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o INDIZíVEL NO PENSAMENTO INDIANO: A SABEDORIA QUE ULTRAPASSA OS CONCEITOS Roberto de Andrade Martins O paradoxo na tradição dos Vedas Na literatura sagrada indiana, quando os sábios buscam o princípio de toda a realidade, desde a tradição mais antiga (os Vedas) até as Upeniseds, surgem com certa frequência afirmações que parecem absurdas ou paradoxais. Isso ocorre principalmente quando estão se referindo à Realidade Ultima, que é denominada Brahman a partir do período das Upenieeds, ou ao seu equivalente dentro de cada ser humano, o Eu ou ãtman. Um primeiro exemplo que vamos analisar é o NãsadTya 5úkta (hino 129 da décima menasts do Rgveda), às vezes denominado "Hino da Criação", que descreve o processo de surgimento de tudo aquilo que existe. Esse hino começa afirmando: "Então não havia o inexistente, nem havia o existente". Esta frase desperta a atenção tanto pelo seu caráter paradoxal quanto pelo nível de abstração. Devemos levar em conta que o Rqved« foi composto no século XV a.c. ou (o que é mais provável) vários séculos antes disso (Bianchini, 2012a). Para efeito de comparação, Tales de Mileto - talvez o primeiro filósofo pré-socrático do mundo grego - viveu aproximadamente entre 624 e 546 a.c., isto é, no mínimo oito séculos depois da elaboração do Rgveda. Vejamos as duas primeiras estâncias do Nasadiya Súkts: nãsadãsln no sadãsít tadãnirn nãsíd rajo no vyomãparo yat I kimãvarlvan kuhakasvasarrnannambhah kimãsldgahanarh gabhlrarh II 1 II na mrtyurãsid arnrtarn na tarhi'na rãtryã'ãhna'ãasltprake'tal) I ânldavãtam svadhayã tadekarh tasmãddhãnyannaparal) kifícanãsa II 2 II Elas podem ser assim traduzidas (Panikkar, 1989, p. 58; Muir, 1872, vol. 5, pp. 356-357; Bose, 1966, pp. 302-305): 1. Então não havia o inexistente, nem havia o existente; não havia atmosfera, nem o céu além dele. O que envolvia? Onde? Em que receptáculo? Havia lá água, um profundo abismo? 2. Então não havia morte, nem não-morte; não havia distinção entre dia e noite. Aquele um (ekaril) respirava, sem respirar, por si próprio. Não havia nada diferente dele, ou acima. o início da primeira estância pode ser assim decomposto em palavras: "na asat ãslt na u sat ãslt tadãnTm", onde a palavra sat significa o ser, o real, o existente, e a palavra asat (que é sua negação) significa o não-ser, o irreal, 85 84 \ \ o inexistente (Monier-Williams, 1979, pp. 118, 1134). Portanto, estão sendo realmente utilizados dois termos altamente abstratos, nesse hino. Todos os tradutores e comentadores concordam sobre o significado da primeira frase: "Então não havia o inexistente, nem havia o existente". O início da segunda estância também contém uma contradição: "Então não havia morte nem não-morte". O texto em sânscrito, decomposto em palavras, "na miyur ãsTtarnrtyarri na tarhi", onde as palavras centrais são mttvu, que significa morte, e sua negação emityu (ou ,amrtya) que significa não-morte ou imortalidade (Monier-Williams, 1979, pp. 82~827). .'. .• De acordo com a lógica clássica (Wright, 1995, p. 20), nao existe uma terceira possibilidade além do existente e do não existent~, ou da morte e da não-morte (tertium non datur), portanto as duas afirmaçoes deste hino que dest,acamosacima são absurdas. ,_ ' " E fácil encontrar outros exemplos de afirmaçoes paradoxais nos Vedas. Outro exemplo aparece no "Hino do Homem", ou Puruse Sükta (R9veda X.90.5), que afirma que vtrêj nasceu de Puruse, e depois Puruse nasceu de Virãj (Panikkar, ,1989, p: 75; Muir, 1872, vol. 5, p. 369; Bose, 1966, p. ,285; Rao 2008 p. 44). Não vamos aqui analisar em profundidade o Significado des~es dO{s termos-chave, Virãj e Puruse; basta indicar que Virãj, palavra que pode ser traduzida como "Governante", é o nome" de um ser divino; e Puruse, que pode ser traduzido como "homem", é também neste hino um ser sobrenatural (Monier-Williams, 1979, pp. 637, 982). Interpretando-se essa afirmação literalmente, concluiríamos que Puruse é avô de si próprio, o que é impossível. ., . . . .Não éapenas nas obras religiosas indianas mais antigas que aparecem tais paradoxos. Nas Upenlseds, textos filosóficos e especulativos posteriores (os mais antigos dos quais são anteriores ao surgimento do Budisrno), os aparentes "absurdos" também são frequentes, como na Katha Upenised (1.2.20), que descreve o ãtman (o Eu mais profundo) como sendo "~~nor do que o menor (al)ol) aI)Tyãn), maior do que o maior (mahatal) mehivên)" (GambhTrãnanda, 1987, p. 57; ). e: o impensável ou indizível mais cho,cante- aquilo que é 'completamente