ARTIGOS
Ideólogo ou testemunha?
Duas avaliações contemporâneas
da pessoa e da obra de Eusébio de Cesareia
Ideologist or witness? Two contemporary reviews
of the person and work of Eusebius of Caesarea
Alfredo BronzAto dA CostA Cruz*
Resumo: Eusébio foi bispo de Cesareia e realizou sua formação na biblioteca
aí fundada por Orígenes. Sua produção intelectual foi notável, estendendo-se a
campos muito diversos. Seu trabalho mais importante foi a História Eclesiástica,
na qual se dispôs a narrar a trajetória do cristianismo até o tempo de Constantino.
Nela praticou um gênero literário diverso dos relatos históricos precedentes.
Trata-se de igura ainda controversa, tanto por sua ambiguidade teológica
quanto por sua apologia do Império Cristão. O objetivo do presente trabalho
é tratar das avaliações sobre Eusébio presentes em dois textos contemporâneos.
O primeiro, de Eduardo Hoornaert, considera-o como um retórico que seria
essencialmente oposto à tradição profética do cristianismo. O segundo, do Papa
Bento XVI, toma-o como um estudioso que soube reconhecer os sinais do amor
de Deus na história.
Palavras-chave: Eusébio de Cesareia. Historiograia cristã. História da
Histograia. Teologias da História.
* Doutorando em História Política pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGH/UERJ). Mestre em História Social pelo Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGH/
UNIRIO, 2013). Bacharel e licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-Rio, 2009). E-mail: bccruz.alfredo@gmail.com
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IDEÓLOGO
OU TESTEMUNHA?
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AVALIAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA PESSOA E DA OBRA DE
EUSÉBIO
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Abstract: Eusebius was Bishop of Caesarea and held his studies in the library
founded by Origen. His intellectual work was notable, covering various ields of
knowledge. His most outstanding intellectual output was Church History, which
intended to relate the History of Christianity until the time of Constantine.
Eusebius place into practice a diverse genre of previous historical accounts. He is
still a controversial intellectual scholar, both for his theological ambiguity and for
his advocacy of the Christian Empire. he aim of this paper is to study the reviews
about Eusebius present in two contemporary texts. he irst one, by Eduardo
Hoornaert, considers him as a rhetorician that would be essentially the opposite
of prophetic tradition of Christianity. he other, by Pope Benedict XVI, considers
him as a scholar who knew how to recognize the signs of God’s love in history.
Keywords: Eusebius of Caesarea. Christian Historiography. History of
Historiography. heologies of History.
Com efeito, é duvidoso que algum outro historiador tenha tido
o impacto que este autor conseguiu sobre as gerações que o
sucederam. Os homens que o seguiram compartilhavam sua fé
na Igreja e isto criava um laço que nenhum historiador pagão
conseguiria estabelecer com seus seguidores cristãos e nem
com seus colegas pagãos (MOMIGLIANO, 2004, p. 195).
Histórias de Eusébio
Eusébio nasceu na Palestina em algum momento da década de 260.1
Realizou sua formação cultural na cidade de Cesareia Marítima, então importante centro regional, onde se localizava a célebre biblioteca que havia sido constituída a partir dos manuscritos de Orígenes, falecido talvez uma década antes de
seu nascimento. O mestre de Eusébio foi Pânilo, discípulo de Orígenes, responComo fonte de dados para a elaboração das primeiras duas seções do presente texto, utilizei
os comentários sobre Eusébio de Cesareia e sobre sua História Eclesiástica contido nos manuais
de patrologia de Quasten (1962), de Altaner e Stuiber (1988) e de Liébaert (2004); e consultei
os seguintes verbetes do Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs de Di Berardino (2002):
Ário – Arianismo, de M. Simonetti (p. 149-153); Cesareia da Palestina, de D. Stiernon e B.
Bagatti (p. 286-287); Constantino I, imperador, de M. Forlin Patrucco (p. 328-329); Dedicação,
concílio da, de C. Nardi (p. 386); Eusébio de Cesareia (Palestina), de C. Curti (p. 537-540);
Eusébio de Nicomédia, de Ch. Kannengiesser (p. 541-542); Historiograia cristã, de P. Siniscalco
(p. 688-691); Igreja e Império, de P. Siniscalco (p. 702-704); Niceia, de M. Forlin Patrucco e Ch.
Kanengiesser (p. 997-998); Orígenes, de H. Crouzel (p. 1045-1050); Pânilo de Cesareia, de H.
Crouzel (p. 1071); Sabélio – Sabelianos, de M. Simonetti (p. 1238-1239); e Tiro, de A. Di Berardino, M. Simonetti e B. Bagatti (p. 1367-1369).
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sável por restaurar e aumentar a biblioteca deste, munindo-a de uma oicina de
copistas. Eusébio colaborou com Pânilo nesta obra administrativa e na elaboração de uma Apologia de Orígenes, continuada na prisão, para onde Pânilo
foi levado em novembro de 307 por ocasião da perseguição promovida pelo
Imperador Maximino Daia. Executado Pânilo em fevereiro de 310, Eusébio
fez-se chamar ilho de Pânilo e concluiu a redação da Apologia na qual colaboravam; fugiu à prisão e à morte imediata refugiando-se em Tiro e, a partir daí,
na Tebaida, no deserto egípcio. Por ocasião do Edito de Tolerância de Galério,
em 311, pôde voltar à Palestina e retomar o trabalho na biblioteca de Orígenes.
Em 313 Eusébio foi feito bispo de Cesareia. Desde o início de seu episcopado, viu-se envolvido na controvérsia suscitada pelas opiniões do padre
Ario de Alexandria. Partindo da doutrina tradicional do cristianismo de sua
cidade, que considerava o Pai, o Filho e o Espírito Santo como realidades
individuais distintas entre si, embora participantes de uma mesma natureza
divina, Ario sustentava que o Filho, anterior à Criação e ao tempo, havia recebido seu ser do Pai, sendo criado em substância diversa da que constituiria o
Criador. Provavelmente esta ênfase subordinacionista pretendia se contrapor
tanto a certas concepções demasiado materialistas da geração do Filho pelo
Pai, suscitadas pelo contato do cristianismo com o repertório cultural do paganismo greco-latino, repleto de histórias de ilhos de deuses; quanto à doutrina
de Sabélio, que argumentava que um mesmo ente havia se manifestado como
Pai na Antiga Aliança, como Filho na Encarnação e como Espírito Santo na
Igreja, após a infusão de Pentecostes. Na contenda que se seguiu em reação
ao posicionamento público do padre alexandrino, Eusébio enileirou-se ao
lado de Ario, com quem se correspondeu e com quem compartilhava certo
pudor quanto a crer em uma divisão qualquer, real ou imaginada, no ser do
Criador. Recusando-se a aderir a uma fórmula que condenava a doutrina de
Ario, Eusébio, com Teódoto de Laodicéia e Narciso de Nerônias, foi temporariamente excomungado por um sínodo de bispos da Palestina, da Síria e da
Ásia Menor, reunido em Antioquia entre o im de 324 e o começo de 325. A
deinição da pendência foi remetida ao concílio ecumênico, que já havia sido
convocado pelo Imperador Constantino e que, devendo-se reunir inicialmente
na cidade de Ancira, foi depois transferido para Niceia.
Em Niceia, Eusébio teve a oportunidade de reabilitar-se, assinando a
condenação de Ario e participando da elaboração da fórmula de fé promulgada
pelos padres conciliares; segundo o próprio Eusébio, a base deste credo foi
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aquele então em uso na sua diocese de Cesareia. A atuação de Eusébio em
Niceia pareceu aos especialistas isenta de convicção íntima, devida mais à
intenção de corroborar o desejo expresso do Imperador Constantino, de quem
manifestou ser admirador e mesmo entusiasta. Constantino intentava que os
bispos chegassem a um termo rápido e conciliador diante da problemática
teológica então aberta, um termo que reairmasse a unidade da ecclesia, e
foi neste sentido que Eusébio interveio nesta reunião, mesmo à custa da
incoerência com as posições doutrinais que antes havia sustentado. Ario foi
declarado ímpio, banido para a Ilíria e teve suas obras condenadas às chamas;
aqueles que em cuja posse alguma delas fosse encontrada poderiam ser
condenados à morte.
Não obstante este desenrolar, o bispo de Cesareia continuou trabalhando
a favor de Ario e de seu partido depois do concílio. Colaborou com Eusébio
de Nicomédia, inluente protetor do heresiarca, politicamente importante por
sua proximidade com Constância, meia-irmã do Imperador. Os dois Eusébios manobraram a favor da deposição de bispos que defendiam de forma
mais intransigente a condenação do arianismo, como Atanásio de Alexandria, Marcelo de Ancira e Eustáquio de Antioquia, obtendo certo sucesso a
seu tempo. Obtiveram também a clemência imperial para o próprio Ario, que
pôde regressar do exílio que lhe tinha sido imposto, ainda que sem retornar à
Alexandria. Depois da condenação de Atanásio de Alexandria por um sínodo
reunido em Tiro e presidido por Eusébio de Cesareia, Ario foi reabilitado de
forma oicial. Os participantes do sínodo de Tiro transferiram-se para Jerusalém, para a consagração da Basílica do Santo Sepulcro, construída por
ordem de Constantino; aí foi lida uma carta em que o Imperador airmava
haver interrogado Ario pessoalmente e se certiicado da correção de sua fé,
carta na qual se incluía uma proissão supostamente subscrita pelo polêmico
sacerdote. Constantino exigiu que, num ato de reparação, Ario fosse solenemente admitido para a comunhão na recém-ediicada catedral de Constantinopla; antes que isso acontecesse, entretanto, Ario faleceu.
Eusébio de Cesareia enalteceu Constantino com discursos oiciais nas
comemorações do vigésimo e do trigésimo ano de sua ascensão ao trono imperial. Aparentemente de bom grado, reconheceu-lhe não apenas a legitimidade
do poder, mas um papel providencial no projeto divino de redenção do gênero
humano. Eusébio morreu pouco depois do imperador tão ardorosamente
defendido, talvez na aurora da década de 340.
