Mercado de carbono pode trazer oportunidades para indústria nacional

Novo estudo traz à tona a urgência de se definir princípios que apresentem vantagens à política climática mundial

18 de novembro de 2023 às 0h21

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O Brasil tem uma série de oportunidades no mercado de carbono global segundo o estudo | Crédito: Adobe Stock

Na busca por uma transição justa e resiliente rumo a uma economia net zero, o Brasil, com sua matriz elétrica com fonte 95% renovável e abrigando cerca de 67% das florestas tropicais do mundo, entre outros fatores, tem uma série de oportunidades no mercado de carbono global e, ainda, de aumentar a competitividade da indústria nacional. Essa é a conclusão da terceira edição do estudo “Oportunidades para o Brasil em Mercados de Carbono”, realizado pela WayCarbon e a Câmara de Comércio Internacional, capítulo Brasil (ICC Brasil).

A pesquisa analisa os potenciais impactos do estabelecimento do mercado regulado brasileiro e do Carbon Border Adjustment Mechanism (em português: Mecanismo de Ajuste Fronteiriço de Carbono) da União Europeia (UE CBAM) na competitividade do Brasil. O CBAM é uma tarifa de carbono sobre produtos intensivos em carbono, como cimento e aço, importados pela União Europeia. Legislado como parte do European Green Deal, entra em vigor em 2026, com relatórios a partir de 2023.

O objetivo do mecanismo europeu é substituir as alocações gratuitas dadas aos exportadores, evitando que empresas europeias transfiram sua produção para países menos restritivos ambientalmente e melhorar a competitividade de seus produtos, além de estimular exportadores de países como o Brasil a reduzirem suas emissões.

Então, por isso, regular o mercado de carbono no Brasil protege o País dos efeitos desfavoráveis do EU CBAM e torna a indústria brasileira mais competitiva, ampliando a relevância do Brasil no contexto global.

De acordo com o COO da WayCarbon, Henrique Pereira, o estudo demonstra a urgência do Brasil acelerar a tramitação do Projeto de Lei 412/2022, que regulamenta o mercado de carbono no País. O projeto já foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente do Senado e a discussão passa, agora, para a Câmara dos Deputados.

A aprovação representa um passo importante. As definições criadas pelo EU CBAM podem impactar negativamente a economia brasileira com restrições e tributações, com perda de renda de até US$ 444,3 milhões com as exportações de produtos energo-intensivos, redução de 1,49% em relação a um cenário sem o CBAM.

“A necessidade do mercado existe. A partir de 2026 os setores cobertos pela legislação europeia vão pagar sobre o carbono. E isso acontece antes do nosso mercado começar a operar a partir de 2030. O PL indica a definição do mercado, mas não diz como funciona. O que é mais importante fica para regulamentação. O estudo contribui com subsídios para a regulamentação. A política nacional tem como objetivo defender os interesses do Brasil em múltiplos aspectos. O mercado não é o fim em si mesmo. Temos uma oportunidade de repensar o modelo de desenvolvimento do País. O mercado é uma ferramenta. Precisamos de inovação no setor privado e políticas públicas eficientes para que isso aconteça”, afirma Ferreira.

Assim, não basta um arcabouço legal. Poder público e iniciativa privada precisam investir tempo e dinheiro para que o Brasil concretize o seu potencial no mercado de carbono global e gere vantagem para a indústria na competição entre os países.

Além de aprovar o PL 412/2022 e regulamentar a nova lei por meio dos decretos pertinentes, o estudo sugere ao governo federal:

  • Implementar um sistema de precificação de carbono regulado (ETS) que garanta que haja isenção ou redução das taxas impostas pelo EU CBAM para os produtos exportados.
  • Estabelecer fases para a implementação do ETS de forma a: iniciar a implementação regulando os setores de combustíveis e indústria e ampliar o número de setores regulados; reduzir gradativamente o cap do ETS; incluir, inicialmente, compensações domésticas no ETS brasileiro dos tipos de projeto que forem elegíveis; e reavaliar periodicamente os impactos do ETS, a fim de garantir a efetividade da política de precificação de carbono.
  • Reciclar eventuais receitas de forma efetiva e justa, a fim de compensar o efeito distributivo negativo sobre a renda dos mais vulneráveis e em setores que terão a competitividade afetada pelo mecanismo de precificação, bem como para a realização de investimentos em descarbonização ou projetos de P&D.
  • Estudar a implementação de uma taxa sobre o carbono de produtos importados no País, concomitantemente ao estabelecimento do ETS no País, semelhante a outros mecanismos ajustes de fronteira.

