no momento em que as informações de participações de mercado são coletadas. É justamente por esse motivo que os guias do CADE e de autoridades estrangeiras fazem ressalvas ao seu uso.

 

137. Em suma, entende-se, de modo convergente, mas não idêntico à SG, que a XP exerce função de maverick nos mercados de corretagem e de distribuição de produtos de investimento, motivo pelo qual se afasta a conclusão preliminar de ausência de nexo de causalidade entre a Operação e eventual aumento da possibilidade de exercício de poder de mercado nesses segmentos.

 

Mercados de dois lados

 

138. Antes de passar à avaliação da probabilidade do exercício de poder de mercado, reputo pertinente tecer breves considerações sobre as especificidades da análise concorrencial em mercados de dois lados. A digressão se justifica porque o modelo inovador de plataforma aberta de distribuição de produtos de investimento, capitaneado pela XP, constitui um mercado de dois lados, cujas peculiaridades econômicas devem ser levadas em consideração na análise antitruste.

 

139. Em síntese, mercados de dois lados (ou de múltiplos lados) são aqueles em que dois ou mais grupos de consumidores interagem entre si. Nas palavras de Rochet e Tirole:

 

“Two-sided (or more generally multi-sided1) markets are roughly defined as markets in which one or several platforms enable interactions between end-users, and try to get the two (or multiple) sides “on board” by appropriately charging each side.”[3]

 

140. Em geral são plataformas que unem grupos distintos de consumidores que, por sua vez, interagem entre si. Recentemente, a maior parte do debate doutrinário tem se focado na análise de mercados de dois lados na internet. Exemplos de plataformas online são vastos, como Uber, Facebook, Amazon, etc. No entanto, o fenômeno de mercados de dois lados é antigo. Podemos citar como exemplo os jornais ou os centros comerciais (shopping mall). Nesses mercados, a estratégia de precificação deve considerar as múltiplas interações entre os diferentes grupos de consumidores. Por exemplo, o Facebook não cobra dos usuários, apenas dos anunciantes. Alguns jornais não cobram dos leitores – doando o jornal abaixo do custo marginal – e cobram apenas dos anunciantes, enquanto outros cobram nos dois lados.

 

141. Vários são os impactos das particularidades de mercados de dois lados na análise concorrencial. Talvez o principal seja a existência de efeitos de rede (também chamados de externalidades de rede). Classicamente, entende-se que tais efeitos se fazem presentes quando “a utilidade que um consumidor atribui a certos bens ou serviços varia conforme o número de outros agentes que o consomem”.[4] Esse aumento da utilidade marginal do bem ou serviço pode se dar tanto em função de um crescimento direto da rede que lhe dá suporte, quanto em função do aumento da oferta de bens e serviços prestados em um mercado complementar à rede. Na primeira hipótese, diz-se estar diante de efeitos positivos diretos de rede, enquanto que, na segunda hipótese, afirma-se estar diante dos chamados efeitos positivos indiretos de rede.[5]

 

142. A teoria econômica considera que, quando determinado mercado apresenta consideráveis efeitos de rede, há forte tendência de surgimento de uma externalidade negativa específica, chamada de externalidade negativa de rede. Isso acontece porque, ordinariamente, o consumidor adicional da rede não é recompensado pelo aumento da utilidade marginal que a sua adesão provoca em relação aos demais usuários. Essa incapacidade das estruturas de mercado em internalizar tal benefício, por sua vez, gera um desequilíbrio das relações concorrenciais no mercado.[6]

 

143. A ocorrência de efeitos de redes é relevante para o direito antitruste, tanto na dimensão de controles de condutas quanto na de controle de estruturas, pelo fato de tais efeitos constituírem relevantes barreiras à entrada nos mercados de dois ou múltiplos lados[7].  Nas palavras da OCDE:

 

“Due to indirect network effects, the antitrust assessment is typically more complex in multi-sided markets.”[8]

 

144. Além disso, a existência de efeitos de rede indiretos, especialmente quando a relação é reciproca em ambos os lados, gera uma tendência à concentração do mercado.

 

145. É que, quando mais agentes em determinado lado da plataforma (lado 1), mais atrativa ela se torna aos consumidores do outro lado (lado 2). Com isso, a plataforma atrai mais consumidores nesse lado (lado 2), o que aumenta a utilidade para o outro (lado 1). Isso atrai, por consequência, mais agentes para esse lado (1) da plataforma, reiniciando o processo. Como se percebe, trata-se de uma tendência viciosa à concentração.

 

146. Essa tendência à concentração e as barreiras à entrada decorrentes de efeitos de rede indiretos podem ser mitigados caso seja possível aos consumidores utilizar, de maneira simultânea, várias plataformas concorrentes (multihoming).

 

147. Os impactos dos efeitos de rede na análise concorrencial e nas condições de entrada serão melhor detalhados posteriormente neste voto. Por ora, cumpre notar que o mercado de distribuição de produtos de investimento, no modelo de plataforma aberta, introduzido no Brasil pela XP, é um mercado de dois lados. Como já afirmado, nele interagem dois tipos diferentes de consumidores: (i) investidores, que buscam produtos de investimento; e (ii) ofertantes de produtos de investimento, que buscam atrair investidores.

 

148. Conforme será abordado na análise de condições de entrada, existem, nesse mercado, efeitos de rede que devem ser levados em consideração por este Conselho. Segue abaixo a representação gráfica da plataforma XP de distribuição de produtos de investimento:

 

 

149. Feitas essas considerações e estabelecida a possibilidade de exercício de poder de mercado após a Operação, prossegue-se para a análise de probabilidade desse exercício em decorrência da sobreposição horizontal nos mercados de corretagem de valores e distribuição de produtos de investimento e das integrações verticais relacionadas à atuação da XP nesse último mercado.

 

2.4. Probabilidade de exercício de poder de mercado

 

150. Inicialmente, examinaremos as condições de entrada nesses dois mercados. Em especial, focaremos nos efeitos de rede indiretos, nas barreiras legais e regulatórias, nas barreiras decorrentes de econômicas de escala e no acesso a insumos e canais de distribuição.

 

151. Em seguida, analisaremos as condições de rivalidade desses mercados, examinando o modelo tradicional de prestação de serviços financeiros no Brasil e os impactos decorrentes do surgimento de fintechs.

 

152. Por fim, concluiremos a análise concorrencial demonstrando que a aquisição da XP pelo Itaú, em princípio, levanta preocupações concorrenciais, de modo a justificar a necessidade de elementos mitigadores dessas preocupações.

 

2.4.1. Condições de entrada

 

153. O estudo das condições de entrada é essencial para a análise antitruste de atos de concentração. E é assim porque mesmo que se verifique concentração de mercado elevada após a Operação, é possível que eventual tentativa de exercício de poder de mercado seja efetivamente contestada pela entrada de novos concorrentes. Dessa forma, mercados com baixas barreiras à entrada são menos propícios ao exercício de poder de mercado.

 

154. Segundo o Guia H, barreiras à entrada são quaisquer condições de mercado que coloquem um potencial competidor em desvantagem com relação aos agentes econômicos já estabelecidos. Dentre essas condições, o referido manual menciona os custos irrecuperáveis, barreiras legais ou regulatórias, recursos de propriedade exclusiva das empresas instaladas, economias de escala/escopo, ameaça de reação dos competidores instalados dentre outras.

 

155. Em convergência com o Parecer da SG, a análise de barreiras à entrada será feita de forma conjunta para os mercados de corretagem de valores e distribuição de produtos de investimento, vez que grande parte das empresas que atuam na distribuição de produtos de investimento, nasceram e ainda atuam como corretoras. Ademais, as condições desses dois mercados são suficientemente semelhantes para justificar a análise conjunta.

 

2.4.1.1. Efeitos de rede indiretos

 

156. Conforme já destacado acima, o modelo de plataforma aberta de distribuição de produtos de investimento constitui um mercado de dois lados. Uma das principais fontes de poder econômico que se verifica nesse tipo de mercado são os chamados efeitos de rede (network effects), que podem constituir significativas barreiras à entrada.[9] 

 

157. No caso em tela, é possível identificar a formação de efeitos de redes nas modalidades direta e indireta no mercado de distribuição de produtos de investimentos.

 

158. De um lado, os investidores (demandantes de produtos de investimento) tendem a atribuir maior valor à plataforma à medida em que aumenta o número de ofertantes de produtos de investimento na referida plataforma. Essa relação caracteriza a existência de efeitos de rede indiretos que constituem barreira à entrada.

 

159. No outro lado da plataforma, os ofertantes de produtos de investimento também tendem a considerar a plataforma mais atrativa quanto maior for a quantidade de investidores a ela vinculados. Assim, também se verifica a formação de efeitos de redes indiretos no lado dos ofertantes.

 

160. Além disso, ainda no lado dos ofertantes, evidencia-se a formação de efeitos de redes diretos negativos, uma vez que a maior quantidade de ofertantes de produtos de investimento na plataforma pode diminuir a sua atratividade em relação aos outros ofertantes – aumentando a concorrência dentro da plataforma.