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Para uma primeira – e militante – abordagem desta categoria de problemas cognitivos, ver
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A produção intelectual do bispo de Cesareia foi ainda mais interessante
do que sua interessante atuação no debate teológico e na política eclesiástica
daquele momento em que o cristianismo passava por sua decisiva virada constantiniana. Eusébio compôs obras nos mais variados campos de seu interesse,
abarcando a exegese do Antigo e do Novo Testamento, a ilologia, a geograia,
a apologética e a especulação dogmática. Sua obra mais importante é, sem
dúvida, a História Eclesiástica, composta por dez livros, nos quais narrou a
trajetória do movimento cristão desde a pregação dos apóstolos até a reunião
do Império Romano sob Constantino. Tendo sua redação iniciada talvez antes
de 303, parece certo aos especialistas que a História Eclesiástica de Eusébio
foi composta em diversas camadas, elaboradas e entretecidas em diferentes
momentos, e que conheceu acréscimos e reformulações até que encontrasse a
forma que chegou até nós.
Mais importante do que constatar que esta obra foi escrita e reescrita ao
movimento algo instável dos cenários sociopolíticos e eclesiais nos quais transitava Eusébio no primeiro quarto do quarto século depois de Cristo, entretanto, é reconhecer que, com esta História, o bispo de Cesareia realizou três
coisas notáveis. Em primeiro lugar, cunhou um novo gênero literário, distinto
tanto da historiograia greco-latina e das crônicas orientais, quanto da narrativa bíblica; gênero no qual conjugou a erudição bibliográica e documental
com um quadro geral, de origem teológica, para o arranjo e interpretação
dos acontecimentos (SINISCALCO, 2002a, p. 688; MOMIGLIANO, 2004, p.
195-197). Sem esta realização de Eusébio, teria sido impossível o surgimento
da historiograia moderna, marcada pela crítica documental e pelo cuidado
com a narrativa. (GRAFTON, 1998, p. 140; MOMIGLIANO, 2004, p. 198-199).
Em segundo lugar, resgatou do esquecimento uma série de personagens e fatos
dos primeiros séculos do cristianismo que – com todos os problemas cognitivos que isso implica – conhecemos apenas por sua narrativa. (CURTI, 2002,
p. 537; LIÉBAERT, 2004, p. 148-149).2
Em terceiro lugar, Eusébio elaborou ou conferiu sistematicidade a um
esquema compreensivo que considerava o Império Romano não como um
opositor necessário ao movimento surgido da pregação de Jesus de Nazaré; um
esquema que, introduzido na História Eclesiástica, o bispo de Cesareia viria a
desenvolver na sua Vida de Constantino. Levando adiante a vinculação entre
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o cristianismo e o mundo cultural que havia sido postulada pelos teólogos
alexandrinos do segundo e terceiro séculos, o bispo de Cesareia descobre na
relação entre o Pai e o Filho – concebida em termos subordinacionistas – um
arquétipo da relação entre Cristo e o Imperador, construindo uma analogia
entre a obra do Cristo que proclama o Reino do Pai e a ação do governante
piedoso que contribui para a expansão do Reino do Cristo na terra. Tudo
indica que Eusébio estava convencido de que o Império Romano Cristão era
uma imagem da sociedade cristã celeste, espelhando, portanto, a face da Igreja
peregrina; ou, por outro lado, que o Império, tornado reino de Cristo sobre
a terra, e o cristianismo, tornado uma Igreja cuja autoridade se sobrepunha
ao ecúmeno, constituíam uma unidade substancial – ainda que esta comportasse uma certa divisão de inalidades e, consequentemente, de tarefas (SINISCALCO, 2002b, p. 703-704).
O nome do pai
De Eusébio aos nossos dias, por quase dezessete séculos, estende-se um
longo cortejo de continuadores, intérpretes, tradutores, comentadores e imitadores. Cite-se o exemplo da recepção de sua História Eclesiástica, que, em todo
caso, é o mais importante. Gelásio, falecido em 395, sucessor de Eusébio na Sé
de Cesareia, continuou também sua obra historiográica. Conhecemos agora
uma versão siríaca deste texto, feita provavelmente ainda no século IV, que
serviu de base a uma tradução armênia relativamente difundida até o adiantar
da Idade Média. Ruino de Aquileia traduziu a História de Eusébio para o
latim, continuando-a por sua própria conta até 403, ano em que realizou este
empreendimento; mais ainda, modiicou esta obra tanto com certas abreviações e sínteses, quanto com um conjunto de aditamentos retóricos.
Sócrates Escolástico e Sozômeno Salamínio retomam e ampliam o texto
de Eusébio de Cesareia no ambiente constantinopolitano do inal do século IV
e início do século V. De modo um pouco diverso, izeram o mesmo, na mesma
capital imperial, os prolixos Filipe de Side e Filostorgo de Constantinopla. Para
Momigliano, “Filipe de Side tentou uma via própria e evitou imitar Eusébio”
(MOMIGLIANO, 2004, p. 200), mas outros autores consultados, entretanto,
referem-se de forma unânime a Filipe de Side como tendo continuado e / ou
complementado a História Eclesiástica de Eusébio. Na segunda metade do século
V, Teodoreto de Ciro, Hesíquio de Jerusalém e Gelásio de Cízico escreveram
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(...) a forma eusebiana de historiograia eclesiástica foi abandonada no Ocidente
não por causa da falta de conhecimento a seu respeito, mas por causa de uma
procura instintiva de algo mais adequado às necessidades contemporâneas –
isto é, à criação de Estados nacionais e unidades locais. Ao mesmo tempo, o
abandono não foi completo, porque cada escritor se manteve iel às premissas
eusebianas da existência de uma Igreja universal e da necessidade de
testemunhos documentais. § Muito naturalmente, o padrão predominante de
história medieval eclesiástica é aquele que enfatiza os acontecimentos locais de
uma sé ou de um mosteiro particular. Os escritores pressupunham de início o
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histórias eclesiásticas que retomavam o texto de Eusébio de formas diversas,
mais no método, nas regras do jogo, do que nos pormenores ou nas posições
especíicas deste autor. Igualmente o izeram os miaisitas João Diacrinômeno
e Basílio de Cilícia; assim como Zacarias de Mitilene, inicialmente um defensor
da Natureza Única de Jesus Cristo, que depois aderiu à fórmula de fé promulgada no Concílio de Calcedônia, e que também compôs algumas hagiograias ao
modelo daquela Vida de Antão redigida por Atanásio de Alexandria.
Em meados do século VI, Teodoro, o Leitor, refundiu as obras de
Eusébio, de Sócrates e de Sozômeno, complementando-as até o ano de 527.
No inal desta centena de anos, Gregório de Tours o retomou em sua História
dos Francos como fonte informativa, ainda que tenha esboçado um retrato de
Constantino assassino de sua esposa e ilho, muito mais problemático do que
aquela santa imagem traçada por Eusébio. Evágrio Escolástico, leigo, que foi
advogado, questor imperial e prefeito de Antioquia, escreveu uma História
eclesiástica rigorosamente niceno-calcedonense, quanto à teologia, e eusebiana
quanto ao formato. Cobrindo em seis livros o período que vai de 341 a 594,
sua obra reveste-se de importância peculiar, por documentar, de forma cuidadosa, as controvérsias cristológicas que custaram o prestígio das antigas comunidades cristãs de Antioquia e Alexandria, no interior do império romano
cristão. Antes deles, Cassiodoro retomou e prosseguiu o trabalho de Ruino,
incentivando o monge Epifânio a traduzir para o latim uma série de histórias
eclesiásticas de origem oriental; sua História Tripartida, de doze livros, tornouse um dos mais importantes manuais do cristianismo latino no Medievo.
Eusébio permaneceu o historiógrafo canônico dos primeiros séculos do
cristianismo tanto no Oriente quanto no Ocidente, durante aquilo que depois
se convencionou chamar de Idade Média – ainda que sua obra tenha se tornado
cada vez mais ilegível no fragmentado mundo da oposição entre Império e
Papado e das disputas feudais. O caso é que, como assinala Momigliano,
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cristianismo e concentravam-se nas corporações individuais de acordo com a
tendência predominante da vida social (MOMIGLIANO, 2004, p. 206).
De toda forma, quando do alvorecer do Humanismo Renascentista, no
século XV, Lorenzo Valla retomou justamente a História Eclesiástica para lhe
apreender o método e a concepção providencial, embora tenha sobreposto,
de modo ambíguo e com resultados complexos, a difusão do cristianismo
à preservação das artes e das letras romanas diante das invasões bárbaras
(GINZBURG, 2002).
Quase duzentos anos depois do empreendimento de Valla, o jesuíta
alemão Athanasius Kircher, dotado de uma erudição e uma curiosidade que
hoje nos parecem quase assustadoras, fez publicar um volume ricamente ilustrado sobre as antiguidades sagradas e profanas da China. O livro abrangia
muitos assuntos, da religião comparada à geograia física; começava com um
ensaio histórico e uma gravura fac-similar de uma inscrição de um monumento
de pedra do século IX, encontrado em 1625 em um cemitério cristão no Sião.
A inscrição explicava em chinês e siríaco a teologia e a história dos cristãos
ditos nestorianos, que haviam se espalhado rumo à Ásia oriental a partir do
século V. Estudiosos protestantes airmaram que esta estela era pura invenção
dos jesuítas, o que mereceu uma réplica sistemática da parte de Kircher. O
padre jesuíta repetiu e analisou os relatos de seus confrades que haviam visto
e transcrito a inscrição funerária, enfatizando que eles haviam sido acompanhados neste empreendimento por colegas chineses. Documentou a descoberta, a cópia e a tradução deste texto da melhor maneira que lhe era possível,
mostrando interesse mais “em estabelecer os fatos do que em entretecê-los em
uma história eloquente” (GRAFTON, 1998, p. 133).3 Procedendo desta forma,
Kircher enquadrava um documento novo, situado em um novo horizonte de
debates, no padrão da História Eclesiástica de Eusébio; assim, indiretamente,
dava testemunho da vitalidade e pertinência da obra do bispo de Cesareia.