diferente' [ ... ], aquilo que está muito alem da esfera do usual, do inteligível e do familiar [ ... ]" (Otto, 1923, p. 2?). A. impossibilidade de compreender racionalmente a manifestação religiosa e um de seus elementos essenciais, segundo Rudolf Otto: o objeto verdadeiramente 'misterioso' está além de nossa apreensão e compreensão, não apenas porque nosso conhecimento tem certos limites irremovíveis, mas porque nele nós chegamos a algo que é 'totalmente diferente', cujo tipo e caráter são incomensuráveis com o nosso e diante do qual nós, portanto, recuamos com um espanto que nos atinge tornandonos mudos e congelando-nos. (Otto, 1923, p. 28) Mircea Eliade, por outro lado, enfatizou em várias de suas obras a existência de paradoxos em toda experiência religiosa, dando exemplos da coincidentia oppositorum, ou seja, da identificação entre os opostos como um elemento importante nas religiões (Saliba, 1976, pp. 57,62,172-173). Assim, levando em conta os conhecimentos de que dispomos sobre a fenomenologia da vivência religiosa, não devemos nos espantar com o surgimento dessas contradições e paradoxos nos textos indianos. É interessante notar que esse aspecto aparece de forma explícita e consciente em várias das análises apresentadas nas Upeniseds. _ Um conceito sânscrito central para nossa discussão é acintya, a negaçao do termo cintya que significa aquilo que deve ser pensado, concebido ou imaqinado (f\)onier-Williams,1979, p. 398). Assim, acintya significa aquilo que e inconcebivel, que ultrapassa o pensamento (Monier-Williams, 1979, p. 9). No contexto do pensamento indiano tradicional, acintya é não apenas um termo genérico para o impensável ou inexplicável, mas uma palavra que denota o Divino, pois diz-se que a mente não pode conhecer o inefável (Grimes, 1996, p. 9). Podemos ver este uso do termo na Maitr'j Upenissd, onde se fala a respeito de Brahman, o substrato comum a todas as divindades: Tu és Brahmã e realmente tu és ViféIJU,tu és Rudra [Siva] e tu és Prajãpati; tu és Agni [o Fogo], verune, Vãyu [o Vento], tu és Indra e tu és Candra [a Lua]. [ ... ] Tu és tudo, tu és o imperecível. Todas as coisas existem em ti em muitas !ormas, para seus fins naturais. Senhor do universo [Visvesvara], saudaçoes a ti, o Eu de tudo [visvãtman], aquele que faz tudo, aquele que desfruta de tudo [ ... ] Saudações a ti, que tens o poder de ocultar, o incompreensível [acintyaJ, aquele que não tem medida, que não tem início nem fim. (Maitri upenisea V.1; Radhakrishnan, 2009, p. 814) Todos esses exemplos podem trazer certa perplexidade. Será isso uma indicação de que os antigos pensadores indianos não eram capazes de pensar de forma lógica? Essa não parece ser uma interpretação adeq~ada. Os pensadores indianos se preocuparam em desenvolver uma teona do conhecimento e da argumentação, que inclui a análise lógica dos argumentos válidos. Vários séculos antes da era cristã, já existia uma tradição de debates filosóficos (descritos em algumas das mais antigas Upeniseds), e parece ter sido a partir disso que se desenvolveu a análise dos argumentos; um pouco antes ou pouco depois do início da era cristã, já existiam importantes manuais sobre o assunto (Matilal, 1998, p. 2). O que, então, podem significar essas contradições lógicas que encontramos em textos saqraeíos da tradição indiana antiga? Autores ocidentais do século XX, como Rudolf Otto e Mircea Eliade, indicaram o paradoxo, a dificuldade ou impossibilidade de expressão racional, como um dos elementos do sagrado. Uma das características da experiência do numinoso, para Otto, é a de estar diante de um mistério. "Tomado ~o sentido religioso, aquilo que é 'misterioso' é - para lhe dar talvez a expressao A mesma Upenised esclarece que essa realidade impensável não é inatingível: ela pode ser vivenciada pela pessoa que consegue ultrapassar as limitações de sua mente: Aquilo que está além da mente [acitta], que está no meio da mente o impensável [acintya], o oculto, o mais elevado; que a pessoa funda su~ mente [citta] ali [ ... ] (Maitri Upenised VI.19; Radhakrishnan, 2009, p. 831) O pensamento indiano não pode ser compreendido sem se levar em conta sua dimensão prática: ao falar sobre essa realidade incompreensível, as escrituras antigas indicam, ao mesmo tempo, a possibilidade de atingi-Ia. A 86 87 Realmente, no início, este mundo era Brahman, o infinito [ ... ]. Este Eu supremo [paramãtman] é inconcebível [anühya], ilimitado, não nascido, que ultrapassa o raciocínio [atarkya], impensável [acintya], cuja essência é o espaço. (Maitri Upenised