 

161. Efeitos de rede indiretos geram uma tendência à concentração e representam sensível barreira à entrada. É que, para um entrante, seria muito difícil oferecer uma plataforma atrativa, já que o valor da sua plataforma depende da quantidade de usuários já existentes.

 

162. Aplicando-se este raciocínio ao caso ora em exame, dificilmente um entrante conseguiria oferecer uma plataforma mais atrativa do que a XP, dominante no mercado. Para os ofertantes de produtos de investimento, a XP seria mais vantajosa, já que que possui mais investidores. Para os investidores, ela seria mais valiosa por apresentar uma grande variedade de produtos de investimento.

 

163. Entretanto, um fator que pode mitigar sensivelmente os efeitos negativos à concorrência dos efeitos de rede é a possibilidade de multihoming – atuação simultânea de consumidores e ofertantes junto a várias plataformas. Caso não haja restrições para demandantes e ofertantes aderir a múltiplas plataformas, menor é a possibilidade do agente dominante exercer poder de mercado sem que haja perda de equilíbrio na plataforma.

 

164. A possibilidade de multihoming, em ambos os lados, será analisada de forma mais detalhada no item 2.4.2.4, quando abordaremos as condições de acesso a insumos. De qualquer forma, adianta-se que no mercado de distribuição de produtos de investimento há facilidade de multihoming no lado dos demandantes (investidores) e há riscos de que a XP possa dificultar o multihoming no lado dos ofertantes, por meio de exigência de exclusividade.

 

165. Em conclusão, por ora, ressalta-se que a existência de efeitos de rede configura barreira à entrada no mercado analisado, ainda que mitigada pela possibilidade de multihoming.

 

2.4.2.2. Barreiras legais e regulatórias

 

166. Para atuar nos mercados de corretagem e de distribuição de produtos de investimento é necessária autorização do Banco Central, cujo prazo estimado pelas Requerentes seria de 18 (dezoito) meses.

 

167. Além da autorização do Banco Central, há necessidade de autorização por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para corretoras que pretendem atuar com valores mobiliários. Além disso, há requisitos de autorregulação que também precisam ser atendidos.

 

168. De acordo com a instrução realizada pela SG, mencionada no Parecer, os concorrentes da XP entendem que a regulação setorial pode representar efetiva barreira à entrada.

 

169. Diante disso, concorda-se com a conclusão da SG no sentido de que as barreiras regulatórias à entrada não são desprezíveis.

 

2.4.2.3. Economias de escala

 

170. Em relação às barreiras decorrentes de economias de escala, também acompanha-se o Parecer da SG, no sentido de que existem, de fato, fatores nos mercados de corretagem de valores e de distribuição de produtos de investimento que indicam razoáveis economias de escala.

 

171. Conforme bem explicado pelo Guia H e pela SG, economias de escala são reduções nos custos médios derivados da expansão da quantidade produzida, dados os preços dos insumos. Um dos principais fatores que impacta a magnitude dos ganhos de escala é a proporção dos custos fixos em relação aos custos totais de uma determinada atividade.

 

172. Conforme demonstrado pela instrução conduzida pela SG, nos mercados analisados, são necessários investimentos iniciais significativos em infraestrutura, garantia de capital, publicidade, mídia e tecnologia da informação (TI). Tratam-se, portanto, de custos fixos.

 

173. Dessa forma, o agente dominante – como a XP, entre plataformas abertas – possui vantagens significativas em relação a eventuais entrantes e rivais de menor porte.

 

174. A conclusão é corroborada quando analisamos o percentual da receita líquida dos players desses mercados gastos com publicidade e tecnologia da informação (TI) em 2017:

 

Tabela 7: Gastos com marketing e TI em relação à receita líquida (2017)

 

[ACESSO RESTRITO]

 

175. Esses dados, juntamente com a instrução realizada no âmbito da SG e detalhada em seu Parecer, evidenciam a presença de significativas economias de escala nos mercados de corretagem de valores e distribuição de produtos de investimento

 

2.4.2.4. Acesso a insumos

 

176. Na presente seção, avalia-se se as condições de acesso a insumos nos mercados afetados configuram efetivas barreiras à entrada. Essa análise é especialmente aplicável ao mercado de distribuição de produtos de investimento.

 

177. Mais uma vez, cumpre notar que esse mercado, da forma como explorado pela XP, constitui um mercado de dois lados.

 

178. Por isso, condição relevante para a entrada é a possibilidade de multihoming em ambos os lados do mercado. Multihoming refere-se à possibilidade de clientes utilizarem mais de uma plataforma simultaneamente. A título ilustrativo, haverá multihoming no lado dos ofertantes se emissores de títulos bancários puderem distribuir seus produtos de investimento em várias plataformas ao mesmo tempo. Da mesma forma, haverá multihoming no lado dos demandantes caso os investidores puderem abrir contas em várias plataformas simultaneamente.

 

179. A possibilidade de multihoming em ambos os lados da plataforma mitiga os efeitos de rede indiretos, relevante barreira à entrada.

 

180. No caso concreto, verifica-se que há ampla possibilidade de multihoming no lado dos demandantes de produtos de investimento – investidores. O investidor pode abrir contas em várias distribuidoras ou corretoras simultaneamente. Esse processo, de fato, está se tornando cada vez mais simples em razão da abertura de contas pela internet, sem necessidade de atendimento presencial.

 

181. Além disso, como já mencionado na etapa de definição de mercado, para esse lado, os bancos, de estrutura fechada, concorrem com as plataformas abertas na distribuição de produtos de investimento.

 

182. Dessa forma, no lado dos demandantes de produtos de investimento, não há impedimento ao multihoming.

 

183. No lado dos ofertantes de produtos de investimento, por sua vez, a instrução realizada pela SG sugere que há limitações ao multihoming, o que poderia significar barreiras à entrada de novos concorrentes.

 

184. Relembrando o que aduzi na fase de definição de mercado relevante, para o lado dos ofertantes de produtos de investimento, os bancos tradicionais não competem com as plataformas abertas para a distribuição desses produtos, vez que não distribuem produtos de terceiros. Dessa forma, na análise dos impactos concorrenciais no lado dos ofertantes de produtos de investimento, o mercado analisado deverá incluir somente plataformas abertas de distribuição.

 

185. Nesse sentido, verifica-se ampla dominância da XP, com aproximadamente 50% do mercado de plataformas abertas de distribuição. Portanto, eventual exigência, por parte da XP, de exclusividade com ofertantes de produtos de investimento, necessários para a composição do portfólio de uma distribuidora, poderia configurar relevante barreira à entrada e ao desenvolvimento de novas plataformas.

 

2.4.2.5. Acesso a canais de distribuição

 

186. Além das barreiras decorrentes de restrições ao acesso aos ofertantes de produtos de investimento, também há preocupações em relação aos canais de distribuição. Conforme a instrução realizada pela SG, além da plataforma online, é relevante para a distribuição de produtos de investimento a atuação de Agentes Autônomos de Investimento (AAI).

 

187. Segundo o artigo 1º da Instrução 497 da CVM:

 

 Agente autônomo de investimento é a pessoa natural, registrada na forma desta Instrução, para realizar, sob a responsabilidade e como preposto de instituição integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários, as atividades de: I - prospecção e captação de clientes; II - recepção e registro de ordens e transmissão dessas ordens para os sistemas de negociação ou de registro cabíveis, na forma da regulamentação em vigor; e III - prestação de informações sobre os produtos oferecidos e sobre os serviços prestados pela instituição integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários pela qual tenha sido contratado.

 

188. O artigo 13 da referida Instrução impõe a exclusividade do AAI com a instituição de distribuição para quem presta seu serviço. Essa exclusividade normativa, entretanto, não se aplica à distribuição de cotas de fundos de investimento, parte relevante da atuação das distribuidoras de produtos de investimento.

 

189. Conforme a instrução conduzida pela SG, possuir uma ampla rede de AAIs é algo relevante para atuar nesse mercado. Segundo o Parecer da SG:

 

[ACESSO RESTRITO]

 

190. Portanto, há evidências de que possuir uma rede de AAIs é, de fato, um componente relevante para entrar e atuar no mercado de distribuição de produtos de investimento.

 

191. Segundo a própria XP, no Brasil haveria atualmente cerca de 5 mil agentes autônomos, dos quais aproximadamente 40% estão vinculados à XP (1.970 agentes), por meio de uma rede de 550 escritórios no país. Esses agentes foram responsáveis pela captação de aproximadamente 61% dos recursos totais aplicados via plataforma XP no primeiro trimestre de 2017. Em 2016 esse percentual foi superior a 70%, o que indica a relevância desses profissionais para a atividade.

 

192. Percebe-se que a Instrução nº 497 da CVM exige exclusividade em certas relações envolvendo AAIs. Conforme se depreende do relatório da audiência pública a que foi submetida a minuta da referida Instrução, a CVM considerou outras razões de interesse público para impor exclusividade aos AAIs. A principal razão foi facilitar a fiscalização da atuação desses agentes e a responsabilização de eventuais condutas ilícitas[10], de modo que não incumbe ao CADE emitir juízo de valor a respeito da exclusividade exigida pelas normas regulamentares da CVM.