Em seu monumental Declínio e queda do Império Romano, escrito nos
anos de 1776 a 1788, Edward Gibbon usou a História Eclesiástica de Eusébio de
Cesareia como fonte de informações, ainda que não tenha hesitado em colocar
a honestidade deste autor sob franca suspeita (GRAFTON, 1998, p. 140 e nota
correspondente, n. 23). Gibbon, que considerava Eusébio como sendo o mais
erudito dos prelados cristãos do século V (1998, p. 415), assinalou que o próprio
Sobre a posição e as interpretações da estela nestoriana nos estudos ocidentais sobre a história
chinesa, ver KEEVAK, 2008.
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autor da História Eclesiástica confessou, nessa sua obra magna, que relatou
apenas o que pudesse corroborar para a maior glória da religião cristã, suprimindo de maneira criteriosa tudo aquilo que pudesse lançar sobre ela uma
luz negativa. Este reconhecimento, feito de forma explícita, pareceu ao historiador iluminista um motivo muito considerável para colocar em suspeição
o trabalho de Eusébio – se não como um todo, ao menos em muitas de suas
partes mais signiicativas –, na medida em que ela violaria aquilo que considerava, no século XVIII, a mais fundamental das leis da escrita da história: o
dever de levar adequadamente em conta outras versões a respeito dos acontecimentos registrados. Para Gibbon, essa suspeita pareceu ainda mais grave
quando se considerava que Eusébio era um homem de caráter crédulo e, como
bispo, um proissional que dependia da credulidade das pessoas; também por
ser treinado nas artes retóricas das cortes eclesiásticas e civis, ao contrário de
outros historiadores seus contemporâneos (1998, p. 348).
Na estrutura da recepção de Eusébio por Gibbon, temos uma característica recorrente nas leituras da História Eclesiástica, nas quais se evidencia,
de fato, uma tensão permanente entre, de um lado, o reconhecimento de seu
papel fundador e a imitação de seu método e forma de construir a narrativa
histórica, e, de outro, a denúncia constante de seu suposto servilismo, credulidade e mesmo desonestidade. A circunstância de em seu relato se encontrar
virtualmente dissolvida a fronteira entre crença e fato (MATA, 2010, p. 35),
tão cara ao ocidente moderno (e talvez quase especíica dele), fez com que, na
metade do século XIX, Jacob Burckhardt visse em Eusébio o primeiro historiador totalmente desonesto da antiguidade; não apenas o relato sobre a visão
de Constantino às vésperas da batalha da Ponte Mílvia, mas a própria conversão
do imperador ao cristianismo, por exemplo, pareceram-lhe ter sido completamente inventadas pelo bispo de Cesareia (BURCKHARDT, 1996). Eusébio,
pai da historiograia da Igreja, foi também pintado como Eusébio mentiroso,
como Eusébio cortesão, como Eusébio impressionável, como Eusébio maquiavélico, no mais caricato sentido deste termo.
Esse juízo recorrente, de forma mais ou menos matizada, rarefeita, continua
a ressoar ainda bem perto de nós. Cite-se um caso a título de exemplo. Em dissertação de mestrado, que defendeu em 2012, no Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (agora
publicada por uma editora comercial), Jeferson Ramalho, apesar de registrar
que não tinha como uma preocupação de sua pesquisa “a historicidade ou não
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dos fatos”, mas antes “os resultados religiosos e políticos do discurso panegirista de Eusébio” (p. 101); apesar de reiterar que não estava preocupado no seu
trabalho “em resgatar um Constantino histórico, conforme fariam historiadores
positivistas”, questão que não lhe faria “qualquer diferença” (p. 144); argumentou
de forma bastante veemente que a imagem do primeiro imperador cristão, registrada pelo bispo de Cesareia, de fato, “tem mais a ver com as motivações do
autor” (p. 144) do que com uma observação conscienciosa dos acontecimentos
de seu tempo. Expressamente, permaneceu “trabalhando com a hipótese de
que o Constantino de Eusébio não corresponde a um Constantino da história”
(p. 144), fazendo uma distinção marcante entre o efetivamente acontecido e o
discurso elaborado a respeito – consideravelmente problemática, se interpelada
a partir de um referencial teórico como o de Dominick LaCapra (1988, p. 280),
que convida, de maneira bastante interessante, a borrar as fronteiras entre as
formas da linguagem e as formas da experiência humana no mundo. Ramalho
fez, entretanto, a clara ressalva de que “o atuar político de Eusébio em suas relações de poder com Constantino não o deine, necessariamente, como sendo um
político que se disfarçava de bispo”, sendo mesmo “possível que Eusébio acreditasse em todas as suas defesas e apologias; aliás, é o mais provável” (RAMALHO,
2012, p. 142). Os dois qualiicativos empenhados na composição da última frase
citada – possível e provável – parecem-me especialmente indicativos do quanto o
autor está vinculado à leitura de Eusébio como crítica de sua forma de escrever
a história do cristianismo, no âmbito da tradição, digamos, buckhardtiana, que
será retomada de forma muito peculiar por Eduardo Hoornaert, um dos autores
referenciados no presente paper (cf. infra). De fato, Ramalho cita este autor em
seu trabalho (p. 49, n. 106) como um dos “historiadores religiosos” para quem
“o problema das omissões na historiograia cristã de matriz eusebiana deve ser
exposto, criticado e repensado”.
Pensado em sua notável capilaridade e longa duração, o processo do/
contra o autor da História Eclesiástica assume ares kakianos, evidenciandose como ele é marcado pelo fato de as sentenças nunca serem deinitivas, mas
sempre tornadas novos testemunhos, em uma instrução que não cessa, caracterizada por recorrentes deslocamentos e metamorfoses. Como Heródoto, tratase de um pai a quem se sentiu a necessidade repetida de evocar ou invocar;
fantasma que é preciso conjurar para exorcizar (HARTOG, 1999, p. 31-32;
MOMIGLIANO, 2004, p. 66-67; SCHMITT, 2006, p. 108-109). A comparação
entre esses dois personagens, de fato, não é nova ou de todo arbitrária:
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A ambiguidade póstuma de Eusébio é, antes do mais, continuidade da
ambiguidade que marcou sua atuação como ator-autor nos embates doutrinais
de seu tempo. Pelo menos até o século VI, a Igreja oriental teve dúvidas quanto
à têmpera de sua religião durante as perseguições de Diocleciano: como pôde
Eusébio escapar dos agentes imperiais quando seu mestre Pânilo foi preso e
executado? Como pôde, neste momento de crise, preservar da destruição a
valiosa biblioteca de Orígenes? A acusação de apostasia foi-lhe dirigida em
335 no próprio sínodo de Tiro, por ele presidido, por ninguém menos do que
Atanásio de Alexandria. As controvérsias surgidas em torno das posições de
Orígenes, as reservas que Eusébio nutria em relação à representação da imagem
de Cristo, e a evidente aproximação do bispo de Cesareia com o partido ariano
não contribuíram em nada para a formação de uma opinião menos beligerante
a seu respeito. Tampouco sua admiração pelo Imperador Constantino, personagem complexo, que foi o grande protagonista de seus escritos de caráter
histórico ou encomiástico, colaborou neste sentido. De fato, muitas vezes os
autores associaram o julgamento da pessoa e da obra de Eusébio de Cesareia
ao juízo que tinham de Constantino e de sua política eclesiástica, ainda que
isso não constitua de forma alguma uma regra geral (BARDY, 1971; TAVEIRA,
2002, p. 188-189). Sua admiração pelo primeiro imperador protetor do cristianismo foi utilizada para situá-lo como teórico do cesaropapismo, como um
bizantino, no sentido pejorativo que este termo acabou por assumir em certos
círculos ocidentais (DIEHL, 1961, p. 31-32; SCHMITT, 2006, p. 108-111).4
Esta constelação de críticas, que colocou a ortodoxia e o caráter de
Eusébio de Cesareia entre parênteses, essa permanente ambiguidade, ecoa
mesmo em nosso tempo, nos manuais que nos são contemporâneos – como
nestes que utilizei como fontes informativas para os dados biobibliográicos
que apresento na primeira parte do artigo corrente.
Sobre o (problemático) conceito de cesaropapismo, ver por primeiro a discussão de TAVEIRA,
2002, p. 291-315.
4
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DA
ALFREDO BRONZATO
Ambiguidades
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(...) Em 1834 Ferdinand Christian Baur escreveu em Tubingen uma comparação
entre Eusébio e Heródoto: Comparatur Eusebius Caesarensis historiae ecclesiasticae
parens cum parente historiarum Herodoto Halicarnassensi. Podemos aceitar esta
comparação e meditar sobre a sua observação de que tanto Heródoto quanto
Eusébio escreveram sob a inspiração de uma liberdade recém-estabelecida
(MOMIGLIANO, 2004, p. 212).
IDEÓLOGO
OU TESTEMUNHA?
DUAS
AVALIAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA PESSOA E DA OBRA DE
EUSÉBIO
DE
CESAREIA
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No segundo volume de seu manual da patrologia, Johannes Quasten
escreveu que a produção de Eusébio de Cesareia abriu a idade de ouro da literatura patrística. Segundo este autor, no discípulo de Pânilo estariam combinados o máximo interesse pelo passado com uma participação muita ativa na
tarefa de dar forma ao presente; pai da historiograia da Igreja, Eusébio reletiria com mais idelidade do que nenhum outro autor as mudanças radicais
que se estavam realizando na época em que viveu. Para Quasten, o bispo de
Cesareia merece a imortalidade graças à sua História Eclesiástica, ainda que
tenha julgado que esta tenha sido não uma narração completa e equilibrada,
mas antes uma coleção extremamente rica de fatos históricos e extratos de
um considerável número de documentos dos primeiros tempos do movimento
cristão (QUASTEN, 1962).