V1.17; Radhakrishnan, 2009, p. 829-830) \ filosofia é inseparável da prática (Yoga) destinada a permitir essas vivências. Mãl)ç/ükya Upenised - introdução Vamos analisar a seguir a Mãf)çJükya Upenised, que é um texto muito curto (apenas 12 parágrafos). A Mãf)çJükya é considerada urna das mais recentes das Upeniseds "clássicas" (as que foram comentadas por Sankaracarya), tendo sido escrita talvez no início da era cristã (Cohen, 1999, p. 139). A Muktikã Upenised, que contém a Iistagem das 108 Uperuseds tradicionais, afirma que a Mãf)çJükya, sozinha, é suficiente para se atingir a libertação espiritual (mukti ou mokse) (Joshi, Bimali & Trivedi, 2006, vol. 2, p. 497; Aiyar, 1980, p. 3). Como outras Upeniseds, o tema central da Mãf)çJükya é a tentativa de esclarecer a natureza do ãtman (o Eu mais profundo) e de Brahman (a realidade absoluta), e para isso ela aborda dois tópicos: o mantra Otn, e os estados de consciência: (1) o estado desperto, (2) o estado de sono com sonhos, (3) o estado de sono sem sonhos... e o quarto estado (caturtha ou turJya). Veremos que ao abordar essa quarta possibilidade a Mãf)çJükya Upenised introduz paradoxos, e comenta sobre sua natureza. Vamos apresentar, a seguir todo o texto da Mãf)çJükya Upenised (Radhakrishnan, 2009, pp. 695-705; Nikhilãnanda, 1987, pp. 7-80; Gambhirãnanda, 1979, pp. 3-56; Varenne, 1972). Discutiremos especialmente seu parágrafo 7, que é o mais importante sob o ponto de vista do tema abordado neste artigo. omityetadaksaramidam sarvarn tasyopavyãkhyãnarn bhavadbhavtsvadttl sarvamorikãra eva I yaccãnyattrikãlãtitarn tadapyorikãra eva II 1 I! bhütarn 1. Om, aquele imutável (aksara), é tudo o que existe. O que foi, o que é e o que será, tudo é realmente a sílaba Om (orn-kãra); e tudo o que não está submetido ao tempo triplo (trikãla) é também, realmente, a sílaba Om. A sílaba Orh,representada pelo signo especial ;jjJ (que não segue as regras usuais.daescrita devanãgarJ), aparece desde a literatura védica como um sírnbotosaqrado supremo. Ela não tem um significado conceitualmente inteligível. E o equivalente sonoro da realidade última e, ao mesmo tempo, um meio pelo qual esta realidade transcendente é alcançada (Klostermaier, 1994, p. 78). O Om é utilizado no início e no fim de todo hino e também de todo ritual religioso; tudo chega a uma conclusão com o.Om, Ele é aqui caracterizado como eksere, imutável, eterno, imperecível, inalterável, representando assim a realidade que está além dos fenômenos será afirmado no parágrafo seguinte. Essa mutáveis, que é Brahman,como realidade faz parte do universo submetido ao tempo triplo (passado, presente, futuro), mas também é aquilo que está fora do tempo (atemporal, eterno). sarvarn hyetad brahmãyamãtmã brahma so 'yarnãtrnã catuspãt II 2 II 2. Na verdade, tudo isso é Brahman; e sem. dúvida este ãtman é Este ãtman tem quatro condições (pãda). .. Brahman é a realidade absoluta considerada corno.taquilo" (tat), algo externo a nós, superior a tudo o que existe. O êtmen é a essência interna da pessoa, o Eu mais profundo, que se diferencia do corpo, das forças vitais, dos órgãos de ação e dos sentidos, da mente, de tudo o que vivenciarnos e Brahman. 88 daquilo g~e nos lembramos, algo permanente, inalterável, que é o núcleo da5onsClepCla. Um dos mai~ profundos ensinament.os ?as Upeniseds é que ou seja, que cada um de nos e, essencialmente, a o atman e Brahman, realidade a.bsol~ta ,-. e que ISSOpode ser vivenciado. Não se trata de uma mera doutrina filosofica e sim um resultado proveniente de uma experiência que pode ser. repetida e corroborada pelas pessoas que se esforcem e qu~ srqarn o c~ml,nho adequado para atinqir essa vivência. E o caminho para atinqí-la nao e atr~ves da razao, e sim superando os limites do pensamento. Para explicar o mo~o de chegar a isso, a Mãf)ÇJükya Upenissd c~meç~ e~~larec.endoque o at,!,an tem quatro condições (pãda). A palavra pada significa, Iiteralme.nte., pe, pata ou perna (Monier-Williams, 1979, p. 617). No pensamento indiano, e comum encontrarmos a decomposição de cei):os conceitos em quatro partes, utilizando a comparação com um quadrupede (um~ vaca, por exemplo). Nessas análises, geralmente os quatro aspectos sao separados em um grupo de três pãdas que manifestam ~ertas semel~anças, e o quarto aspecto que é diferente dos demais. Em um Impo~ant~ hl~o do Rçvede (1.164.28, 45), a palavra ou fala divina, Vãc, é ~escn~? pnmelrament,e como um. bezerro, e depois são descritas suas quatro pata~ . De forma analoga, no Hino do Homem (Rgveda X.85.40) Purusa é descrito ~omo possuindo qu~tro "patas". No período das Upanisad;, o quarto aspecto e geralmente considerado como superior aos outros três (Cohen 1999, p. 139). ' Mãl)ç/ükya Upani~ad- os três primeiros estados Os parágrafos seguintes vão condições do ãtman. descrever os quatro jãgaritasthãno bahlf prajfiah saptãnçah ekonavtmsatrmukhan sthOlabhugvaisvãnaraiJ aspectos ou pratharnah pãdah II 3 II . 