 

193. Além disso, também se verifica, de acordo com a instrução empreendida pela SG, acordos de exclusividade entre a XP e AAIs em situações não exigidas pela Instrução da CVM, nomeadamente na distribuição de cotas de fundos. Essa exigência de exclusividade por parte da XP dificultaria a atuação de plataformas concorrentes. Segundo a Associação Brasileira de Agentes Autônomos – ABAAI, oficiada pelo Gabinete a se manifestar a respeito da presente Operação (SEI nº 0449658):

 

“Pelas regras regulatórias atuais da CVM, um AAI só pode ter contrato de operação no mercado de renda variável com uma única instituição intermediária. Porém, a distribuição de cotas de Fundos de Investimento não é objeto de exclusividade, de acordo com a Instrução CVM nº 497. O que se espera, portanto, é que após a Operação entre a XP Investimentos e o Grupo Itaú, a exclusividade na contratação do AAI seja exigida de maneira estrita, ou seja, somente nos limites impostos pela regulamentação aplicável. A exemplo de situações que se pretende evitar, pode-se citar a imposição de exclusividade para todo e qualquer produto distribuído, o tratamento diferenciado entre AAIs que sejam exclusivos ou não exclusivos, ou a criação de barreiras para a contratação de AAIs já vinculados a outras instituições” (Grifos do voto).

 

194. Dessa forma, a relevância de uma rede de AAIs e a exclusividade entre instituição distribuidora e esses agentes, seja decorrente de imposição regulatória da CVM, seja decorrente de acordo de exclusividade, representam barreiras à entrada de concorrentes no mercado de distribuição de produtos de investimento.

 

2.4.2.6. Conclusões sobre as condições de entrada

 

195. Em conclusão, entende-se que existem, de fato, barreiras à entrada nos mercados de corretagem de valores e de distribuição de produtos de investimento.

 

196. Incialmente, os efeitos de rede indiretos presentes no mercado de distribuição de produtos de investimento, quando operado por meio de plataforma aberta, são consideráveis, em que pese a facilidade de multihoming no lado dos demandantes/investidores.

 

197. Sob o ponto de vista regulatório, a exigência de autorização por parte do Banco Central e da CVM e os requisitos para a obtenção do registro são elementos que depõem contra a tempestividade da entrada. As evidências empíricas, destacadas pela SG, também apontam nesse sentido.

 

198. Em relação às economias de escala, nos mercados analisados, são necessários investimentos iniciais significativos em infraestrutura, garantia de capital, investimentos em TI, publicidade e mídia – custos considerados fixos. Além disso, a comparação entre o percentual da receita líquida gasto com publicidade e tecnologia da informação (TI) em 2017 por parte da XP e dos outros concorrentes corrobora a conclusão de que há, nesses mercados, significativos ganhos de escala, funcionando como barreiras à entrada.

 

199. Ademais, a impossibilidade de multihoming por parte dos ofertantes de produtos de investimento também pode gerar dificuldade de acesso a insumos e, portanto, tem o potencial de configurar barreira a novos entrantes.

 

200. Por fim, a relevância de uma rede de AAIs e a exclusividade imposta a esses agentes também representam barreiras à entrada no mercado de distribuição de produtos de investimento.

 

2.4.2. Rivalidade no setor financeiro brasileiro

 

201. Nos casos Bradesco/HSBC[11] e o Itaú/Citibank[12], o CADE se dedicou à análise, com elevado grau de profundidade, do segmento de prestação de serviços financeiros no Brasil.

 

202. Constatou-se que o spread bancário no Brasil é um dos mais elevados do mundo. Nas palavras do Parecer da SG no caso Itaú/Citibank:

 

“O spread bancário brasileiro é um dos mais altos do mundo. Segundo dados do Banco Mundial, o país, em 2015, ficou na terceira posição no ranking mundial de spread, em um comparativo entre mais de cem países. Com um spread de 31,3% ao ano, o país ficou atrás apenas de Madagascar, que apresentou um spread de 45,0% e Malawi, com spread de 32,8%. Contudo, os PIBs desses dois países somados representam menos de 1,7% do PIB Brasileiro. Em relação a países economicamente similares ao Brasil, como os demais membros do BRICS, Rússia ficou em 61º lugar, com um spread de 6,52%; África do Sul em 101º, com spread de 3,26%; e China, com spread de 2,85%, ficou em 106º”[13].

 

203. Além disso, verifica-se que a qualidade dos serviços prestados também é baixa, na percepção dos consumidores. Segundo o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (“Sindec”), os assuntos “banco comercial” e “cartões de crédito” ficaram em segundo lugar na lista de reclamações dos Programas de Proteção e Defesa do Consumidor (“Procon”) em 2015, perdendo apenas para telefonia celular. Ainda, de acordo com o ranking de reclamação no Banco Central, os bancos com maiores índices de reclamação são aqueles com maior participação de mercado, sendo importante ressaltar que o referido índice é ponderado pelo número de clientes de cada instituição.

 

204. Ademais, além de elevado spread e baixa qualidade, o setor se caracteriza pela dificuldade de portabilidade entre diferentes instituições financeiras. Como mencionado pelo ex-Conselheiro César Mattos em seu voto no Ato de Concentração nº 08012.011736/2008-41, em função dos altos custos de transação, é alta a tendência de o cliente evitar trocar de banco:

 

“Fechamento da conta corrente no banco de origem e abertura de nova conta em outra instituição, procedimentos burocráticos necessários para a troca, cancelamento dos cartões antigos e aquisição de novos cartões, negociação de financiamentos em andamentos na instituição de origem, alteração das contas eventualmente incluídas em débito automático, memorização de novas senhas de acessos aos terminais remotos e ao internet banking, aprendizados das rotinas de funcionamento de outro banco, etc, influenciam a decisão de trocar de banco e contribuem para aumentar a fidelização ao banco de origem.”

 

205. Por fim, como já mencionado neste voto, no julgamento do caso HSBC/Bradesco, este Tribunal constatou a elevada concentração do setor no Brasil. Com base em dados do Banco Mundial e do Bankscope, concluiu-se que o Brasil é, de fato, um outliner e encontra-se próximo ao topo do ranking de concentração bancária quando comparado a países, de certa forma, semelhantes. De acordo com o Guia H, esses fatores, em especial a elevada margem de lucro (spread) e o alto grau de concentração, indicam baixa rivalidade no setor.

 

206. No entanto, como demonstrado pela SG, o surgimento de fintechs tem contestado, de forma disruptiva, o modelo tradicional de prestação de serviços financeiros no Brasil. Fintechs são empresas disruptivas (start-ups), muitas vezes utilizando-se de modelos de plataforma, que atuam no setor financeiro. O termo deriva da junção das expressões “finanças” e “tecnologia”.

 

207. Sobre o surgimento das fintechs, o relatório “Beyond Fintech: How the Successes and Failures of New Entrants Are Reshaping the Financial System”, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial em colaboração com a consultoria Deloitte, em agosto de 2017, afirma que:

 

“Fintechs estão agora estabelecendo o nível de expectativas que os clientes têm em relação aos bancos. Como surgimento de modelos bancários de plataforma, os bancos estão tentando evoluir, mas são ancorados por sistemas legados. No entanto, embora as fintechs possam oferecer experiências digitais superiores, os consumidores ainda relutam em se afastar dos bancos estabelecidos em direção aos bancos online.”[14]

 

208. Instituições financeiras tradicionais podem sofrer pressão competitiva das fintechs, o que melhora a rivalidade no setor financeiro. Nesse sentido, como já afirmado na seção dedicada às empresas mavericks, a autoridade da concorrência deve sempre estar atenta a tentativas de aquisição, por parte de incumbentes, de fintechs que desempenham função de maverick.

 

209. No caso em foco, o mercado que mais gera preocupações concorrenciais é o de distribuição de produtos de investimento. Para o lado dos demandantes de produtos de investimento, o principal problema concorrencial é o arrefecimento da concorrência feita pela XP aos bancos tradicionais, como o Itaú. Essa concorrência decorre, especialmente, em razão do novo modelo de negócios introduzido pela XP.

 

210. Vale lembrar que, no lado dos demandantes, plataformas abertas concorrem com bancos tradicionais. No entanto, caso ocorra o arrefecimento da concorrência da XP, seria necessário, para garantir as condições de rivalidade, que outras plataformas abertas tivessem efetiva capacidade de atender o desvio de demanda da XP.

 

211. Dessa forma, apesar de que no lado dos demandantes as plataformas abertas concorrem com bancos tradicionais, eventual diminuição da concorrência por parte da XP – o que hoje é bastante presente no mercado – deveria ser contestada pela atuação de outras plataformas abertas.

 

212. No lado dos ofertantes de produtos de investimento, o mesmo se verifica. Nesse lado do mercado, as plataformas abertas não concorrem com bancos de estrutura fechada, conforme já explicado. Também nesse lado, a rivalidade dependeria da capacidade efetiva das outras plataformas em atender o desvio de demanda da XP, em caso de exercício de poder de mercado.

