Imigração no Baixo Alentejo ameaça tornar-se um grave problema social

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O aumento de produção motivado pelos novos olivais está a trazer milhares de imigrantes para os trabalhos sazonais ANTÓNIO CARRAPATO

Milhares de romenos chegam nesta época para apanhar azeitona, sujeitando-se a condições infra-humanas. Há casos de fome e gente a procurar alimentos e roupas no lixo. Autarcas estão preocupados

Está a acontecer aquilo que Maria Ioannis Baganha, investigadora no Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, previra numa conferência sobre imigração realizada em Beja em Outubro de 2008. Com uma leitura premonitória da realidade da imigração no Baixo Alentejo, a investigadora lançou então um alerta para as consequências de uma elevada concentração de trabalhadores estrangeiros na região, que seria susceptível de gerar "tensões sociais e habitação precária". Ioannis Baganha chamou inclusive a atenção para as consequências de um previsível choque cultural, entre os naturais da região e os imigrantes.

Os primeiros a assumir a sua preocupação pela chegada de milhares de imigrantes, sobretudo romenos, são os autarcas. O presidente da Câmara de Beja, Jorge Pulido Valente, pressionado pela situação, reuniu na quinta-feira com um vasto leque de entidades para analisar a dimensão do impacte que a presença da comunidade romena estaria a causar nas aldeias do concelho.

"A situação não é pior do que em anos anteriores, mas continuamos preocupados", vincou o autarca, depois do encontro em que participaram, entre outros, representantes da GNR, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e da Caritas. Este movimento sazonal, que começou a verificar-se no final da última década, decorre do aumento da actividade económica regional, cujas necessidades, disse Pulido Valente, "não podem ser satisfeitas com a mão-de-obra local".

Por outro lado, os níveis de retribuição salarial para a "dureza da tarefa que os imigrantes desempenham são relativamente baixos", com implicações na sua qualidade de vida. O resultado são situações de extrema pobreza, como as que se registam na freguesia de Baleizão, onde, referiu Pulido Valente, foram detectados "casos pontuais de alojamento precário e situações sociais complicadas".

O autarca teme que o "papel positivo" que o trabalho sazonal está a desempenhar possa vir a revelar-se "negativo", se não houver o cuidado de enquadrar a avalancha de mão-de-obra imigrante, que vai crescendo de ano para ano, à medida que aumenta a produção de azeitona nos campos da região.

Também Francisco Palma, presidente da Associação de Agricultores do Baixo Alentejo, refere "queixas da população" acerca do aparecimento repentino de grupos de cidadãos romenos nas aldeias, afirmando que a situação pode vir a redundar num "problema social grave".

E deixa uma crítica: "Antes de lançarem a cultura do olival, deveriam ter acautelado a questão da mão-de-obra", aludindo a "redes mafiosas" que exploram os imigrantes. Esta acusação é corroborada por Alberto Matos, presidente da Associação Solidariedade Imigrante (Solim), que destaca o incumprimento dos contratos celebrados entre a entidade empregadora e as empresas que fornecem a mão-de-obra.

Teresa Caeiro, presidente da Caritas em Beja, confirma a existência de empresas de trabalho temporário que "não desempenham a sua função, não pagando aos trabalhadores" e retendo os seus documentos. Sem condições para subsistir, as vítimas deste tipo de ilegalidades recorrem à Caritas, a quem pedem dinheiro para regressar ao seu país ou auxílio para alimentos e roupa.

O presidente da Solim descreve a realidade que conhece. Nos supermercados, os romenos "apresentam-se andrajosos, causando mal-estar nas outras pessoas". Nos concelhos de Ferreira do Alentejo, Odemira, Serpa e Moura, entre outros, há muitos que "comem dos caixotes do lixo", uma realidade que choca as populações rurais.

Vêm das zonas mais recônditas da Roménia para ganhar o salário mínimo e "pagar o tributo às mafias no país de origem", que lhes retêm cá os passaportes, deixando-os em permanente dependência, refere Alberto Matos.

O presidente da Junta de Freguesia de Baleizão, Silvestre Troncão, confirma que as condições em que vivem os romenos de etnia cigana "não são as melhores". Segundo afirma, tem informações de que "ganham pouco e recebem ao dia". Nos supermercados, queixam-se os proprietários, estão a aumentar os roubos de alimentos, atribuídos aos imigrantes.

O "desconforto" dos locais

Até há três ou quatro anos, a apanha da azeitona em Baleizão era assegurada pelos locais. Com o aumento da produção provocado pelos novos olivais, "o recurso à mão-de-obra estrangeira tornou-se um mal necessário, senão a azeitona não era apanhada". Esta, diz Silvestre Troncão, é a explicação que lhe é dada pelas entidades a quem recorre em busca de soluções para uma realidade que "desconforta" a população da freguesia.

No dia 14 deste mês, numa operação conjunta da GNR, Autoridade para as Condições de Trabalho e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, foram contabilizados 214 romenos só na zona de Baleizão, 18 dos quais não tinham documentos. "Ninguém previu isto", queixa-se Silvestre Troncão, frisando o impacto da chegada, de um dia para o outro, de mais de 200 pessoas a uma comunidade onde residem 900. Os "efeitos fazem-se logo sentir" no aumento desmesurado do lixo e no receio de que possa haver conflitos entre as comunidades. "Felizmente ainda não aconteceu", referiu o autarca.

O PÚBLICO visitou uma habitações onde vivem 16 pessoas, em péssimas condições. "É para poupar dinheiro", justificou uma jovem romena que vive em Beja há dois anos e fala razoavelmente português.

Muitas vezes, depois de passarem alguns meses em Portugal, seguem para Espanha, França ou Suíça, países onde encontram trabalho noutras tarefas sazonais.

Mas há também os que cá ficam mais tempo. Primeiro vão para a apanha do melão, depois para as vindimas. Segue-se a apanha da azeitona e a limpeza dos olivais. Alguns prosseguem na campanha dos morangos e framboesas, recomeçando o ciclo com o melão.

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