Já o compêndio de Berthold Altaner e Alfred Stuiber ressalta que Eusébio
de Cesareia encontrava-se no ponto crucial de duas idades, pertencendo por sua
formação cultural e interesses ao âmbito pré-niceno, e, por sua atuação como
bispo e homem de Igreja implicado na política de Estado, na era constantiniana.
Adepto do subordinacionsimo de Orígenes, Eusébio teria procurado assumir
uma atitude conciliadora na querela ariana em função de seu temperamento
“antes que lutador, sábio” (ALTANER & STUIBER, 1988, p. 222). De acordo com
estes autores, é digno de nota que “(...) Embora não fosse grande teólogo, Eusébio
era notável historiador. Graças à sua hábil utilização das fontes, em geral, e a seu
discernimento e critério, lançou as bases da historiograia eclesiástica da Antiguidade” (ALTANER & STUIBER, 1988, p. 223). Mais ainda, Eusébio teria encarado “a história universal e eclesiástica com otimismo de cortesão; como bispo
político, apoiado pelo Estado e devotíssimo ao imperador, desenvolve o ideal de
um Império e Estado cristãos, que repercutirá vigorosamente e por longo tempo,
mesmo no Ocidente” (ALTANER & STUIBER, 1988, p. 222).
No verbete dedicado à vida e obra de Eusébio de Cesareia no Dicionário
Patrístico e de Antiguidades Cristãs, Carmelo Curti escreveu que a doutrina
demonstrada por este autor na sua diversiicada produção intelectual “é tão
profunda que se pode compará-la à de Orígenes”, ainda que ele permaneça
“inferior ao grande alexandrino como pensador e como escritor” (CURTI,
2002, p. 537). E prosseguiu lembrando que numerosos foram os autores que
reconheceram a erudição de Eusébio, mas criticaram seu estilo; assim como
aqueles que encontraram em seus escritos “imprecisões e defeitos de várias
naturezas” (CURTI, 2002, p. 537). Curti parece alinhar-se com ambos os
COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 27 p. 13-43 Jan./Jun. 2015
(...) A fé que Eusébio tem no Cristo, Filho de Deus, não pode, sem dúvida, icar
sob suspeita; ele jamais aderiu às teses mais ousadas de Ario. Mas assim mesmo
simpatizava com as ideias deste. Em Niceia tentou a adoção do símbolo da sua
igreja de Cesareia, cujos termos eram suicientemente amplos de modo a deixar
a Ario uma porta aberta. Ele subscreveu o consubstancial, mas com reticência
e constrangimento. Depois do concílio, ele não tardou em se colocar entre os
bispos protetores dos arianos (...). Prestando-se a essa polêmica deplorável
em companhia de prelados intrigantes, teve sua parte de responsabilidade no
prolongamento desastroso da controvérsia ariana. Parece, no entanto, que
se pode conceder a ele a vantagem da boa fé e do desinteresse: quando, em
recompensa de seus serviços, Constantino quis promovê-lo à sede prestigiosa
de Antioquia, Eusébio recusou, preferindo icar onde havia trabalhado tanto, a
biblioteca de Cesareia (LIÉBAERT, 2004, p. 153).
Se as posições doutrinais de Eusébio viriam a ser severamente censuradas
pelo consenso eclesiástico nos séculos posteriores à sua morte, e se sua teologia
política, colorida de triunfalismo, não tardaria a ser questionada por novos fatos5,
5
De acordo com Pondé, a teologia da história de tipo eusebiano, por sua inadequação ao
período posterior à virada constantiniana, acabaria, no âmbito do cristianismo oriental, por ser
substituída por certa rejeição geral da historicidade. Segundo este autor, “(...) A própria história
de Bizâncio, que é um fracasso como império, testemunha esse fenômeno de indiferença para
com o regime da natureza: imperadores incompetentes, polêmicas teológicas tão inúteis quanto
inindáveis, etc. – ou seja, Constantinopla, na qualidade de Império Ortodoxo, já traz em si esse
COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 27 p. 13-43 Jan./Jun. 2015
DA
ALFREDO BRONZATO
partidos; a respeito da História Eclesiástica de Eusébio, mencionou que falta
nela uma reelaboração pessoal das fontes e um quadro histórico mais orgânico,
assim como se observam desproporções, supericialidades e parcialidades de
julgamento na sua composição. Em todo o caso, admitiu que as obras históricas do bispo de Cesareia constituem a melhor parte de sua produção, e que,
graças a elas, uma fama imperecível lhe é justamente conferida. De fato, Curti
airmou que “um juízo cauteloso de sua atividade não pode deixar de reconhecer que, sem suas pesquisas, bem pouco saberíamos dos primeiros séculos
da cristandade” (CURTI, 2002, p. 537).
O manual introdutório de Jacques Liébaert caracteriza Eusébio de Cesareia, antes do mais, como uma grande testemunha da Igreja antiga. Testemunha
por duas razões: por ter vivido em um período em que o movimento cristão
experimentava rápida mudança e deinia os termos de sua ortodoxia; e por ter
incansavelmente se dedicado a estudar o passado próximo e longínquo e transmiti-lo à posteridade. Por outro lado, Eusébio teria sido um teólogo limitado,
cuja doutrina estava marcada por um indubitável arcaísmo, que o fez nutrir uma
desconiança desnecessária das formulações nicenas. De acordo com Liébaert,
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IDEÓLOGO
OU TESTEMUNHA?
DUAS
AVALIAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA PESSOA E DA OBRA DE
EUSÉBIO
DE
CESAREIA
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seu papel como historiógrafo asseguraria, para Liébaert, um lugar digno no
panteão de autores dos primeiros séculos do cristianismo.
(...) A glória de Eusébio historiador é a memória que nos deixou da Igreja dos
três primeiros séculos. Sua documentação era naturalmente muito parcial. Ele
usou o que subsistia da literatura cristã antiga e podia ler ainda muitas obras
perdidas para nós; utilizou também muitos dossiês de correspondência: cartas
de bispos reunidas outrora a respeito de um assunto controvertido (...) Serviu-se
também da correspondência de Orígenes... A História Eclesiástica não tenta
uma reconstituição contínua do desenvolvimento da Igreja; apresenta, antes,
uma série de lashes, segundo o conteúdo dos documentos de que dispunha o
autor. Do mesmo modo, ela é ininitamente preciosa pelos personagens, fatos
e escritos que evoca e que, sem ela, talvez ignorássemos completamente. Como
não nos mostraríamos gratos a Eusébio por ter conservado a emocionante carta
das Igrejas de Vienne e Lião sobre a perseguição de 177 nesta última cidade? Ou
as linhas gerais de uma biograia de Orígenes? (LIÉBAERT, 2004, p. 149).
Retraçar as sucessivas redes discursivas nos quais se recebeu, traduziu,
comentou e reinterpretou a obra e a pessoa de Eusébio de Cesareia, relacionando estas apropriações entre si, verticalmente, assim como com os quadros
sociais especíicos nos quais elas se deram, horizontalmente, implicaria fazer
a sinopse da história cultural dos últimos dezessete séculos do movimento
cristão – o que está completamente fora de cogitação no curto espaço de
que disponho agora. O que se propõe aqui, na segunda metade deste texto, é
apenas pinçar dois destes juízos, cotejando-os, e extraindo desta relexão uma
conclusão de ordem teórico-metodológica que seja útil ao estudo criterioso e
interdisciplinar – pois idealmente feito por teólogos e historiadores – da vida e
das obras dos autores dos primeiros séculos do cristianismo.
mau casamento entre religião ortodoxa e Estado” (PONDÉ, 2003, p. 101. Grifo no original).
Para outro ângulo da mesma questão, ver MOMIGLIANO, 2004, p. 199: “(...) Com todos os seus
dons, Eusébio não conseguiu modelar uma historiograia onde coubessem situações em que
fosse impossível separar o que pertencia a César e o que pertencia a Cristo. A noção de Eusébio a
respeito da história eclesiástica comportava uma dualidade bastante real, que se tornaria evidente
logo que os cristãos estivessem a salvo do Estado romano. De um lado, a história eclesiástica era
a história da nação cristã, agora emergindo como classe dominante do Império Romano. Por
outro lado, era a história da instituição divina não contaminada por problemas políticos. Como
a história da nova classe dominante do Império Romano, a história eclesiástica tinha que incluir
os acontecimentos militares e políticos. Mas, como história das instituições divinas, a história
eclesiástica estava restrita aos acontecimentos da Igreja. Esta dualidade permaneceu como um
problema maior para todos os historiadores eclesiásticos desde a época de Eusébio: nenhum
historiador eclesiástico foi capaz de concentrar-se exclusivamente nas questões eclesiásticas.”
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Para uma primeira análise de alguns dos marcos da historiograia de Hoornaert, ver
QUADROS, 2010.
6
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DA
Em 1986, a Editora Vozes, de Petrópolis, publicou o livro A memória
do povo cristão, de autoria de Eduardo Hoornaert, de subtítulo Uma história
da Igreja nos três primeiros séculos. O volume integrava a série Experiência
de Deus e justiça, sendo o terceiro tomo da coleção Teologia e Libertação. Do
conselho editorial desta coleção de livros, faziam parte, entre outros, Leonardo
Bof, Gustavo Gutierréz, Enrique Dussel e Jan Sobino. Seu imprimatur foi
concedido pelo Cardeal Aloíso Lorscheider, então arcebispo de Fortaleza.
Antes de seu prefácio, há uma extensa lista nominal de prelados – encabeçada
pelo Cardeal Paulo Evaristo Arns – que compunham um Comitê de Patrocínio desta coleção, preparada para recolher e sistematizar “as inspirações do
Concílio Vaticano II, de Medellín, de Puebla, do Magistério da Igreja Universal
e das Igrejas particulares, e da experiência de vida, de fraternidade ecumênica, de fé e de martírio das comunidades cristãs da América Latina” (HOORNAERT, 1986, p. 7).