 

213. Ocorre que, como afirmado pela SG, essa capacidade é duvidosa. Isso porque, o mercado possui relevantes barreiras à entrada, sobretudo efeitos de rede e ganhos de escala. Além disso, não há, atualmente, nenhuma plataforma aberta com market share próximo ao da XP. Ademais, a contestação em um mercado de dois lados tende a ser mais difícil em razão de efeitos de rede indiretos.

 

214. Ainda, a reputação parece ser fator relevante para o consumidor brasileiro, conforme dados citados no Parecer da SG. Nesse sentido, a XP já sairia em vantagem por ser first mover nesse mercado. Vantagem essa sensivelmente incrementada em razão da credibilidade decorrente da associação com o Itaú, maior banco privado do Brasil.

 

215.  Isso posto, entende-se que a rivalidade existente no mercado de distribuição de produtos de investimento não é capaz de contestar eventual exercício de poder de mercado pela XP.

 

216. Com relação às obrigações de não-concorrência constantes na Operação, verifica-se que os documentos societários e contratuais constantes nos autos indicam a existência de cláusulas de não-concorrência em conformidade aos parâmetros usualmente aceitos pelo CADE, conforme atestado também pela SG.

 

2.5. Resumo dos problemas concorrenciais

 

217. O Ato de Concentração afeta 8 (oito) mercados relevantes distintos, todos com dimensão geográfica nacional, quais sejam: (i) corretagem de valores; (ii) gestão de recursos de terceiros; (iii) administração de recursos de terceiros; (iv) planos de previdência privada; (v) distribuição de produtos de investimentos para o varejo; (vi) seguros de vida; (vii) seguros habitacionais; e (viii) corretagem de seguros. Estas definições estão em linha com precedentes recentes do CADE e com as recomendações da SG.

 

218. Foram verificadas sobreposições horizontais em 5 (cinco) dos 8 (oito) mercados relevantes identificados: (i) corretagem de valores; (ii) gestão de recursos de terceiros; (iii) administração de recursos de terceiros; (iv) distribuição de produtos de investimentos para o varejo; e (v) corretagem de seguros. Apesar da existência de sobreposições horizontais, a análise empreendida demonstra que a Operação não é capaz de gerar preocupações concorrenciais com base nos índices tradicionais de concentração econômica, seja por tratarem de mercados não-concentrados (HHI inferior a 1500), seja por resultarem em ΔHHI inferior a 100 (no caso do mercado de produtos de investimentos para o varejo, em que pese se tratar de mercado moderadamente concentrado com HHI 1983).

 

219. Com relação às integrações verticais, a Operação provoca reforço em 5 (cinco) eixos: (i) reforço de integração entre a atividade de gestão de recursos de terceiros do Itaú e de distribuição de produtos de investimentos da XP; (ii) reforço de integração vertical entre a atividade de emissão de títulos bancários pelo Itaú e a de distribuição de produtos de investimentos pela XP; (iii) reforço de integração vertical entre a atividade de previdência privada do Itaú e a de distribuição de produtos de investimentos da XP; (iv) reforço de integração vertical entre as atividades de gestão de recursos de terceiros e administração de recursos de terceiros, exercidas por ambas as partes; e (v) reforço de integração vertical entre a atividade de seguros (vida e habitacional) do Itaú e a de corretagem de seguros da XP.

 

220. A este respeito, verificou-se que somente as integrações verticais relacionadas ao mercado de distribuição de produtos de investimento apresentariam problemas concorrenciais, em razão da posição dominante da XP como plataforma aberta de distribuição. Em particular, destacam-se: (i) possível discriminação de plataformas concorrentes da XP, pelo Itaú, no fornecimento de seus produtos de investimento; (ii) possível direcionamento, pelo Itaú, de seus clientes à XP, reforçando sua posição de dominância entre plataformas abertas; e (iii) possível discriminação, por parte da XP, de ofertantes de produtos de investimento concorrentes do Itaú.

 

221. Além das preocupações decorrentes de uma análise tradicional, fundada em presunções a partir de índices de concentração econômica, a Operação apresenta particularidades que merecem reflexão pelo risco de problemas concorrenciais adicionais. Isso porque a mera participação de mercado de um concorrente pode ser insuficiente para projetar a dinâmica competitiva do setor e, portanto, a própria capacidade competitiva de seus players. Destaca-se que o Guia H do CADE estabelece que a metodologia baseada em market share e HHI deve ser flexibilizada quando uma das partes for maverick, entrante potencial ou apresentar estratégia disruptiva.

 

222. Em realidade, verifica-se que a XP foi pioneira no movimento disruptivo que o setor financeiro experimenta atualmente, chamado de “desbancarização”. O termo indica o surgimento de novos concorrentes em mercados nos quais, tradicionalmente, apenas bancos atuavam. A XP tem crescido por meio da conquista de clientes dos bancos tradicionais, provocando evasão de grandes quantias antes aplicadas nessas instituições, cujos clientes migraram para a XP em razão de sua plataforma aberta de distribuição de diversificados produtos financeiros. De fato, a XP foi pioneira (first mover) nesse novo modelo de negócios e tem exercido importante papel de rivalidade no setor, com impactos importantes de qualidade e preço aos consumidores neste segmento do mercado. Nesse sentido, a análise da SG entendeu que a XP desempenha função de empresa maverick, de modo que se justificaria uma análise concorrencial cuidadosa por parte do CADE, pois a XP é a principal plataforma aberta do país, apresentando taxas menores que os bancos tradicionais na maioria dos serviços ofertados.

 

223. A despeito da discussão conceitual sobre maverick, reconhece-se neste voto que a XP produz efeitos importantes para a dinâmica concorrencial do mercado, de modo que se assemelha ao papel desempenhado por empresas mavericks como justificativa à continuidade de análises concorrenciais desses mercados. O núcleo central dessa justificativa reside na existência de determinado agente econômico independente, cuja presença é capaz de disciplinar os preços de empresas com maior market share – o que é justamente o caso da XP, em particular no mercado de distribuição de produtos de investimentos.

 

224. Em que pese a XP ter sido pioneira no mercado de distribuição de produtos de investimentos via plataformas abertas, destaca-se que os elementos constantes nos autos sugerem que esse modelo disruptivo está sendo replicado por outros agentes econômicos, tais como Planner, Genial, Easynvest, Guide e Órama, de modo que os percentuais de market-share das plataformas abertas estão em constante evolução. A tabela abaixo é ilustrativa nesse sentido, com novos players assumindo posições de destaque com apenas poucos anos de atuação:

 

[ACESSO RESTRITO]

 

225. A título de exemplo, veja-se que a Genial entrou nesse mercado em 2016 e possui market-share de [ACESSO RESTRITO]. De modo similar, a Easynvest atua nesse mercado desde 2014 e tem market-share de  [ACESSO RESTRITO]. Em outras palavras e com valores agregados, percebe-se que novas entrantes obtiveram parcela de aproximadamente 20% de market share, em período relativamente curto (de apenas 2-3 anos). Isso significa que players maiores desse mercado, como a XP, tiveram importante parcela de mercado reduzida nos últimos três anos. Destaca-se que há apenas 8 anos atrás a XP detinha 100% do market share da tabela acima, pois foi pioneira na distribuição por plataformas abertas no país, com início em 2010. Atualmente, o Grupo XP detém market-share de [ACESSO RESTRITO], dos quais aproximadamente [ACESSO RESTRITO] correspondem à plataforma Rico (cf. SEI nº 0364419). Ou seja, a XP sem a Rico continuaria líder isolada nesse segmento [ACESSO RESTRITO].

 

226. Também é interessante notar que a Ágora, quinta colocada na tabela, foi adquirida pelo Bradesco em 2008, o que poderia levantar questionamentos sobre semelhanças com a presente Operação e sobre um possível movimento dos bancos tradicionais no sentido de adquirir plataformas abertas e, consequentemente, “rebancarizar” o setor. Entretanto, há relevantes diferenças que devem ser pontuadas. Inicialmente, a aquisição ocorreu em 2008, antes do surgimento do modelo de plataforma abertas, introduzido no Brasil em 2010 pela XP. Além disso, tratou-se da aquisição de controle societário, diferentemente da presente Operação. Ainda assim, com o intuito de analisar eventuais efeitos da aquisição da Ágora pelo Bradesco sobre os preços, a Ágora foi oficiada pelo Gabinete para apresentação da evolução, desde 2007, das principais taxas cobradas por uma corretora: taxa de corretagem, taxa de custódia e taxa de TED (SEI nº 0446559). A resposta demonstrou que essas taxas permaneceram inalteradas após a aquisição pelo Bradesco, descartando eventual correlação entre a aquisição e um aumento de preços (SEI nº 0451371).

 

227. De qualquer forma, as transformações na dinâmica concorrencial, provocadas pelo novo modelo de negócios iniciado pela XP no Brasil, merecem atento acompanhamento por parte do CADE. Eventuais intervenções estatais devem ser consideradas com cautela, pois o mercado está em atual e constante transformação.