Para a diretora-executiva do ICC Brasil, Gabriella Dorlhiac, essa não é uma discussão nova no Brasil. A necessidade de ações concretas se torna ainda mais importante porque o contexto comercial entre os países vai demandar esse posicionamento.

“Hoje a gente tem uma série de quesitos junto ao mercado de carbono regulado. O Brasil quer retomar o seu papel de destaque nas negociações da COP e a entrega de um mercado regulado é importantíssimo para que isso seja possível. É importante que o Brasil entenda por que ele está fazendo o mercado de carbono de uma determinada forma, qual o melhor desenho desse mercado. Ele é uma ferramenta para chegar a uma economia de baixo carbono”, explica Gabriella Dorlhiac.

Os efeitos macroeconômicos de um CBAM dependem da forma como o instrumento é desenhado e analisado. Estudos de modelagem sugerem que o EU CBAM poderia resultar em um aumento no PIB da UE, de 0,2% até 2030 e de 0,4% até 2050, além de gerar cerca de 600 mil empregos adicionais. No Brasil, a introdução de mecanismos de precificação permitiria alcançar metas nacionais de mitigação com custos menores e afetaria diferentes agentes e setores da economia, principalmente os indicados anteriormente em que o país se destaca, além de estimular cobenefícios sociais, como inclusão social e geração de renda para comunidades locais, populações indígenas, ribeirinhas e/ou quilombolas.

“O UE CBAM obriga a comunicação das emissões agora e, a partir de 2026, o pagamento do imposto. Existe uma linha de atuação que são as empresas se preparando para fornecer os dados e entendendo quais os impactos possíveis do CBAM sobre as suas atividades. As empresas precisam entender que elas podem ganhar mercado porque outros países vão pagar mais para exportar, mas as empresas brasileiras também podem vir a pagar mais do que pagam hoje. E, ao mesmo tempo, a regulação tem que avançar incorporando essas mudanças”, destaca o executivo.

Enquanto o pagamento não começa e a tramitação do PL 412/2022 segue, a iniciativa privada também tem missões a cumprir para a criação de um mercado de carbono eficiente, justo e capaz de apoiar a indústria nacional.

As recomendações do estudo para as empresas são:

  • Priorizar a descarbonização considerando como uma estratégia urgente a ser implementada, independentemente e paralelamente ao processo de criação de um mercado regulado no Brasil.
  • Ampliar o esforço de redução e remoção das emissões de GEE investindo no desenvolvimento tecnológico e na inovação.
  • Para o caso dos atores da oferta de créditos de carbono, investirem em projetos que incluam a participação e gerem renda para populações indígenas e tradicionais, visando à inclusão de compensações no mercado regulado brasileiro.
  • Fortalecer o envolvimento do setor financeiro para aumentar a liquidez do mercado e as possibilidades de financiamento e mecanismos financeiros para projetos de descarbonização. Outros mecanismos financeiros devem ser desenvolvidos para reduzir o custo de capital dos entes regulados.

“A estrutura do mercado de carbono é extremamente complexa. Enquanto ela vai sendo construída, a demanda ambiental vai crescer. As empresas precisam rever a sua forma de produção. A ICC pode ajudar a pensar isso coletivamente. Precisamos olhar a parte de financiamento porque a demanda por novas tecnologias e materiais têm um custo. Se a política pública vem ou não, tem uma parte que é do setor privado. Existem setores que já fizeram grandes transformações, outros resistem mais, mas a gente vê as coisas andando. O mercado de carbono é uma janela, então, não podemos perder essa oportunidade. E aí o mercado financeiro se torna fundamental. Ele pode restringir o financiamento a algum projeto que não faça mais parte da lógica de investimento, assim como faz o due diligence. O setor financeiro também está procurando entender tudo isso. Quais outros produtos financeiros podem ser criados com os créditos de carbono e os créditos de biodiversidade. Tudo isso ainda está sendo elaborado”, destaca a diretora-executiva do ICC Brasil.

“Esse seria, então, um desafio de governança. As empresas devem entender que a descarbonização da produção e o mercado de carbono como ferramenta precisam estar no cerne do negócio. É uma questão de sobrevivência do negócio e dos setores. Por isso trabalhamos para educar conselheiros e executivos para construir essa governança”, completa o COO da WayCarbon.

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