3. O estado desperto Uãgarita-sthãna), conhecedor (prajna) dos objetos externos,. que t~m sete membros e dezenove bocas, e cujo domínio é o mundo da manlfest~çao grosseira, é a primeira condição, veisvõnere. A palav~a sthana representa o ato de ficar, de permanecer em certo lugar de modo firme, es~a~ionário;'podes~r também uma posição ou postura, u_m ~sta~o,. ~ma condição (MonJer-Williélms, 1979, p. 1263). A' palavra jeçerite Significa desperto, ejãgara pode representar tanto o estado desperto quanto aquilo que se ve ou percepe nesse estado (Monier-Williams, 1979, p. 417) ..N~ss: estad~, a pessoa esta voltada para o exterior, captando o mundo constltuído pelos cmc?,e!ement~s w.osseiros (éter; ar, fogo, água, terra), A ~91<:vra veusveners ,Significa aquilo que se relaciona a todos os ho~ens iv,svC/-""qra),. o que e comum, geral. No período vêdíco, era uma deslg.naça~ para a dívíndade Agni (o Fogo), que pertence a todos os homens (r:'10nJer-Williams, 1979, p. 1027). No estado desperto, uma pessoa está diante do mundo e~ter/lo, que é comum a todos os homens. _~ comenta rio de Sankarãcãrya (Niknliãnanda, 1987, p. 14; Gam~hlranandc:, 19?9, p, 102 e~c1areceque os sete membros (saptãnga) aqui mencionados sao uma r~erenCla a u~a p'a~sagem da Chêndoqye Upenised (,!.18;~) que Co~para ? êtmen a Agm vetsvenere indicando urna correlação simbólica que nao precisernos detalhar aqui. O mesmo comentário interpreta 89 \ as dezenove bocas como sendo as portas que estabelecem o contato entre os cinco a pessoa e o mundo externo: os cinco sentidos (buddhindriyas), órgãos de ação (karmendriyas), as cinco forças vitais (prãf)a), a mente (manas), a sabedoria (buddhi), a individualidade (ahamkãra), o pensamento (citta). Outras Upenised mencionam catorze órgãos (escluindo as cinco forças vitais), como por exemplo a Servopenisetsêre (Deussen, 1966, p. 299) e a Subãla Upenised (Radhakrishnan, 2009, pp, 868-873). Esses detalhes não têm grande importânçia, e talvez a interpretação não seja exatamente esta, que foi atribuída por Sarikara. svapnasthãno 'ntah prajfiah saptãnqa ekonavtmsatimukhah praviviktabhuktaijaso dvítiyah pãdah II 4 II 4. O estado de sonho (svapna-sthãna), o conhecedor dos objetos internos, que tem sete membros e dezenove bocas, e cujo domínio é o mundo da manifestação sutil, é a segunda condição, taijasa. Svapna pode significar o ato de dormir, o sono, a preguiça, e pode também indicar um sonho (Monier-Williams, 1979, p. 1280). No contexto da Mãf)çJükya Upenissd, devemos considerar este último significado como mais adequado. Em oposição ao estado desperto, em que a pessoa estava voltada para fora, no estado de sonho a pessoa se volta para o interior. Em vez de estar em contato com os objetos materiais, está em contato com os objetos sutis (pravivikta). A palavra pravivikta pode significar fino, delicado, sutil, ou também aquilo que está isolado, separado, solitário (Monier-Williams, 1979, p. 692), sendo especialmente adequada para designar aquilo que é percebido durante um sonho. Este segundo estado é denominado taijasa, que significa brilhante luminoso (constituído por tejas, luz) (Monier-Williams, 1979, p. 455). yatra supto na kaficana kãrnarn kãmayate na kaficana svapnam pasyatl tatsusuptam I susuptasthãna eklbhútah prajããnaçhana evãnandamayo hyãnandabhukcetomukhal) prãjriastrtlvan pãdah II 5 II 5. Quando aquele que dorme não deseja nenhum objeto n..;fn vê nenhum sonho (svapna), cujo domínio é o mundo do sono profundo (supta) no qual a experiência se torna unificada, que é um conhecimento informe, que tem a experiência da beatitude (ãnanda), é o caminho que leva ao conhecimento' dos dois outros estados, esta é a terceira condição, prãjfía. Supta é uma palavra associada a svapna: ambas são derivadas do verbo svap, dormir. Supta significa o ato de dormir, aplicando-se especialmente ao sono profundo (sem sonhos) (Monier-Williams, 1979, p. 1230). Neste parágrafo, o texto esclarece que nesse terceiro estado (trtiyapãda) a pessoa não tem desejos nem sonha, o que o distingue claramente do segundo estado. Normalmente, consideramos o sono profundo, sem sonhos, come um estado vazio, de inconsciência. No entanto, a