 

228. Outra particularidade da Operação que merece atenção especial se refere às suas características de plataforma de dois lados, que tem impactos na análise concorrencial. O mercado de distribuição de produtos de investimento, no modelo de plataforma aberta, introduzido no Brasil pela XP, é um mercado de dois lados, pois nele interagem dois tipos diferentes de consumidores: (i) investidores, que buscam produtos de investimento; e (ii) ofertantes de produtos de investimento, que buscam atrair investidores. De um lado, os investidores (demandantes de produtos de investimento) tendem a atribuir maior valor à plataforma à medida em que aumenta o número de ofertantes de produtos de investimento na referida plataforma. De outro lado da plataforma, os ofertantes de produtos de investimento também tendem a considerar a plataforma mais atrativa quanto maior for a quantidade de investidores a ela vinculados.

 

229. Dito isso, verifica-se, em uma primeira análise com base na teoria clássica dos mercados de dois lados, que um entrante dificilmente conseguiria oferecer uma plataforma mais atrativa do que a XP, dominante no mercado. Para os ofertantes de produtos de investimento, a XP seria mais vantajosa, já que que possui mais investidores. Para os investidores, ela seria mais valiosa por apresentar uma grande variedade de produtos de investimento. No entanto, um fator capaz de mitigar sensivelmente os efeitos negativos à concorrência dos efeitos de rede é a possibilidade de multihoming – atuação simultânea de consumidores e ofertantes junto a várias plataformas. Caso não haja restrições para demandantes e ofertantes em aderir a múltiplas plataformas, menor é a possibilidade de o agente dominante exercer poder de mercado sem que haja perda de equilíbrio na plataforma.

 

230. No mercado de distribuição de produtos de investimento há facilidade de multihoming no lado dos demandantes (investidores), pois o investidor pode abrir contas em várias distribuidoras ou corretoras simultaneamente. Esse processo, de fato, está se tornando cada vez mais simples em razão da abertura de contas pela internet, sem necessidade de atendimento presencial. Ou seja, atualmente, diversos investidores podem estar conectados a mais de uma plataforma, sendo razoável supor que esses investidores tenham optado por permanecer na XP (como first-mover no mercado) e experimentar uma ou outra plataforma, de forma a comparar a qualidade de serviços e preços.

 

231. No entanto, há riscos de que a XP possa dificultar o multihoming no lado dos ofertantes, por meio de exigência de exclusividade, o que poderia gerar discriminação ou mesmo fechamento de mercado. Em suma, em que pese a possibilidade de multihoming que mitiga preocupações de um dos lados da plataforma, verifica-se que a existência de efeitos de rede configura uma barreira à entrada no mercado analisado. Soma-se a isso o fato da XP ser dominante no mercado e poder incrementar sua reputação, que foi confirmado como importante ativo do setor, com a associação da sua plataforma à marca Itaú, maior banco privado do Brasil.

 

232. Feitas essas considerações sobre a análise concorrencial, segue abaixo um resumo os problemas concorrenciais identificados pelo CADE e que devem ser satisfatoriamente mitigados para que a Operação seja aprovada. Esses problemas podem ser divididos em 6 (seis) eixos centrais, sendo que 2 (dois) deles se referem ao eventual abuso de poder de mercado por parte do Itaú, os quais foram adicionados, de forma complementar ao diagnóstico da SG, como modo a atender preocupações manifestadas pelo Tribunal.

 

2.5.1. Arrefecimento da pressão competitiva exercida pela XP

 

233. Um dos principais riscos concorrenciais é o arrefecimento da pressão competitiva imposta pela XP no mercado de corretagem e distribuição de produtos de investimento. A análise do caso comprovou que a pressão competitiva gerada pela XP nesse mercado traz importantes benefícios aos consumidores, de modo que eventual tentativa do Itaú de frear esse processo competitivo – por exemplo, por meio da tomada de controle da XP, que ainda produz efeitos de empresa maverick no mercado – deve ser analisada com cautela pelo CADE.

 

2.5.2. Exigência de exclusividade, por parte da XP, dos ofertantes de produtos de investimento, de forma a dificultar o acesso de outras plataformas abertas a insumos

 

234. Em segundo lugar, eventual exigência, por parte da XP, de exclusividade em relação aos ofertantes de produtos de investimento que utilizam a plataforma XP poderia criar dificuldades para plataformas concorrentes. Seriam criadas barreiras à entrada em razão da limitação de multihoming no lado dos ofertantes de produtos de investimento. Dessa forma, a exclusividade, de fato ou de direito, poderia limitar o acesso de outras plataformas concorrentes a insumos (produtos de investimento) necessários à oferta de um portfólio variado para os consumidores/investidores.

 

2.5.3. Exigência de exclusividade, por parte da XP, de Agentes Autônomos de Investimento (AAIs), dificultando o acesso de outras plataformas a rede de distribuição

 

235. Além disso, a exigência de exclusividade, pela XP, em relação aos Agentes Autônomos de Investimento (AAIs), pode dificultar o acesso de plataformas concorrentes a um importante canal de distribuição. Conforme destacado na seção relativa às barreiras à entrada, possuir uma rede de AAIs é relevante para a atuação das distribuidoras de produtos de investimento. Segundo a própria XP, no Brasil haveria hoje cerca de 5 mil agentes autônomos, dos quais aproximadamente 40% estão vinculados à XP (1.970 agentes), por meio de uma rede de 550 escritórios no país. A este respeito, sabe-se que a Instrução nº 497 da CVM impõe a exclusividade desses agentes a uma instituição de distribuição. No entanto, essa norma regulamentar não impõe exclusividade para a distribuição de cotas de fundos de investimento, produto relevante para o mercado de distribuição de produtos de investimento.

 

2.5.4. Discriminação, por parte da XP, de bancos emissores de produtos de investimento (concorrentes do Itaú), de forma a prejudicar esses bancos e beneficiar o Itaú, gerando o fechamento do mercado à montante

 

236. Ainda, um quarto eventual risco concorrencial decorrente da presente Operação é a possível discriminação por parte da XP de ofertantes de produtos de investimento de forma a beneficiar o Itaú. Isso porque a plataforma da XP é um canal relevante de distribuição, em especial para bancos emissores menores e gestores de fundos de investimento. Dessa forma, eventual recusa ou discriminação da XP em relação a esses agentes poderia prejudicar a concorrência nesses mercados, beneficiando o Itaú.

 

2.5.5. Discriminação, por parte do Itaú, de plataformas abertas de distribuição de produtos de investimento concorrentes da XP, caso decida, futuramente, distribuir seus produtos via XP

 

237. Por fim, com relação ao Itaú, este poderia ter incentivos a potencializar o poder de mercado já existente da XP, pois passará a deter 75% do seu capital (e, portanto, do lucro da XP). Nesse sentido, poderia discriminar plataformas concorrentes da XP, em particular caso decida passar a distribuir seus produtos de investimento por meio de plataformas abertas, pois poderia oferecer condições mais benéficas à XP, discriminando eventuais plataformas concorrentes que desejassem distribuir produtos de investimento do Itaú.

 

2.5.6. Direcionamento, por parte do Itaú, de seus clientes para a XP, potencializando a já existente posição dominante da XP entre plataformas abertas

 

238. A segunda hipótese de atuação do Itaú seria um eventual direcionamento dos clientes do Itaú para a plataforma XP, de modo a fortalecer o poder de mercado dessa plataforma. Nessa hipótese, o Itaú, antevendo uma inevitável migração dos clientes para o modelo de plataformas abertas, poderia direcionar seus próprios clientes – atuais correntistas, por exemplo – para a XP, já que participará de forma substancial de seu capital social (e lucros).

 

239. Em suma, os problemas concorrenciais estão em geral relacionados a aspectos verticais da Operação, sobretudo de risco de discriminação ou de fechamento de mercado.

 

3. Mitigadores dos problemas concorrenciais

 

240. Feita a análise concorrencial da Operação e identificados os problemas concorrenciais dela decorrentes, passa-se ao exame de fatores capazes de mitigar de modo satisfatório essas preocupações. As Requerentes sustentam que as preocupações restam mitigadas, seja pela própria estruturação da Operação, seja pela minuta de Acordo em Controle de Concentrações (ACC) proposta ao CADE.

 

3.1. Estruturação da Operação

 

241. O Contrato firmado entre Itaú e XP pode ser dividido em 2 (duas) grandes etapas, sendo que a primeira etapa se refere ao presente Ato de Concentração analisado pelo CADE, em que o Itaú, ao final de três sucessivas aquisições, adquirirá 49,9% do capital votante da XP e 74,9% do capital social total da XP.[15] Com isso, o Itaú passa a integrar o capital social da XP, mas o controle societário permanece com os atuais controladores da XP (XP Controle). Destaca-se que, no contexto das relações entre acionistas, as expressões maioria e minoria não dizem respeito à maior ou menor participação no capital social, mas sim à maior ou menor influência na condução dos negócios da sociedade.[16]

 

242. A segunda etapa do Contrato se refere à fase posterior à presente Operação analisada, quando haverá um período em que XP e Itaú poderão exercer opções de venda (put) e compra (call), respectivamente, o que implicaria na aquisição do controle societário. De acordo com as regras contratuais, (i) a partir de 2024, a XP poderá exercer seu direito de venda da totalidade de sua participação no capital social da XP ao Itaú; e (ii) a partir de 2033, o Itaú poderá exercer seu direito de compra da totalidade da participação detida pela XP Controle no capital social da XP. Essas hipóteses são incertas, pois dependem de eventual exercício de direito de venda ou compra, não sendo objeto da análise feita pelo CADE no presente Ato de Concentração. Em outras palavras, ocorrendo a aquisição do controle da XP pelo Itaú, inclusive nas situações extraordinárias previstas no Acordo de Acionistas firmado (SEI nº 0364412), tal operação estará sujeita a nova notificação ao CADE e, portanto, nova análise concorrencial – quando e se ocorrer.