Hoornaert nasceu na Bélgica e formou-se em Línguas Clássicas e História
Antiga na Universidade de Louvain. Vivendo desde 1958 no Brasil, depois de
curta experiência como missionário no continente africano, trabalhou como
professor de história eclesiástica em diversos institutos teológicos do Nordeste,
por mais de trinta anos. Quando publicou A memória do povo cristão, já havia
realizado duas décadas de estudos sobre a história do cristianismo no espaço
colonial que viria a ser o Brasil.6 O objetivo declarado desse seu trabalho era o
de “reunir e colocar ao alcance dos agentes de pastoral e outras pessoas interessadas alguns elementos da História da Igreja nos três primeiros séculos,
que se encontram espalhados por publicações às vezes de difícil acesso”
(HOORNAERT, 1986, p. 7).
Para Hoornaert, a relevância deste tipo de empreendimento residiria no
fato de que o judaísmo e o cristianismo, em contraste com outras religiões, são
religiões da memória por excelência; ou seja, são religiões fundadas na recordação de fatos históricos, não sistemas de vida derivados de complexos mitológicos. De acordo com este autor, graças ao Êxodo e sua memória, os israelitas
romperam com a compreensão cíclica da história comum a tantos povos da
Antiguidade, passando a considerar os tempos como irreversíveis e dotados de
ALFREDO BRONZATO
Eusébio ideólogo: Eduardo Hoornaert
COSTA CRUZ
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IDEÓLOGO
OU TESTEMUNHA?
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AVALIAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA PESSOA E DA OBRA DE
EUSÉBIO
DE
CESAREIA
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um sentido, na dupla acepção deste termo – ou seja, como prenhes de signiicados e como dirigidos para um im determinado. Do judaísmo, o cristianismo teria herdado o seu caráter memorial, ainda que tenha centrado sua
compreensão da história “na encarnação, vida, paixão, morte e ressurreição de
Jesus Cristo, o Libertador não só do Egito – como fora Moisés – mas de todas
as formas de dominação” (HOORNAERT, 1986, p. 18). Mais uma diferença
ainda teria sido instaurada pela circunstância de os judeus supostamente ainda
continuarem a esperar o Messias, ao passo que os cristãos já realizavam, no
tempo, o Reino de Deus iniciado em Jesus, enquanto esperavam a parusia, sua
segunda vinda, gloriosa. 7 Isto considerado, Hoornaert ressalta que “o tema
cristão da esperança está ligado ao tema da memória: a memória carrega a
esperança; sem memória cristã desvanece a esperança. Disso provém, entre os
cristãos, a necessidade da lembrança como tarefa religiosa fundamental, como
se veriica no ensino cristão, que, ainal, é memória, e na liturgia cristã, que
é rememoração” (HOORNAERT, 1986, p. 18). Não se trata, note-se bem, de
qualquer rememoração, mas de memória de fatos efetivamente acontecidos; de
acordo com este autor, “(...) Os cristãos sabem bem que sua religião ica em pé
ou cai com a veracidade de sua memória” (HOORNAERT, 1986, p. 18).
O cuidado dos cristãos com a memória, segundo argumenta Hoornaert,
proviria especiicamente das tradições rabínicas veiculadas nas sinagogas da diáspora judaica. Este sistema apresentaria vantagens de um ponto de vista religioso
Durante muito tempo foi hegemônica nos estudos teológicos e históricos sobre o judaísmo
antigo e a Bíblia Hebraica a noção de que, na época de Jesus, os judeus, mesmo divididos em
partidos muito diversos entre si, encontravam-se reunidos em torno de uma mesma esperança
na vinda de um Messias régio-davídico; expectativa essa que, todavia, não poderia autorizar ao
judaísmo um reconhecimento de Jesus de Nazaré como Messias, por causa de sua morte na cruz.
Em período mais recente, entretanto, a crescente sensibilidade dos métodos exegéticos à descontinuidade e o cotejo da documentação bíblica com fontes extracanônicas, incluindo o estudo do
rico acervo dos escritos de Qumran, fez com que essa posição se tornasse insustentável, icando
cruamente exposta sua raiz primeira – trata-se, ainal, de versão secularizada da antiga tese
segundo a qual o cristianismo não apenas teria cumprido, mas também determinado a caducidade do judaísmo (cf. p. ex. Rm 9 et al.). De outra parte, chegou-se ao extremo inverso de
declarar que a Bíblia Hebraica não teria formulado nenhum tipo de expectativa messiânica explícita, observando-se que são muitos os escritos judaicos, antigos e modernos, que não conhecem
absolutamente nenhuma esperança messiânica; mas essa é também uma posição demasiado
radical. A maior parte dos estudiosos admite agora que a esperança de um Messias não pode ser
sistematizada de forma global em relação a qualquer ambiente judaico, e as pesquisas contemporâneas têm se perguntado mais pela ordenação sócio-histórica das expectativas messiânicas
– não apenas supostas, mas efetivamente veriicadas – examinando os grupos envolvidos em sua
formulação, suporte e difusão. Cf. FABRY & SCHOLTISSEK, 2008.
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ALFREDO BRONZATO
diante do armazenamento dos dados histórico-administrativos em torno do
Templo de Jerusalém, por arquivos e escribas, pois neste núcleo “havia o perigo
de os donos da memória se tornarem donos do esquecimento, isto é, no qual os
compromissos dos detentores do poder do templo com os donos do poder na
sociedade, como um todo, podiam comprometer a idelidade da transmissão de
uma memória tão perigosa quanto era a da libertação da escravidão e do poderio
de uma potência estrangeira” (HOORNAERT, 1986, p. 19. Grifo no original).
Para Hoornaert, as sinagogas estariam mais livres deste tipo de manipulação da
memória, de modo que conseguiram criar expedientes para preservar e comunicar de forma mais iel a lembrança da saída do Egito. Jesus teria usado estes
recursos rabínicos de evocação com maestria e reagido “contra esquecimentos
típicos por parte dos detentores do poder religioso: os silêncios em torno da
mulher, do samaritano, do centurião, da prostituta, do estrangeiro, do publicano, dos ‘am ha’ares ou gente da terra em geral, dos pobres e marginalizados”
(HOORNAERT, 1986, p. 19. Grifo no original).
Na imitação da prática de Jesus no tempo e no lugar em que viviam, muitos
cristãos sentiram a necessidade de preservar a memória de sua ação libertadora.
Mas a experiência vivida pelos cristãos teria demonstrado “de maneira convincente que a memória do evento Jesus não se transmite de maneira tranquila,
[mas] que existe uma árdua luta pela memória cristã” (HOORNAERT, 1986, p.
20). De acordo com Hoornaert, a “linguagem dura, ofensiva, odiosa” que invade
a literatura cristã a partir do século II proviria “(...) Manifestamente da ânsia
em preservar a memória cristã no meio de tradições sempre mais divergentes
e confusas” (HOORNAERT, 1986, p. 20). Para este autor, impunha-se, pois, a
tarefa de olhar para além desta linguagem e de seus expedientes de purgação da
memória, fazendo recordar o que há de peculiar na memória cristã, ou seja, seu
caráter de ser “frequentemente uma memória de vencidos e humilhados, marginalizados e desprezados”; memória que, “como tal, não se articula numa história
segundo a tradição hegemônica da historiograia das grandes culturas, através
de discursos, monumentos, arquivos, documentos, iconograia e arquitetura”
(HOORNAERT, 1986, p. 21-22. Grifo no original). Esta memória sobreviveria,
antes do mais, na própria experiência de fraternidade e justiça das comunidades
cristãs, transmitida, “de geração em geração, como uma cultura popular, uma
tradição oral, uma resistência cultural” (HOORNAERT, 1986, p. 22). Daí o fato
de ela não ser indiferente à questão da organização destas mesmas comunidades,
sendo mesmo uma “responsabilidade básica da prática cristã procurar modelos
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OU TESTEMUNHA?
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AVALIAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA PESSOA E DA OBRA DE
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sociológicos de Igreja que garantam a liberdade da Palavra de Deus (...) diante
da pressão dos poderes deste mundo”, modelos que possibilitem que se cumpra
de maneira iel sua “missão de guardar e atualizar a memória de Jesus, dos
apóstolos, dos profetas e de toda a história da aliança de Deus com os homens”
(HOORNAERT, 1986, p. 22).
Dado este quadro, tripla seria a função do historiador da Igreja, função que
Hoornaert se propõe a desempenhar em seu trabalho acadêmico. Em primeiro
lugar, ele teria de compreender e responder historicamente às perguntas que
faz o povo cristão, gente que se reúne e que indaga “se no início os cristãos
também se reuniram para resolver seus problemas, se eles eram animados pela
mesma esperança” (HOORNAERT, 1986, p. 23). Em segundo, ele deve captar
a memória desta mesma gente, dando-lhe elementos de sustentação, transformando-a “em discurso coerente, baseado em documentos objetivos, num
discurso inteligível” (HOORNAERT, 1986, p. 23). Em terceiro, o historiador
da Igreja deveria reconstituir para os cristãos uma “verdade plena, não apenas
os aspectos entusiasmastes da verdade, mas também as lutas, os pecados, as
falsas alianças que o cristianismo cometeu por interesse nem sempre evangélicos” (HOORNAERT, 1986, p. 24). Hoornaert ressalta ainda que uma história
da Igreja que esteja de fato a serviço da memória do povo cristão deveria evitar
as interpretações de origem materialista, segundo as quais a tradição eclesial deveria ser inteira desconsiderada como necessariamente alienante; mas
parece que o modelo de pesquisador da história eclesiástica que ele propõe é
justamente a do intelectual orgânico, compreendido na acepção marxista desta
expressão, ou seja, como o pensador que se propõe não a interpretar o mundo,
mas a mudá-lo em certa direção.8
Defronte a tarefa que Hoornaert propõe ao historiador da Igreja, ou
seja, “(...) O intento de elaborar um discurso historiográico que possa dar
embasamento cientíico à memória do povo cristão” ergue-se, entretanto, a
“longa tradição que remonta a um escritor eclesiástico do século IV, Eusébio de
Cesareia” (HOORNAERT, 1986, p. 24).