Mãf)çJükya Upenised mdice características muito especiais e pouco usuais deste estado. Ele está associado Nas Upeniseds, qhen: a um conhecimento informe (prajfíãna-ghana). costuma significar "nada além de", ou meramente. Por isso, a expressãe prajfíãna-ghana significa mero conhecimento, nada além de conhecimentr (Monier-Williams, 1979, pp. 376, 659), ou um conhecimento que não apont 90 para nada além dele próprio. Não é um conhecimento vazio, já que está acompanhado pela experiência da beatitude (ãnanda). O conceito de ãnanda é fundam_ental nas Upeniseds, sendo um dos atributos de Brahman (Bianchini, 2012b). Ananda é uma felicidade plena, na qual não existe mais desejo porque se atingiu um estado de completamento, no qual nada mais está faltando. Esse terceiro estado é designado aqui como prêjiie, que significa inteligência, conhecimento, sabedoria. Essa estranha caracterização do estado de sono profundo, sem sonhos, será esclarecida mais adiante. Cada um dos três primeiros estados de consciência está descrito em um parágrafo. Esperaríamos que, logo em seguida, apareceria a descrição do quarto estado. No entanto, o parágrafo seguinte (Mãf)çJDkyaUpenised 6) não tem uma referência muito clara. Há duas interpretações distintas a respeito dele: poderia ser uma continuação do parágrafo anterior (5), que descreve o terceiro estado (tritiya); ou poderia ser uma introdução ao parágrafO seguinte (7) que apresenta o quarto estado (Wood, 1992, pp. 3-4). e$a sarvesvara esa sarvajfia eso 'ntarvãmvesa yonil) sarvasya prabhavãpyayau hi bhOtãnãm II 6 II _. 6. Este é o governante (l5vara)de tudo; este é aquele que conhece tudo, é o controladorintêrno; é a fonte de tudo; é a fonte de todas as coisas e em que elas finalmente desaparecem. Isvere é um termo que significa governante, regente, rei, senhor (Monier-Williams, 1979, p. 171). No contexto religioso Hindu, é aplicado à divindade (deva) qL1~seja considerada superior às outras,ogovernante do universo ede todas as coisas. Não é uma designação de uma divindade específica, mas um nome aplicado a qualquer deva que seja consideradosupremo (por exemplo, Silla ou. Vi$f)u)~Não é um sinônimo de Brahman, que é uma realidade impessoal;-l5vara é uma divindade considerada como pessoal e providencial. Na tradição indiana/as funções cósmicas divinas mais importantes são acriação, a sustentação e a dissolução do universo. Este parágrafo menciona que Isvere é a origem de todas as coisas e que tudo se dissolve nele, no final. No entanto.i.a Mãf)çJükya Upenised não está procurando explicar o cõnhecímento cosrnolóqico e sim o Eu (ãtman) e seus estados. Por que, então, mencionar o Governante? Porque existe o correlato interno de 15vara , associado ao sono profundo. Desse estado brotam os outros dois, e depois eles se dissolvem no sono sem sonhos. Nesse estado não há conhecimentos internos ou externos, mas há um conhecimento informe, e esse estado permite adquirir conhecimento a respeito do controlador interno e daquele que conhece, ou seja, a própria consciência sem conteúdos. Permanece, é claro, o mistério de como seria possível ter consciência do estado de sono sem sonhos; mas ainda precisamos postergar esse esclarecimento. MãQçJükya Upenised - o quarto estado O próximo parágrafo, o mais longo desta Upenised, descreve o quarto estado: nãntah prajfiam na bahih prajfiarn nobhayatal) prajfiarn na prajfiãnaqhanarn na prajfiam nãprajfiam I adrsyamavyavahãryamagrãhyamaJak$aQamacintyamavyapadesyam 91 \ ekãtmapratyayasãram prapafícopasarnam sãntarn sívarnadvattarn caturtharn manyante sa ãtmã 5a vijneyal) II 7 II 7. Nem conhecedor interno, nem conhecedor externo, nem conhecedor de ambos, nem um conhecimento informe, nem conhecedor; nem nãoconhecedor. Não pode ser visto, é impraticável, impossível de ser captado, indescritível, impensável, indefinível. A essência da consciência (praty?wa) do Eu (ãtman) uno, a aquietação do universo, o pacífico, o auspicioso (Siva) sem dualidades, é pensado como o quarto (caturtha). Este é o Eu (ãtman), este deve ser vivenciado: Nesta passagem, a Mãl)çJükya Upenised se refere ao quarto estado mental (caturtha ou turJya), que é diferente dos três anteriores: não é nem o estado desperto, nem o de sonho, nem o de sono sem sonhos. Porém, parece impossível existir esse quarto estado. Uma pessoa ou está desperta ou dormindo. Se está dormindo, está tendo sonho ou não está tendo sonho. Não parece haver uma ,quarta possibilidade. A própria ideia de um quarto estado é paradoxal. ,,' Ele é descrito inicialmente através de uma sequência de negações (descrições precedidas porria, que significa "não"): "ne-enteti prejiiem na behih prejãem nobhayatatj -orejiism ne prajnãnaghana((l na prajna((l naeprejiiem", ou seja: "Nem conhecedorinterho, nem conhecedor externo, nem conhecedor de ambos, nem um conhecimento informe, nem conhecedor, nem não-conhecedor". Mas essa sentença é contraditória, absurda; pois exclui todas as possibilidedes.. ." .' ,. Como nos outros casos que foram mencionados antes, tªjs paradoxos não são uma evidência da falta de lógica dos pensadoresIndtàhos e sim uma indicação de que, em certos pontos, eles querem indicar algo indizível, que não pode ser expresso claramente por palavras. Isso é explicitado a seguir, no texto, por uma sequência de palavras negativas (todas elas com o prefixo a-) :~'a-drSyam a-vyavahãryam a-grãhyam e-teksenem a-cintyam que poderíamos traduzir (utilizando o prefixo in-): ine-vvepedesvem", observável, in-praticável, in-captável, in-descritível, im-perisável, in-definível (sei que "incaptável" não existe, mas é uma construção compreensível). Esses adjetivos apontam para algo que está além do pensamento, que só pode ser compreendido de uma outra forma (não conceitual) e que exige uma' experiência ou vivência pessoal (vijnana) não racional. O aparente absurdo é um objeto de experiência. . O final deste parágrafo apresenta os aspectos afirmativos ou positivos desse quarto estado, que são os vários termos com final -((I que precedem. a palavra csturthem (o quarto): "ekãtmeprstvevesãrem prepeiícopesetnem sêntem sivemedveitem". , A primeira caracterização afirmativa é eka-ãtma-pratyaya-sãra. Eka significa um, a unidade, uma coisa una, indivisível; ãtman é o Eu mais interno; pratyaya pode significar convicção, certeza, ou aquilo que permite ter certeza (prova), podendo também significar a consciência (Monier-Williams, 1979, p. 673); e sãra significa poder, força, firmeza, energia, a substância ou essência dealqo, o ingrediente principal de alguma coisa (ibid., p. 1208). A expressão completa pode ser traduzida- por "a essência da consciência do Eu uno", enfatizando que o ãtman não tem partes e que seu poder essencial é a consciência. Prepeiice significa A segunda caracterização é prspeiics-upessme, manifestação, expansão, universo, mundo visível; upeseme significa ces- 92 sação,_-calma, aquletação (Monier-Wi-Iliams, 1979, pp. 207, 681). Assim, prapanca-upasama pode ser traduzido como um estado no qual o universo se aquieta. A três últimas características afirmativas do "quarto estado" são: s~n~a! que siqniftca tranquilo, calmo, liyre de ,paixões, em paz; sjva, que significa auspiooso, benevolente, e que e tambem o nome do deva Siva, que representa simbolicamente a consciência interna imutável; e advaita que significa sem du~lidade (Monier-Williams, 1979, pp. 19, 1064, 1074). ' Este paragrafo da Mã(lçJükyaUpenised termina afirmando "Este é o Eu (ãtman), este deve ser vivenciado". Portanto, neste quarto estado (caturtha) é possível ter uma vivência direta do ãtman, do Eu mais profundo, que é idêntico a Brahman. Atingir este quarto estado é de suprema importância dentro da tradição espiritual indiana. Mas, apesar de todos os esclarecimento~ apresentados no texto, ainda não está claro como pode existir ou o que significa na prática, essa vívência que é diferente do estado desperto, do estado d~ sonhos e do estado de sono sem sonhos. Procuraremos esclarecer isso mais adiante. Vamos, no entanto, prosseguir com a análise da Mã(lçJükya Upenised. Mãl)çlükya Upani!?ad - a sílaba sagrada Om Após se referir aos quatro estados, o texto retorna à discussão da sílaba sagrada Om, que tinha sido mencionada logo no início referindo-se também ao ãtman e a Brahman: ' 1. Otii, aquele imutável, é tudo o que existe. O que foi, o que é e o que será, tudo é realmente a sílaba Om (om-kãra); e tudo o que não está submetido ao tempo triplo (trikãla) é também, realmente, a sílaba Om, 2. Na verdade, tudo isso é Brahman; e sem dúvida este ãtman é Brahman. Este ãtman tem quatro condições (pãda). Ç'epois de falar sobre os quatro estados, a Mã(1çJükyaUpenised os associa a silaba Om: 'vamãtmâdhyaksaramonkâro 'dhlrnãtram pãdã mãtrã mãtrãsca pãdã akãra ukãro makãra iti 50 II 8 II 8. Esse mesmo ãtman que foi descrito é a imutável sílaba Om (onkãra), sob o ponto de vista das medidas (mãtra). As medidas são os aspectos, e 05 aspectos são as medidas, que são A (akãra), U (ukãra), M (makãra). Embora a sílaba Om não seja escrita CQ.lnO A-U-M, ela é analisada, em diversas Upenised, como se fosse composta por esses três fonemas 