 

243. Dito isto, o Ato de Concentração ora analisado pelo CADE trata tão somente da aquisição de participação minoritária por parte do Itaú no capital votante da XP. E, diante deste contexto, verifica-se que a estrutura societária e contratual da Operação mitiga parte dos problemas concorrenciais identificados de duas formas: (i) limitando o poder de influência do Itaú na gestão da XP; e (ii) mantendo os incentivos à concorrência para os controladores da XP.

 

3.1.1. Limitação dos poderes do Itaú na gestão da XP

 

244. A limitação dos poderes de influência do Itaú sobre a gestão da XP é reforçada por obrigações constantes no Acordo de Acionistas (SEI nº 0364412).

 

245. A este respeito, verifica-se que o Conselho de Administração da XP terá maioria formada por membros indicados pela XP Controle, conforme consta na Cláusula 7.1 do Acordo:  o C.A. será formado por 7 membros, tendo o Itaú o direito de indicar 2, a XP Controle 4 e o sócio FIP GA 1. O Itaú poderá assumir o direito de indicar 1 membro adicional, no lugar do FIP GA. As informações societárias constam no Fato Relevante publicado pela companhia.

 

246. As deliberações do Conselho de Administração serão tomadas por maioria dos votos dos membros presentes, ressalvadas algumas hipóteses de veto. Assim sendo, a XP Controle continuará com autonomia para deliberar independentemente do posicionamento do Itaú, de modo que este não será capaz de impor decisões que vão de encontro aos interesses dos controladores.

 

247. As hipóteses de veto do Itaú estão listadas na Cláusula 6.4 e estão em geral relacionadas a decisões com impacto financeiro na Companhia. As disposições fazem sentido, pois o Itaú passará a deter parte importante do capital social, constituindo-se como principal acionista-investidor da XP após a Operação. Em outras palavras, as hipóteses de direito de veto do Itaú não apontam para situações que envolvam preocupação concorrencial.[17]

 

248. Com relação à Diretoria da XP, o Itaú terá direito de indicar o Diretor Financeiro nos seguintes termos: a partir do terceiro pagamento (em 2022), devendo ser escolhido pelo Conselho de Administração dentre uma lista de três nomes indicados pelo Itaú, nos termos da Cláusula 7.12.1 do Acordo de Acionistas.

 

249. O Itaú terá igualmente o direito de indicar a maioria dos membros do Comitê de Auditoria da XP, inclusive o Auditor Interno, conforme Cláusulas 7.15 e 7.17 do Acordo de Acionistas. No entanto, o Comitê de Auditoria e o Auditor Interno não possuem competências concorrencialmente relevantes.[18]

 

3.1.2. Incentivos da correlação entre futuras parcelas da Operação e êxito da XP

 

250. Além da limitação dos poderes do Itaú sobre a gestão da XP, a estrutura da Operação possui incentivos que mitigam a preocupação de eventual arrefecimento da pressão competitiva do XP sobre o mercado. Isso porque os valores a serem pagos aos controladores – nas segunda e terceira etapas da Operação – são múltiplos do lucro líquido da XP nos respectivos anos anteriores.[19]

 

251. De maneira semelhante, os valores a serem pagos pelo Itaú aos acionistas da XP em caso de eventual exercício do direito de venda/compra do controle da companhia também dependerão de resultados futuros da XP.[20]

 

252. Ao atrelar o valor futuro a ser pago pelo Itaú aos resultados apurados pela XP, cria-se um incentivo para que os controladores da XP busque atuação independente do Itaú, almejando o lucro, como qualquer empresa, sem sugerir um alinhamento com seu novo acionista. Qualquer tentativa que o Itaú empreenda no sentido de lhe favorecer, e que possa ter alguma repercussão negativa para os negócios da XP, dificilmente será adotada pelos controladores da companhia, já que tais práticas podem levar a uma redução do lucro e do valor de mercado da XP, reduzindo, portanto, o valor a ser pago pelo Itaú aos acionistas controladores em cada etapa de pagamento.

 

253. Com isso, entende-se que a preocupação #1 indicada acima, relativa ao risco de arrefecimento da pressão competitiva atualmente exercida pela XP no mercado, encontra-se suficientemente mitigada.

 

3.2. Acordo em Controle de Concentrações (ACC)

 

254. Além da estruturação da Operação, que garante a independência da XP e estabelece incentivos aos seus controladores à manutenção da concorrência, a proposta de Acordo em Controle de Concentrações (ACC) reforça a mitigação dos problemas concorrenciais identificados pelo CADE.

 

255. Em síntese, o ACC prevê compromissos por parte de ambas as Requerentes, XP e Itaú. Os compromissos assumidos pela XP Investimentos foram apresentados durante a fase de análise na SG e trazem obrigações que vedam a discriminação de concorrentes, reduzem eventuais barreiras à entrada no mercado de plataformas abertas e garantem a política de taxa zero já praticada no mercado. Além disso, de modo a atender preocupações adicionais do Tribunal, o Itaú assumiu compromissos de não-discriminação, assim como o não direcionamento de seus clientes para a XP. Por fim, o ACC prevê igualmente cláusulas relativas ao monitoramento das obrigações assumidas e correspondentes penalidades em caso de descumprimento.

 

256. Os principais compromissos assumidos pelas Requerentes no ACC serão detalhados a seguir.

 

3.2.1. Compromissos assumidos pela XP Investimentos

 

257. O ACC prevê compromissos que reforçam a obrigação legal de não-discriminação, ao vedar a discriminação, por parte da XP, de ofertantes de produtos de investimento (potenciais concorrentes do Itaú). Assim, resta mitigado eventual risco de discriminação, por parte da XP, de ofertantes de produtos de investimento de forma a beneficiar o Itaú. Isso porque a plataforma da XP é um canal relevante de distribuição, em especial para bancos emissores menores e gestores de fundos de investimento. Dessa forma, eventual recusa ou discriminação da XP em relação a esses agentes poderia prejudicar a concorrência nesses mercados, beneficiando o Itaú.

 

258. Apesar de inexistirem incentivos claros para os controladores da XP atuarem dessa maneira, em razão da própria estruturação da Operação vista anteriormente (parcelas dependem do êxito da XP, além do Itaú não deter poderes para impor estratégias comerciais), o ACC visa endereçar essa preocupação na Cláusula 2.2, vedando tal discriminação e prevendo mecanismos para facilitar o monitoramento e cumprimento desse remédio comportamental.

 

259. Assim, esse compromisso mitiga a preocupação #4, identificada em seção anterior do voto, qual seja: discriminação, por parte da XP, de bancos emissores de produtos de investimento (concorrentes do Itaú), de forma a prejudicar esses bancos e beneficiar o Itaú, gerando o fechamento do mercado à montante.

 

260. Além de obrigações de não-discriminação, o ACC endereça igualmente barreiras à entrada e ao desenvolvimento de concorrentes no mercado de plataformas abertas. Em especial, o ACC busca facilitar o acesso de plataformas concorrentes aos ofertantes de produtos de investimento (emissores bancários ou gestores de fundos de investimento) e a uma rede de Agentes Autônomos de Investimento, além de facilitar a portabilidade de custódia de produtos financeiros.

 

261. Todas essas obrigações visam a diminuir barreiras à entrada no mercado de plataformas abertas, onde a XP já é dominante e poderia ver essa posição reforçada em razão da associação com a marca “Itaú”. Dessa forma, buscam-se melhoras nas condições de entrada para que eventual exercício de poder de mercado pela XP possa ser contestado por entrada ou desenvolvimento de concorrentes.

 

262. Mais especificamente, o ACC proíbe a XP de exigir exclusividade, de fato ou de direito, em relação a ofertantes de produtos de investimento. Essa obrigação facilita o acesso de concorrentes a uma gama variada de ativos e facilita o multihoming no lado dos ofertantes, melhorando condições de entrada, nos termos da Cláusula 2.2.5 do ACC.

 

263. Com propósito semelhante, o ACC também veda a exigência de exclusividade e tempo mínimo de permanência, por parte da XP, em relação a Agentes Autônomos de Investimento (AAIs), nos termos da Cláusula 2.3. Essa obrigação pretende facilitar o acesso de concorrentes aos AAIs, que constituem relevante canal de distribuição nesse mercado. Note-se que a Instrução nº 497 de 03.06.2011 da CVM exige exclusividade dos AAIs, salvo para a distribuição de cotas de fundos de investimento, importante ativo oferecido pelas plataformas abertas. Desse modo, a vedação de exclusividade somente se aplica a cotas de fundos de investimento, em razão de imposição regulatória da CVM.[21]

 

264. Além da vedação de exclusividade com ofertantes de produtos de investimento e com AAIs, o ACC também prevê obrigações para facilitar a portabilidade do investidor, melhorando as condições de entrada e de multihoming no lado dos demandantes de produtos de investimento, conforme consta na Cláusula 2.4. do ACC.