Sobre intelectuais orgânicos, intelectuais tradicionais e interesses de classe, ver por primeiro
(obviamente) GRAMSCI, 1982. O fundamento da concepção do intelectual aberta e legitimamente engajado em um empreendimento de transformação social é, creio eu, uma aceitação
militante da décima primeira tese de Marx sobre Feuerbach: “(...) Os ilósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo.” (MARX & ENGELS,
2007, p. 535. Grifos no original). Uma introdução à concepção marxista convencional do
fenômeno religioso pode ser apreciada em DESROCHE, 1968; já a abordagem gramsciana do
mesmo tema é muito mais ina, nuançada, cf. PORTELLI, 1984.
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(...) os méritos de Eusébio na historiograia cristã são tão evidentes que
ninguém os contesta: ele supera com maestria a postura historiográica cristã
anterior e começa a encarar seriamente as estruturas próprias da História e
da longa duração desta; ele rompe com a função histórica do destino (fatum,
fato) – tão típica da historiograia grega – substituindo-a pela racionalidade da
Providência, ou seja, da Razão Divina que governa o mundo; ele é expressão
do humanismo cristão que tem atenção e sensibilidade pelo que é pequeno
e desprezado aos olhos do mundo (...). Num nível de técnica historiográica,
Eusébio é o primeiro historiador cristão a citar ielmente o material por ele usado
e a indicar corretamente as fontes. Sua obra demonstra paciência, escrúpulo e
excelente organização da matéria. Em diversos campos do nosso conhecimento
acerca dos primeiros três séculos do cristianismo dependemos inteiramente das
informações dadas por Eusébio (HOORNAERT, 1986, p. 26. Grifos no original).
Tudo isto não signiica, entretanto, “dizer que Eusébio não tenha uma
tese ao escrever a sua História” (HOORNAERT, 1986, p. 26), e é ao nível desta
tese que Hoornaert constrói sua crítica geral contra a História Eclesiástica e o
legado eusebiano.
De acordo com o autor de A memória do povo cristão, o trabalho historiográico do bispo de Cesareia seria marcado de maneira indelével por um
apaixonado entusiasmo pelo Imperador Costantino, visão que decerto representava os sentimentos e interesses de um setor das lideranças cristãs daquele
momento histórico, que projetavam no nível do plano divino as novas relações
políticas criadas com o interesse do governante romano por certa facção do
cristianismo. Para Hoornaert, contudo, “é difícil imaginar que todos os setores
cristãos concordassem na época com esta visão” (HOORNAERT, 1986, p. 27).
Mais ainda: Eusébio, que pelo seu esforço historiográico elaborou uma nova
teologia imperial e criou na Igreja o espaço para um novo gênero literário,
não problematizou a relação entre a memória cristã, os poderes políticos e
a sucessão apostólica no sentido de sucessão de bispos nas Igrejas locais. A
imagem da evolução da Igreja que ele apresentou pressupôs e, portanto, cristalizou o modelo de comunidade cristã como Igreja hierárquica e territorial,
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Antes de marcar de forma mais explícita sua (coerente) oposição a esta
tradição eusebiana, Hoornaert tece elogios à obra do bispo de Cesareia: é
valiosa a transcrição que fez dos documentos da Igreja antiga; é louvável o fato
de que tenha separado o comprovável do lendário, a narração da exortação;
graças a ele se deu “a passagem deinitiva entre a tradição oral na preservação
da memória cristã e a tradição escrita, mais segura e deinitiva” (HOORNAERT, 1986, p. 25). Para este autor,
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capaz de assumir, com a proteção de Constantino, um pleno espelhamento do
modelo imperial romano. Para Hoornaert é evidente que este modelo em nada
corresponde à experiência das primeiras comunidades cristãs, experiência que
ele sustentava se reinventar em certos espaços do cristianismo latino-americano contemporâneo (HOORNAERT, 1986, p. 27).
Seguindo em sua História Eclesiástica o modelo da historiograia dinástica em substituição do modelo da história do profetismo hebreu, Eusébio teria
assumido o papel de ideólogo do Império Romano de verniz cristão, recusando e subvertendo completamente aquilo que Hoornaert sustenta ser uma
história da Igreja a serviço da memória dos verdadeiros seguidores de Jesus.
Pelas mãos do bispo de Cesareia,
(...) A tradição da lei, dos profetas, da libertação dos humildes e marginalizados é
abandonada em benefício da tradição dos instrumentos próprios de rememoração
de uma Igreja imperial, que vê no imperador o tipo de Moisés e Davi, um homem
escolhido por Deus para preparar o caminho de Deus e libertar seu povo. Os
inimigos, para Eusébio, são os montanistas, os donatistas, os novacianos, ou
então os judeus ou gentios, não as estruturas do Império, o poderio dos ricos que
exploram os camponeses pelo tributo pesado e os escravos urbanos pelos trabalhos
forçados. A Igreja é identiicada com um grupo apenas dentro dela; o grupo dos
organizadores. Nada acerca dos organizados, senão nos relatos de martírios. (...)
A memória das lutas e esperanças do povo cristão que procura resolver urgentes
problemas de sobrevivência, saúde, direitos humanos básicos, não encontra espaço
nas páginas da História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia, nem se repete nelas a
cada momento que é possível, em cada instante e em cada lugar, mudar o rumo
das coisas, orientar a vida para o êxodo, sair do Egito do Faraó e entrar na terra
santa, quebrar a triste concatenação de dominações e humilhações na história da
humanidade (HOORNAERT, 1986, p. 28. Grifos no orignal).
Como Hoornaert considera evidente o descompasso existente entre a
memória cristã iel e a tradição historiográica eusebiana, não é nem na originalidade, nem na profundidade interpretativa do programa da História Eclesiástica que ele vai procurar a sua extensa permanência e autoridade. Para
Hoornaert, estas se deveriam ao simples fato de que a História Eclesiástica
conirmou por escrito o caminho prático que o setor das lideranças da Igreja,
que por um longo período histórico viria a ser hegemônico, começava a trilhar
no tempo da vida de Eusébio de Cesareia; ou seja, “o caminho da aliança
entre o Estado eclesiástico e a sociedade política do Império Romano. O novo
modelo de Igreja, baseado nesta aliança, encontra na História de Eusébio uma
conirmação teórica de sua prática” (HOORNAERT, 1986, p. 29).
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(...) apresentar alguns temas que nos parecem corresponder às questões
levantadas pela caminhada das comunidades hoje. Confessamos, pois, que o
nosso interesse gira em torno do presente vivido nas comunidades de base na
América Latina e, por conseguinte, do novo modelo eclesial emergente. Existe
um interesse social – não apenas individual em recordar certos aspectos e temas
ligados à Igreja antiga, pois estes temas sustentam a esperança hoje. Queremos
icar ligados à grande tradição de esperança que percorre toda a História da
Igreja e icar mais irmes na defesa da memória cristã diante do perigo sempre
presente de manipulação desta memória (HOORNAERT, 1986, p. 33-34).
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DA
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Antes de apresentar sua própria versão da história do cristianismo em seus
três primeiros séculos, história que se quer escrita a partir de baixo e para atender
ao propósito pragmático de “fornecer sugestões para a nossa atual situação latino
-americana” (HOORNAERT, 1986, p. 13), Hoornaert apresenta ainda três pontos
especíicos nos quais pretende divergir da tradição eusebiana. Em primeiro lugar,
ele pretende revisitar o encontro entre cristianismo e helenismo tomando-o como
experiência vivida pelas comunidades cristãs, não como uma composição necessária, realizada no âmbito de um diálogo intelectual, teórico, quase planejado.
Fazendo isto, pretende fornecer aos teólogos contemporâneos “os elementos de
revisão da relação entre cristianismo e religiões populares”, necessários para uma
abordagem construtiva dos “problemas provenientes de situações bem diversas
e distintas da helenização”, como o encontro da fé cristã com “os animismos da
América, da África e da Ásia” (HOORNAERT, 1986, p. 32).
Em segundo lugar, Hoornaert pretende prescindir do eruditismo da
tradição eusebiana, que “impressiona e ao mesmo tempo afasta o leitor não
iniciado.” (HOORNAERT, 1986, p. 32). Mais do que assustar, o grande volume
de fatos, datas e documentos que a tradição eusebiana prescreve que o historiador da Igreja tem de controlar para se autorizar a lidar com a memória cristã,
tende a criar uma ilusão de objetividade que faz esquecer que são as categorias
do historiador que reconstituem e interpretam os dados do passado. Para Hoornaert, “(...) O maior defeito do método de Eusébio de Cesareia estava no fato de
ele partir do pressuposto de que a história evoca pura e simplesmente o passado,
e esse defeito passou de geração em geração, pela aplicação ao passado da experiência de hoje” (HOORNAERT, 1986, p. 33). Constatado este inescapável – ainda
que camulado ou inconsciente – viés perspectivista, e diante da impossibilidade
por ele colocada de recuperar o passado cristão como aconteceu realmente, o
autor de A memória do povo cristão propôs-se a realizar “algo mais modesto”:
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IDEÓLOGO
OU TESTEMUNHA?