0.5 quais são associados a seguir com os três primeiros estados de consciên~ia: jãgaritasthãno varsvãnaro 'kãral) prathamã mãtrãpterãdimattvãdvãpnoti ha vai sarvãn kãrnãnãdtsca bhavati ya evarn veda II 9 II 9. O estado desperto, que é veisvênere, é a primeira sílaba A (akãra), por, per!:'1ear tudo ou por ser a primeira.' Aquele que sabe isso atinge a realização de todos os seus desejos e se torna o mais elevado. svapnasthãnastaijasa ukãro dvitiyã rnãtrotkarsãd ubhavatvãdvotkarsetl ha vai jfiãnasentattrn sarnãnasca bhavati nãsyãbrahmavitkule bhavati ya evarn veda II 10 93 II \ 10. O estado de sonho, que é taijasa, é a segunda sílaba U (ukara), por ser superior ou por estar entre as duas. Aquele que sabe isso atinge um conhecimento superior, é tratado de modo igual por todos e nenhum de seus descendentes deixa de conhecer Brahman. susuptasthãnah prãjõo rnakãrastrtlvã mãtrã miterapítervã minoti ha vã idam sarvamapttísca bhavati ya evam veda 11 1111 11. O estado de sono profundo tsusupte), que é prêjiie, é a terceira sílaba M (makara), porque é a medida de tudo e aquilo em que tudo se unifica. Aquele que conhece isto é capaz de captar a natureza de tudo e se torna tudo. O quarto estado de consciência não está associado a uma das partes da sílaba Om, e sim ao Om como um todo, conforme descrito no paráqrafo seguinte: arnãtrescaturtho 'vyavahãryal) prapeficopasarnan slvo 'dvaita evamorikãra ãtrnaíva samvtsatvãtmanãtmãnarn ya evarn veda I ya evam veda 111211 12. A ausência de medida (emêtre) ~ o quarto, impraticável, que ultrapassa o universo, que é o auspicioso (Siva) não-dual. Realmente, a sílaba Om (onkara) é o Eu (ãtman). Aquele que conhece isso une seu Eu com o Eu cósmico; aquele que conhece isso. Assim como o quarto estado de consciência é impraticável (avyavahãrya), a quarta parte da sílaba Om é também impraticável, pois são correspondentes. Captando a sílaba Om de uma forma não-dual se pode atingir essa vivência. Isso significa transcender sua divisão em partes. Da mesma forma, transcendendo a divisão dos estados de consciência, se atinge o quarto estado, que não é exatamente um estado, porque é algo que pertence a uma outra categoria de vivência. Os estados de consciência na tradição das Upenised A doutrina dos estados de consciência aparece de diferentes formas nas diversas Upenised, é possível que ela só tenha adquirido gradualmente o significado que aparece na Mãf)çJükya Upenissd. Na Bttisdêrenyek» Upenised (que é considerada uma das mais antigas) há um questionamento a respeito daquilo que ocorre à consciência durante o sono profundo: "Quando ele adormece, onde estava aquele homem que consiste em sabedoria, e de onde ele retorna?" (Deussen, 1966, p. 297). Nesta e em outras Upenised antigas, há menção ao estado desperto, ao estado de sonhos e ao de sono sem sonhos (ibid., pp, 297-299), mas não há referência ao quarto estado, nem há um esclarecimento detalhado sobre o sono sem sonhos. O estado desperto e o de sonhos são semelhantes: em ambos, ocorrem sensações e ações. No entanto, no estado desperto a pessoa está utilizando seus órgãos sensoriais e de ação para interagir com o mundo externo, objetivo (comum a todas as pessoas), e no sonho está interagindo com o seu mundo interno individual, subjetivo. O sonho parece tão real quanto o estado de vigília, enquanto estamos sonhando; e durante o sonho, não estamos cientes de que estamos sonhando. Quem é o Eu? Esta pessoa aqui, que consiste em sabedoria em 94 meio às forças vitais, a luz dentro do coração. Permanecendo e mesmo ele vaçueía nos dois mundos, parecendo pensar, parecendo se mover. Ao do'rmir ele transcende este mundo e as formas da morte. [ ... ] Quando adormece ele leva junto consigo o material deste mundo, ele o corta e utiliza para construir [um outro mundo]; ele dorme por seu próprio brilho, por sua própria luz. Nesse estado a pessoa se torna auto-iluminada. (Brhadãraf)yaka Upenissd IV.3.7,9; Radhakrishnan, 2009, pp. 256-257) Nestas escrituras mais antigas, o sono sem sonhos é descrito como um mero estado de descanso: Depois de ter desfrutado deste estado desperto, depois de ter vagueado e visto coisas boas e más ,ele retorna de novo ao lugar de onde partiu, o estado de sono (svapna). Assim como um grande peixe se move entre as margens de um rio, indo para cá e para lá, assim também esta pessoa se move entre esses estados, o de sonho e o desperto. Assim como um falcão ou qualquer outro pássaro, tendo voado pelo céu, se torna cansado, dobra suas asas e retorna ao seu ninho, da mesma forma esta pessoa se apressa