 

265. Em suma, as vedações à exclusividade, por parte da XP, em relação a ofertantes de produtos de investimento e a AAIs, aliada à facilidade de portabilidade de custódia, oferecem condições mais favoráveis à entrada e ao desenvolvimento de concorrentes de modo a contestar eventual exercício de poder de mercado pela XP. Desse modo, as preocupações concorrenciais #2 e #3, indicadas acima, são igualmente suficientemente mitigadas, quais sejam: exigência de exclusividade, por parte da XP, dos ofertantes de produtos de investimento, de forma a dificultar o acesso de outras plataformas abertas a insumos; e exigência de exclusividade, por parte da XP, de Agentes Autônomos de Investimento (AAIs), dificultando o acesso de outras plataformas à rede de distribuição.

 

266. Por último, a XP também se compromete a manter sua política de taxa zero para custódia de renda fixa, bolsa, tesouro direito e TED, conforme a Cláusula 2.5. Isso ocorre como forma de garantir a permanência desses atuais benefícios existentes no mercado para os consumidores finais.

 

3.2.2. Compromissos assumidos pelo Itaú

 

267. Além da obrigação de não-discriminação assumida pela XP, o Itaú também se compromete a não discriminar plataformas concorrentes da XP, caso passe a distribuir seus produtos de investimento por meio de plataformas abertas. Apesar de o Itaú não distribuir atualmente seus produtos de investimento por meio de terceiros, pode passar a fazê-lo e eventual discriminação de plataformas concorrentes à XP poderia reforçar a posição dominante da XP entre plataformas abertas. Dessa forma, exige-se que o Itaú, na posição de maior banco privado do país, caso solicitado, distribua seus produtos de investimento por meio de plataformas abertas concorrentes à XP em condições não discriminatórias.

 

268. Para implementar e facilitar o monitoramento dessa obrigação, o ACC exige que o Itaú disponibilize em seu sítio eletrônico, sua política comercial contendo os critérios não-discriminatórios que serão utilizados na seleção das plataformas para distribuir seus produtos, além de um canal de denúncias disponível a qualquer plataforma que se entenda discriminada nos moldes existentes para a XP.

 

269. Esse compromisso visa endereçar a preocupação #5, que trata da possível discriminação, por parte do Itaú, de plataformas abertas de distribuição de produtos de investimento concorrentes da XP, caso decida, futuramente, distribuir seus produtos via XP.

 

270. Com objetivo semelhante, o ACC prevê também a vedação ao direcionamento de clientes, por parte do Itaú, para a XP. Desse modo, o Itaú se compromete a não adotar estratégias de direcionamento de seus clientes para a XP, de forma a prejudicar plataformas abertas concorrentes. Prima facie, poderia ser argumentado que o Itaú não possui incentivos para adotar essa estratégia, apesar de controlar parcela significativa do capital da XP, já que estaria perdendo seus próprios clientes. No entanto, é plausível a hipótese de que o Itaú, antevendo uma migração inevitável dos clientes para plataformas abertas (desbancarização), busque direcionar clientes do Itaú para a XP, onde ele terá participação de aproximadamente 75% dos lucros.

 

271. Nesse sentido, eventual estratégia do maior banco privado do país em direcionar seus clientes à XP poderia significar um reforço substancial à posição dominante da XP no mercado de plataformas abertas, de modo que tal obrigação foi proposta pelas Requerentes e mitiga igualmente a preocupação #6, no sentido de eventual direcionamento, por parte do Itaú, de seus clientes para a XP, potencializando a já existente posição dominante da XP entre plataformas abertas. Isso se relaciona com a preocupação de aumento de poder de mercado da XP.

 

272. Por fim, destaca-se que o ACC ainda prevê que as decisões relativas à contratação com ofertantes de produtos de investimento, incluindo questões relacionadas à inclusão ou exclusão de produtos na plataforma XP e às condições comerciais negociadas, serão tomadas exclusivamente pelos acionistas controladores da XP, devendo o Itaú se abster de intervir nessas decisões [ACESSO RESTRITO]. Essas obrigações buscam garantir, ainda mais, a independência da XP em decisões concorrencialmente relevantes, endereçando o risco de arrefecimento da competição exercida pela XP em relação aos bancos, reforçando a mitigação da preocupação #1 analisada anteriormente quando do exame da forma de estruturação da Operação.

 

3.2.3. Prazo, monitoramento e penalidades

 

273. O ACC terá vigência até 31.12.2022, com duração total de aproximadamente 5 (cinco) anos a partir da assinatura do Acordo.

 

274. O monitoramento do fiel cumprimento das obrigações assumidas pelas Requerentes no âmbito do ACC será reforçado por um Trustee, que terá acesso periódico às informações disponibilizadas pelas Requerentes.

 

275. Ademais, tanto a XP quanto o Itaú disponibilizarão um canal de denúncias gerido por terceiros para que eventuais agentes de mercado, sejam ofertantes de produtos de investimento, AAIs, plataforma concorrentes ou outros, possam denunciar possíveis descumprimentos das obrigações assumidas pelas Requerentes no ACC (Cláusulas 2.6 e 2.7.1.1). O Trustee de monitoramento terá acesso irrestrito às informações dos canais de denúncias para fins de ateste do cumprimento das obrigações.

 

276. Por fim, o ACC prevê também penalidades gerais e específicas, para hipóteses de eventual descumprimento das obrigações assumidas, em linha com a jurisprudência do CADE.

 

3.3. Resumo dos mitigadores dos problemas concorrenciais   

 

277. Com a estruturação da Operação e as obrigações assumidas pelas Requerentes no âmbito do ACC, entendo que os riscos concorrenciais decorrentes da Operação estão suficientemente mitigados.

 

278. Rememorando a análise concorrencial realizada, as sobreposições horizontais, segundo análise tradicional de market share e índice HHI não levantaram riscos concorrenciais. Apesar disso, optou-se por seguir a análise concorrencial nos mercados de corretagem de valores e distribuição de produtos de investimento, em razão da XP ainda provocar efeitos equiparáveis a de empresas mavericks nesses mercados.

 

279. A continuidade da análise empreendida apontou para problemas concorrenciais que podem ser divididos em 6 (seis) eixos, sendo o primeiro relativo a possível arrefecimento da pressão competitiva exercida pela XP e os demais relacionados a riscos de discriminação ou fechamento de mercado resultantes do reforço de integrações verticais entre XP e Itaú.

 

280. Com relação a possível arrefecimento da pressão competitiva exercida pelo XP, viu-se que a estrutura da Operação mitiga de maneira satisfatória essa preocupação. Isso porque o Itaú será acionista minoritário, sem deter influência suficiente na gestão da XP para alterar estratégias comerciais da companhia.  As hipóteses de veto conferidas ao Itaú não são preocupantes sob o ponto de vista concorrencial. Ademais, os valores a serem pagos pela Operação guardam relação com o sucesso da XP, pois estão atrelados ao lucro da XP no ano anterior. Esse elemento também gera incentivos para continuar concorrendo de forma acirrada no mercado.

 

281. Com relação ao eventual acesso do Itaú a informações concorrencialmente sensíveis da XP, verificou-se que esse fator poderia apenas afetar a concorrência do Itaú em relação à XP. Todavia, trata-se da competição exercida pela XP em relação aos bancos – e não desses em relação à XP – que tem provocado alterações significativas no setor de investimentos para o varejo no Brasil. Esse elemento foi destacado pela SG, que afirmou que “a intensidade da competição exercida pelos bancos entre si e em relação à XP dificilmente será alterada” (SEI nº 0425434).

 

282. Ademais, eventual alteração do comportamento do Itaú poderia trazer mais prejuízos que benefícios. Percebe-se, atualmente, um movimento dos bancos tradicionais no sentido de acompanhar a evolução trazida pelas plataformas abertas.[22] O próprio Itaú, pouco antes de anunciar a aquisição de participação na XP, havia lançado o Itaú 360 – plataforma destinada a clientes de alta renda com acesso a fundos de terceiros. No Banco do Brasil, a plataforma aberta está em fase de testes, enquanto o Bradesco já oferece fundos de terceiros para o segmento de alta renda. Ainda que tímidas e limitadas aos segmentos de renda elevada, tais reações mitigam o risco de uma mudança de postura por parte do Itaú, vez que tal comportamento possivelmente acarretaria perda de clientes não apenas para a própria XP, quanto para outros bancos, concorrentes diretos.

 

283. Afastado o possível arrefecimento da pressão competitiva exercida pela XP, resta analisar os demais problemas concorrenciais identificados pelo CADE, que se relacionam à integração vertical da atuação do Itaú nos mercados de gestão de recursos de terceiros, emissão de títulos bancários e planos de previdência privada com a atuação da XP no mercado de distribuição de produtos de investimento.