DUAS
AVALIAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA PESSOA E DA OBRA DE
EUSÉBIO
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Por im, Hoornaert pretende divergir de Eusébio em sua análise da questão
do poder, convicto da impossibilidade de se estudar a história da Igreja sem se
perguntar se a instituição eclesiástica passou, ainal, pela prova do poder.9 Endossando o famoso dito de que o todo poder corrompe e o poder absoluto corrompe
absolutamente, mas certo de que os cargos eclesiásticos podem ser redeinidos,
na experiência comunitária, para o serviço dos humildes e dos excluídos, Hoornaert sustenta que Eusébio de Cesareia não “fez uma leitura propriamente cristã
das relações de poder quando via no Império Romano um modelo inclusive para
a organização da Igreja, e no imperador o realizador do Plano Divino, comparável a Moisés ou Davi” (HOORNAERT, 1986, p. 34-35. Grifo no original).
Eusébio testemunha: Papa Bento XVI
Em 2002, o jornalista norte-americano John L. Allen Jr. escreveu que Joseph
Ratzinger era, então, “(...) Talvez o cardeal mais famoso do mundo” (ALLEN
JR., 2003, p. 226). Ratzinger nasceu em 1927 na região da Alta Baviera, próxima
à fronteira entre os Estados da Alemanha e da Áustria. Formou-se no erudito
ambiente dos estudos eclesiásticos germânicos e integrava, quando jovem
padre, aquele partido teológico católico que normalmente se costuma designar
como sendo progressista. Nesta condição, serviu no Concílio Vaticano II como
perito integrante do séquito do cardeal Josef Frings, de tendências reformistas.
Depois da agitação estudantil de 1968, entretanto, Ratzinger inclinou-se cada
vez mais para posições conservadoras em matérias religiosas e sociais. Durante
vinte anos serviu como conselheiro teológico do Papa João Paulo II, dirigindo a
Congregação para a Doutrina da Fé, órgão curial responsável por salvaguardar a
doutrina e a moral católica. Ainda de acordo com Allen Jr., que lhe dedicou uma
biograia, Ratzinger foi, no último quarto do século XX, “a força propulsora no
combate à teologia da libertação, ao pluralismo religioso, contra alterações da
doutrina moral tradicional em temas como o homossexualismo e a ordenação
de mulheres” (ALLEN JR., 2003, p. 226).
No inal do pontiicado de João Paulo II, a igura de Ratzinger dividia
opiniões do mundo católico. Alguns o temiam como um autoritário e um
obscurantista; outros o tomavam como garantia da perpetuação da identidade
católica tradicional. Sua argúcia teológica e reinamento intelectual, contudo,
A referência declarada de Hoornaert para este questionamento é o conhecido Igreja: Carisma
e Poder, de Leonardo Bof, publicado anos antes de seu livro pela mesma Editora Vozes (1981).
9
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10
Sobre a questão de Bento XVI e a hermenêutica da continuidade, ver inicialmente CALDEIRA,
2012; DIAS, 2009; e DIAS, 2010. As publicações de Ratzinger alcançam a marca de seiscentos
títulos, e vários de suas obras atingiram recordes de venda após a sua eleição como Papa. As
análises de seus atos e escritos como Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé e como Bispo
de Roma ultrapassam a marca dos muitos milhares de volumes, provindos do jornalismo, da
militância política e ideológica, de diversos meios eclesiais e de diferentes contextos e áreas de
produção acadêmica. Essa grande produção sofreu ainda um considerável incremento imediatamente após Ratzinger, em gesto não praticado em séculos de história da Igreja, ter renunciado
ao Papado no começo do ano de 2013. Qualquer apreciação genérica que se izesse neste curto
espaço de uma bibliograia tão imensa seria, no mínimo, leviana.
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eram reconhecidas mesmo por intelectuais não católicos. Em 2005 o Colégio
dos Cardeais o elegeu Bispo de Roma aos setenta e oito anos, em um dos
conclaves mais rápidos da história. Assumiu o nome de Bento XVI, e, como
Papa, dedicou-se a enfatizar a razoabilidade da crença cristã em um mundo
secularizado e pós-iluminista; assim como a reforçar a identidade histórica do
catolicismo, exercitando uma hermenêutica da continuidade contra as interpretações que tomavam a segunda metade do século XX – e, mais especiicamente, o já citado Concílio Vaticano II – como um ponto de ruptura na longa
história da Igreja Católica Apostólica Romana.10
A obra desta hermenêutica da continuidade, que validamente se interpretou como uma reconstrução do catolicismo tradicional diante e contra a
livre experimentação pós-conciliar – vivenciada de forma mais intensa em
espaços como as Comunidades Eclesiais de Base na América Latina – não
se deu apenas no (signiicativo) uso de elementos litúrgicos característicos
do período anterior ao Vaticano II no Novus Ordo do Rito Latino, ou na ina
argumentação de suas encíclicas e tratados teológicos. Fez-se também na
série de catequeses que proferiu em suas audiências semanais – dedicadas,
nesta ordem de continuidade, aos apóstolos e personagens do Novo Testamento, a uma seleta de grandes iguras do cristianismo dos primeiros séculos
e aos mestres medievais. De acordo com Juan Luis Caballero, Bento XVI, ao
ixar-se nestes notáveis protagonistas do passado cristão, procurava retomar
em chave histórica a muito mencionada, mas normalmente pouco reletida,
interpretação da Igreja Católica como comunhão de santos, como sucessão
de testemunhos da experiência do discipulado de Jesus Cristo; em suma,
como transmissão da fé por pessoas que devem ser reconhecidas, veneradas e
imitadas (CABALLERO, 2009, p. 279).
As catequeses públicas sobre aquele grupo de autores-atores do movimento cristão dos primeiros séculos que se convencionou chamar de Santos
COSTA CRUZ
35
Padres foram em número de trinta e seis, ocorridas de fevereiro de 2007 a
março de 2008.11 Elas abordaram vinte e seis personagens, eventualmente em
mais de uma audiência, como ocorreu com Gregório Nazianzeno, João Crisóstomo e Jerônimo, a quem se dedicou duas audiências cada um. O primeiro
deles foi Clemente de Roma (morto por volta do ano 100), e, o último, Agostinho de Hipona (falecido em 430). Nestas exposições, o Papa abrangeu (ainda
que de modo desigual) as tradições do Oriente e do Ocidente cristãos, e
abordou também três autores eclesiásticos que não obtiveram da Igreja o reconhecimento formal de sua santidade: Orígenes, Tertuliano e Eusébio de Cesareia. Em cada uma das audiências ou conjunto de audiências sobre um destes
homens, o bispo de Roma seguiu um mesmo esquema: uma breve resenha de
sua vida, obras e pensamento, seguida de algumas implicações de tudo isto
para o cristão contemporâneo.
Para Caballero, que descreve Bento XVI como um pastor dedicado a
costurar os ios que evidenciam a unidade viva da Igreja em sua trajetória através
dos tempos, sua escolha de abordar tal conjunto de iguras históricas em suas
catequeses semanais é prova de sua convicção de que as vidas e as ideias dos
Santos Padres são também uma chave para a vida do cristianismo contemporâneo (CABALLERO, 2009, p. 279). De acordo com Marcelo Merino Rodríguez,
que escreveu a introdução do volume oicial com os textos deste conjunto de
falas, nelas também se evidencia a preocupação do Papa com o tema da relação
entre fé e razão, uma constante em seus escritos e pronunciamentos:
(...) Apesar de certa intransigência, presente principalmente às margens da
Igreja, os [Santos] Padres (...) mantiveram decididamente a linha do acordo
entre a razão ilosóica e a fé evangélica, sob a insígnia de um diálogo crítico e
construtivo com a cultura e a ilosoia do seu tempo. § Nesse processo, o logos
dos gregos foi de algum modo ampliado para expressar o Logos da proclamação
cristã, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Filho de Deus que se fez
carne no ventre de Maria, o único Salvador do Mundo. § No modo de ver de
Bento XVI, também hoje o conceito de razão deve ser ampliado para que tenha
condições de analisar e compreender os aspectos da realidade que ultrapassam
a dimensão meramente empírica. Exatamente esta ampliação pode favorecer
uma aproximação mais fecunda e complementar entre fé e razão (RODRÍGUEZ,
2010, p. 8-9. Grifos no original).
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OU TESTEMUNHA?
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AVALIAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA PESSOA E DA OBRA DE
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Na audiência do dia 13 de julho de 2007, o autor tratado pelo Papa Bento
XVI em sua catequese semanal foi Eusébio de Cesareia. Sua fala foi principiada
11
Sobre o conceito de Santos Padres, ver ALTANER & STUIBER, 1988, p. 18-21.
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(...) primeiro que escreveu uma história da Igreja, que continua fundamental
graças às fontes postas por Eusébio à nossa disposição para sempre. Com sua
História ele conseguiu salvar do esquecimento certo numerosos acontecimentos,
personagens e obras literárias da Igreja antiga. Trata-se, portanto, de uma fonte
primária para o conhecimento dos três séculos do cristianismo (BENTO XVI,
2010, p. 57).
Nos diversos, mas conexos, temas que abordou Eusébio em sua História
Eclesiástica, Bento XVI ajuizou que o bispo de Cesareia fez transparecer a todo
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pela constatação de que, na história do cristianismo antigo, é fundamental a
distinção entre os primeiros três séculos e os séculos seguintes ao Concílio
de Niceia. Como ponto de união e de passagem entre os dois períodos, está o
evento da mudança constantiniana e a igura de Eusébio de Cesareia, “expoente
mais qualiicado da cultura cristã de seu tempo em contextos muito diversos,
da teologia à exegese, da história à erudição (...) conhecido principalmente
como o primeiro historiador do cristianismo, mas (...) também o maior ilólogo da Igreja antiga” (BENTO XVI, 2010, p. 56).
A respeito da participação de Eusébio de Cesareia na querela ariana,
não há nenhuma palavra; Bento XVI registrou apenas que ele “participou do
Concílio de Niceia no papel de protagonista” e que subscreveu o Credo com a
airmação da plena divindade de Jesus Cristo e, portanto, da consubstancialidade do Filho com o Pai; ressaltou ainda que se trata este “praticamente do
mesmo Credo que recitamos todos os domingos na sagrada liturgia” (BENTO
XVI, 2010, p. 56). Sobre a relação de Eusébio com Constantino, Bento XVI
menciona que o bispo de Cesareia louvou o imperador romano favorável
aos cristãos nas suas obras e em discursos oiciais, dedicando-lhe admiração
sincera, “grande estima e consideração” (BENTO XVI, 2010, p. 56). Todo o
debate a respeito da ortodoxia ou dos interesses políticos de Eusébio é suprimido, erguendo-se da fala do Bispo de Roma o peril de um homem tão idôneo
quanto erudito, realmente digno de veneração.