 

284. A esse respeito, ressalta-se que o modelo de negócios de plataforma aberta configura um mercado de dois lados. Apenas no lado dos demandantes, os bancos de estrutura fechada concorrem com as plataformas abertas. No lado dos ofertantes – onde as integrações verticais ocorrem –, os bancos não concorrem e, portanto, a XP concentra aproximadamente 50% do mercado, detendo clara posição dominante.

 

285. Dessa forma, a XP poderia adotar práticas exclusionárias nesse mercado, seja para beneficiar o Itaú, seja para prejudicar o desenvolvimento de seus próprios concorrentes. Entretanto, como já foi abordado, eventuais riscos concorrenciais são mitigados pela estruturação da Operação e pelo ACC.

 

286. De modo semelhante, eventuais riscos concorrenciais decorrentes de condutas do Itaú também foram mitigados pelo ACC. Em especial, o ACC veda a discriminação, por parte do Itaú, de plataformas concorrentes à XP, caso decida distribuir seus produtos de investimento por plataformas abertas e veda o direcionamento dos clientes Itaú para a XP, o que reforçaria a posição dominante já detida por essa empresa.

 

287. Por fim, as outras obrigações assumidas pelas Requerentes no âmbito do ACC fornecem elementos adicionais de conforto à autoridade concorrencial para concluir pela aprovação com restrições do presente Ato de Concentração.

 

288. Nesse contexto, destaca-se que 11 (onze) agentes do mercado foram oficiados pelo CADE a respeito da efetividade e suficiência dos remédios e 10 (dez) deram retorno positivo à Operação e eixos centrais do ACC. A título ilustrativo, citam-se as respostas de duas importantes concorrentes da XP: [ACESSO RESTRITO]. A opinião favorável dos concorrentes corrobora a conclusão de que as obrigações assumidas no âmbito do ACC são suficientes e efetivas para endereçar os problemas concorrenciais da Operação.

 

4. Cooperação com BACEN e CVM

 

289. Antes de passar ao dispositivo do voto, cumpre o registro de que a análise do caso contou com cooperação do CADE com o Banco Central do Brasil (BACEN) e a com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na esteira dos esforços empreendidos pela Presidência do CADE no sentido de reforçar laços institucionais, trazer maior eficiência para a máquina pública e maior efetividade na entrega jurisdicional prestada pelo CADE.

 

290. A cooperação entre o CADE e o BACEN teve início na fase de instrução da SG e continuou no âmbito do Tribunal. O diálogo interinstitucional ocorreu através de contatos entre as equipes técnicas do CADE e do BACEN, com troca de impressões sobre a Operação e preocupações quanto à consistência das análises e eventuais remédios, respeitados os limites e as atribuições de cada instituição. Trata-se do primeiro Ato de Concentração analisado após a assinatura do Memorando de Entendimentos entre CADE e BACEN, cujo objetivo central é a atuação coordenada entre ambas as instituições, com vistas à maior eficiência nas respectivas análises.

 

291. A cooperação entre o CADE e a CVM ocorreu no âmbito do Tribunal, de modo a buscar igualmente maior consistência da análise concorrencial e eventuais remédios. Destaca-se que a CVM cumpre papel relevante em parte da esfera de atuação das Requerentes, como se verifica, por exemplo, pelas normas regulamentares editadas pela CVM a respeito da atuação dos Agentes Autônomos de Investimento (AAI). No âmbito desta cooperação interinstitucional, pôde-se esclarecer a racionalidade da regulação desta atividade, inclusive quanto às regras de exclusividade derivadas de preocupações relacionadas à responsabilidade civil dos agentes atuantes no mercado de capitais do país.

 

5. Dispositivo

 

292.  Por todo o exposto, entende-se que os compromissos assumidos pelas Requerentes mitigam de maneira satisfatória as preocupações concorrenciais identificadas pelo CADE, razão pela qual voto pela aprovação do presente Ato de Concentração condicionada à celebração do ACC nos termos propostos pelas Requerentes.

 

É o voto.

Brasília, 14 de março de 2018

Paulo Burnier da Silveira

Conselheiro do CADE

 

[1] A XP Controle Participações S.A. (“XP Controle”) e a G.A. Brasil IV FIP, detêm, respectivamente, 42,19% e 42,87% das ações do capital social da XP Investimentos. Os Vendedores também incluem os Srs. Guilherme Dias Fernandes Benchimol, Julio Capua Ramos da Silva, Carlos Alberto Ferreira Filho, Gabriel Klas da Rocha Leal, Daniel Albernaz Lemos, Fabrício Cunha de Almeida, Pedro Henrique Cristoforo da Silveira e Frederico Arieta da Costa Ferreira (“Vendedores Pessoas Físicas”).

[2] Disponível em < https://www.ftc.gov/sites/default/files/attachments/merger-review/100819hmg.pdf>. Consulta realizada em 23.01.2018.

[3] ROCHET, Jean-Charles; TIROLE, Jean. Two-sided Markets: A Progress Report: 2005. Disponível em http://web.mit.edu/14.271/www/rochet_tirole.pdf

[4] KATZ, Michael L; SHAPIRO, Carl, Network Externalities, Competition, and Compatibility, The American Economic Review, v. 75, n. 3, p. 424–440, 1985, p. 424.

[5] A respeito da dinstinção entre efeitos de redes diretos e indiretos, cf. KATZ, Michael L; SHAPIRO, Carl, Systems Competition and Network Effects, The Journal of Economic Perspectives, v. 8, n. 2, p. 93–115, 1994.

[6] KATZ, Michael L; SHAPIRO, Carl, Network Externalities, Competition, and Compatibility, The American Economic Review, v. 75, n. 3, p. 424–440, 1985.

[7] LEMLEY, Mark A.; MCGOWAN, David, Legal Implications of Network Economic Effects, California Law Review, v. 86, n. 3, p. 479–611, 1998, p. 504.

[8] OECD. Market definition in multi-sided markets - Note by Sebastian Wismer & Arno Rasek. Hearing on Re-thinking the use of traditional antitrust enforcement tools in multi-sided markets. 15 de novembro de 2017.

[9] LEMLEY, Mark A.; MCGOWAN, David, Legal Implications of Network Economic Effects, California Law Review, v. 86, n. 3, p. 479–611, 1998, p. 504.

[10] CVM. Relatório da Audiência Pública SDM 03/10. Disponível em http://www.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2010/sdm0310.html.

[11] AC nº 08700.010790/2015-41

[12] AC nº 08700.001642/2017-05

[13] Parecer SG 16/2017 (SEI nº 361338).

[14]Disponível em http://www3.weforum.org/docs/Beyond_Fintech_-_A_Pragmatic_Assessment_of_Disruptive_Potential_in_Financial_Services.pdf

[15] Conforme mencionado no Relatório deste voto, a Operação ora notificada ocorre com três sucessivas aquisições: (i) Primeira Aquisição: inicialmente, o Itaú se tornará acionista minoritário da XP, com uma participação correspondente a 49,9% do capital social total e 30,1% do capital social votante;  (ii) Segunda Aquisição: em 2020, o Itaú adquirirá uma participação adicional de 12,5% da XP, que lhe assegurará 62,4% do capital social total e 40,0% do capital social votante; e (iii) Terceira Aquisição: em 2022, o Itaú adquirirá outro adicional de 12,5% da XP, que lhe assegurará 74,9% do capital social total e 49,9% do capital social votante.

[16] Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 304.

[17] Algumas hipóteses despertaram a atenção deste Gabinete, mas que foram esclarecidas nas reuniões com as Requerentes. Em especial, destaca-se a alínea “n” da mencionada Cláusula, por meio da qual o Itaú poderá vetar associações exclusivas entre a XP e parceiros de negócio. Embora tenha impacto concorrencial, entende-se que a possibilidade de veto detida pelo Itaú tem racionalidade econômica, no sentido que permite ao Itaú vetar, ainda que deliberado pela XP, a concessão de exclusividade ou compromissos de não-competição em relação a terceiros. Destaca-se também a alínea “p” da mesma Cláusula, através da qual o Itaú não poderá vetar alterações no ramo de atividade da XP quando implicar a entrada desta nas atividades de banco comercial, de investimento, câmbio e seguros, mercados em que o Itaú já atua e que, por meio da sociedade, poderia haver incentivos para que o Itaú vetasse a entrada da XP.

[18] As competências do Auditor interno são: [ACESSO RESTRITO].

[19] Segue mecanismo para definição do preço das parcelas, previsto no Acordo de Acionistas: [ACESSO RESTRITO].

[20] Nos termos da Cláusula 8.1. do Acordo de Acionistas: [ACESSO RESTRITO].

[21] [ACESSO RESTRITO]

[22] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/08/1911507-bancos-reagem-a-fuga-de-investidor-para-corretoras-com-novos-produtos.shtml.

 


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Documento assinado eletronicamente por Paulo Burnier da Silveira, Conselheiro(a), em 15/03/2018, às 17:43, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.004431/2017-16 SEI nº 0454445