De acordo com Bento XVI, entretanto, a fama imperecível de Eusébio
deve-se não tanto a uma vida virtuosa ou “à importância objetiva das suas
obras apologéticas, exegéticas e doutrinárias”, mas, sim, à sua História Eclesiástica, trabalho no qual se propôs “a reletir e analisar sobre três séculos
de cristianismo, três séculos vividos sob perseguições, consultando extensamente fontes cristãs e pagãs conservadas, sobretudo, na biblioteca de Cesareia”
(BENTO XVI, 2010, p. 57). Graças a ela, este autor constitui-se no
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OU TESTEMUNHA?
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AVALIAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA PESSOA E DA OBRA DE
EUSÉBIO
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momento “a misericórdia e a benevolência do Salvador” (BENTO XVI, 2010,
p. 58). Muito longe desse peril está a igura do ideólogo político ou do historiador cortesão, sustentada por analistas anteriores; mesmo o fato de Eusébio
ter reelaborado seu relato diversas vezes até inalmente dá-lo a público em
324 não seria indício de excessiva prudência ou interesse político, mas, antes,
providencial forma de recolher tudo o que até às vésperas do Concílio de Niceia
havia aprendido a Igreja nos seus primeiros trezentos anos de existência.
De fato, para Bento XVI, “a perspectiva fundamental da historiograia
eusebiana” é a de ser uma narrativa centrada no recebimento e na aceitação
da benevolência de Deus pelos cristãos, mesmo em meio a todas as disputas
e perseguições que se apresentaram; a de tratar-se de um relato “em que se
desvela progressivamente o mistério do amor de Deus pelos homens” (BENTO
XVI, 2010, p. 57). Assim sendo, a intenção moralizante que o Papa identiica
como presidindo esta historiograia não apenas se justiica, mas se conigura
como algo louvável. Para Eusébio de Cesareia, diz Bento XVI, “(...) A análise
histórica nunca é um im em si mesma; não é feita só para conhecer o passado;
antes, aponta decididamente para a conversão e para um autêntico testemunho
de vida cristã por parte dos iéis” (BENTO XVI, 2010, p. 59). Desta forma, ela
torna-se não mero produto de inteligência e erudição, mas
(...) um guia para nós mesmos. (...) Eusébio interpela vigorosamente os crentes
de todos os tempos com relação ao modo de se aproximarem dos acontecimentos
da história e da Igreja em especial. Ele interpela também a nós: qual é a nossa
atitude com relação aos acontecimentos da Igreja? É a atitude de quem se interessa
por simples curiosidade, talvez procurando o que é sensacional e escandaloso a
qualquer preço? Ou é a atitude cheia de amor, e aberta ao mistério, de quem sabe
– por fé – que pode encontrar na história da Igreja os sinais do amor de Deus
e as grandes obras da salvação por Ele realizadas? Se essa for a nossa atitude,
não podemos deixar de nos sentir estimulados a uma resposta mais coerente e
generosa, a um testemunho mais cristão de vida, para deixar os sinais do amor
de Deus também para as gerações futuras (BENTO XVI, 2010, p. 59).
A narrativa de Eusébio conigura-se a Bento XVI não apenas como idedigna, mas também como conduzindo à Verdade, com maiúscula, ou seja, em
sentido teológico. Mencionando o historiador e cardeal Jean Daniélou, o Papa
manifestou sua aprovação à teologia da História de Eusébio, no sentido de que
esta reconhecia a existência, como um conteúdo oculto, subjacente nas agitações humanas, da Providência de Deus; ao mesmo tempo em que sabia que a
contemplação do Mistério em si pode levar a perceber apenas um aspecto da
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Do valor das diferenças
A maior riqueza do homem é sua incompletude / Nesse
ponto sou abastado (...) Perdoai / mas eu preciso de outros
(BARROS, 1998, p. 79)
Constatar que as opiniões de Hoornaert e Ratzinger sobre a pessoa
e a obra de Eusébio de Cesareia são distintas porque são distintas as suas
referências, trajetórias culturais, intencionalidades e lugares de fala seria
apenas repetir uma banalidade. Creio, entretanto, que o cotejo destas duas
apropriações da igura deste ator-autor, de sua produção intelectual e legado,
cruciais na história do movimento cristão, coloca em pauta uma questão de
ordem teórico-metodológica que pode ser relevante para o reinamento do
tradicional campo dos estudos da antiguidade cristã.
Na abordagem da vida e obra dos atores-autores do movimento cristão
antigo, conforme testemunham não apenas os manuais que utilizei como fontes
informativas na primeira parte desta comunicação, mas também a imagem
que eu aí procurei compor, há uma tendência a incorrer facilmente em um
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realidade divina, porque, de acordo com a fé cristã, tudo o que Deus faz pelos
homens, Ele não pode fazer sem eles (BENTO XVI, 2010, p. 59).
Desta forma, Eusébio emerge aureolado da audiência papal: mestre em
moral e em doutrina, testemunha privilegiada de seu tempo, testemunha privilegiada da Igreja em seus primeiros passos, e, mais importante, testemunha da
ação do Deus que organiza a história, chamando o gênero humano a subsistir
em Sua Presença amorosa. Na fala de Bento XVI, Eusébio é caracterizado
não como um personagem distante, a ser criticado e superado, mas como a
um homem que, mesmo posto “(...) A tantos séculos de distância, também
hoje (...) convida os crentes, convida a nós, a maravilhar-nos, a contemplar na
história as grandes obras de Deus para a salvação dos homens” (BENTO XVI,
2010, p. 59-60). Mais ainda, Eusébio de Cesareia e sua História Eclesiástica
convidariam os cristãos contemporâneos “à conversão de vida. De fato, diante
de um Deus que nos amou desse modo, não podemos permanecer inertes. A
solicitação própria do amor é que a vida inteira seja orientada à imitação do
Amado” (BENTO XVI, 2010, p. 60). E, encerrando sua catequese, propôs o
bispo de Roma: “(...) Façamos, pois, todo o possível para deixar na nossa vida
um rastro transparente do amor de Deus” (BENTO XVI, 2010, p. 60).
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método ilológico-combinatório que se baseia na coniança dos estudiosos na
providencial complementariedade dos testemunhos do passado. Lemos o que
se diz sobre um autor ou uma obra em diversas autoridades sobre o assunto e
buscamos nelas os denominadores comuns, certos de que são base segura para
uma reconstituição verossímil de uma vida ou de um pensamento expresso.
Tentamos ultrapassar as interpretações; buscamos algo de estável, de seguro.
Isto, entretanto, não é inteiramente possível em se tratando de
conhecimento que se quer de acordo com os cânones da pesquisa histórica
respeitável, ou seja, que não seja simples manufatura de panleto, de caricatura
ou de romance histórico. Lendo com cuidado os argumentos de Hoornaert e do
Papa Bento XV, colocando-os como que contra a luz, não apenas se destacam
as suas singularidades, mas emergem dois peris de Eusébio de Cesareia que
não se pode honestamente conciliar.12 Podemos tentar reuni-los preenchendo
as discrepâncias que se apresentem com conjecturas e estudadas hesitações,
com advérbios e formas verbais mais cautelosas, procedendo como aqueles
restauradores de pinturas que entendem seu trabalho como um repintar, mais
ou menos drástico, que visa anular as marcas da passagem do tempo com um
colorido artiicial e anacrônico. Mas podemos também, talvez de maneira mais
proveitosa, encarar a diversidade de juízos contraditórios que se acumularam
sobre um autor e suas obras durante o passar de centenas de anos de leituras
não como um entrave, mas como um desaio, um chamado à realização de um
trabalho mais consciente. Não se pode escrever sobre, por exemplo, Eusébio de
Cesareia desconsiderando-se a história das sucessivas, convergentes e concorrentes interpretações a respeito de sua obra e pessoa, já que estas não fazem
parte menos efetiva de nossa possibilidade de conhecimento deste ator-autor
do que o próprio texto da História Eclesiástica que chegou até nós. Como
escreveu Claude Lefort, uma obra sempre nos dá mais para pensar no espaço
que lhe abre o pensamento dos outros (LEFORT, 1972, p. 24).
O que proponho, portanto, é uma leitura dos Padres da Igreja menos
ingênua, que esteja mais atenta às diferenças, às descontinuidades de sua
recepção do que aos denominadores comuns que nela se apresentam. Procedendo desta forma, estaremos em condição de traçar esboços mais ricos destes
autores e de suas obras, peris que se assemelhem àqueles quadros cubistas em
12
O texto fundador na abordagem desta problemática é o estudo de Arsenio Frugoni sobre a
caracterização do reformador e heresiarca Arnaldo de Bréscia (1105-1155) na documentação
que lhe foi contemporânea e imediatamente posterior (FRUGONI, 1954).
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que um rosto pode ser visto a um só tempo de frente e de peril. Esse empreendimento analítico, longe de implicar qualquer distanciamento ou diminuição do
legado destes pioneiros no diálogo entre o cristianismo e o mundo intelectual de
seus respectivos tempos, permite, ao contrário, o que se poderia chamar de uma
nova proximidade. Proximidade esta na qual temos a oportunidade de percorrer
ângulos até agora inexplorados em seu estudo, encontrando respostas inesperadas que apenas conirmam, por outras vias, a riqueza de seu legado.
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Referências
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EUSÉBIO
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CESAREIA
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COLETÂNEA Rio de Janeiro Ano XIV Fascículo 27 p. 13-43 Jan./Jun. 2015
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