àquele estado no qual não tem desejos e não vê sonhos. (Brhadaraf)yaka Upeniseo IV.3.17-19; Radhakrishnan, 2009, pp. 260-261) Em algumas das Upenised este estado de sono sem sonhos é descrito como uma fusão entre a pessoa e sua força vital (prãf)a): "Quando uma pessoa está adormecida e não vê qualquer sonho, ele se unifica apenas com a força vital (prãf)a)" (Kau$/taki-Brãmaf)a Upenised 1I!.3; Radhakrishnan, 2009, p. 777; Deussen, 1966, p. 307). Assim como um pássaro preso a um cordão voa para este lado e para aquele, e não encontrando outro lugar para repousar retorna ao ponto ao qual está atado, da mesma forma, meu senhor, a mente (manas) voa para este lado e para o outro, e não encontrando outro lugar para repousar: retoma ao prêoe, pois é ao prêns que a mente está atada, meu senho~ (Çhãndogya Upenised VI.8.2; Radhakrishnan, 2009, p. 456) Na Chãndogya Upenised, esse estado é considerado como próximo ao.aniquilamento: Quando uma pessoa está adormecida, serena, e não conhece sonhos, [ ... ] ela não conhece a si mesmo, não sabe que "eu sou ele", nem conhece as coisas aqui. Ela se tornou aquele que atingiu a aniquilação. Eu não vejo nada bom nisto. (Chandogya upentsed VIll.11.1; Radhakrishnan, 2009, p. 507) O sono sem sonhos e a vivência do ãtman O estado de sono sem sonhos parece uma fase de mera inconsciência que !;>ó percebemos ao despertar. No entanto, ao longo das Upenised, pode-s~ perceber uma gradual valorização desse estado, que é difícil de compreender, sob o ,(JQ;mtode vista de nossa psicologia ocidental. Em vez de ser um estado sem consciência, o sono sem sonhos é descrito como um estado de consciência pura, sem contaminação pelas vivências do estado desperto nem pelas dos sonhos: Esta, realmente, é a forma que está livre de desejos, livre de males, livre do temor. Assim como um homem abraçado à sua esposa amada não conhece nada fora ou dentro, di! mesma forma uma pessoa que 95 \ está abraçada por aquele Eu de sabedoria (prajfienatman) não conhece nada fora ou dentro. Essa, realmente, é sua forma na qual seu desejo é preenchido (apta-kama), na qual o Eu é seu desejo (atma-kama), na qual não há desejo (a-kama), livre de qualquer sofrimento. (Brhadaranyaka Upenised IV.3.21; Radhakrishnan, 2009, p. 262) Nos nossos estados usuais de consciência, nossa atenção está voltada para o exterior ou para os processos internos. Nossa mente está repleta de conteúdos provenientes das sensações, das lembranças, dos pensamentos, que produzem desejos, temores, sofrimentos e prazeres. De acordo com nossa concepção psicológica usual, nós nos identificamos com esses processos mentais; se eles cessarem, não resta nada, há um aniquilamento. No entanto, de acordo com o pensamento das Upenised, nosso Eu (ãtman) é algo que independe desses conteúdos mentais, é a testemunha, a consciência, o observador que está ciente desses processos. Mesmo quando esses processos cessam, permanece uma consciência pura, que pode estar ciente de si própria, sem que isso envolva um processo de pensamento. Este Eu mais interno é o próprio Brahman, o Absoluto, que' pode ser caracterizado como realidade-consciência-beatitude (sat-cit-ãnanda). A palavra ãnanda, normalmente traduzida como "beatitude", representa um completamente perfeito, uma felicidade completa, na qual nada falta (Bianchini, 2012b). As vezes, essa beatitude é comparada ao estado obtido na união amorosa; quando também se pode atingir um completamento perfeito, uma felicidade completa, na qual nada falta. A mesma Upani$ad deixa claro que este não é um estado de jpconsciência: Em vez de um estado de aniquilação, o sono profundo sem sonhos é descrito nas Upenised como sendo um estado de sabedoria (prãjna), de unificação, de conhecimento espiritual, de beatitude, de consciência. Identificado com Brahman, o Eu é descrito como o senhor de tudo, o guia interno, o berço do universo, a criação e dissolução de todos os seres (Deussen, 1966, pp. 308-309). Estar consciente no sono sem sonhos o leitor poderia ponderar que a descrição apresentada na seção anterior é interessante, mas não corresponde àquilo que ocorre quando temos um sono profundo, sem sonhos. Em vez de atingir tal estado supremo, simplesmente não temos consciência de nada e esse período parece apenas um intervalo de tempo totalmente vazio. Samuel Brainard, por exemplo, assim descreve esse terceiro estado: No terceiro nível, o do sono sem sonhos completamente inconsciente, a consciência não mantém sequer o dualismo interno sujeito-objeto do estado de sonho. Neste nível o eu não tem identidade disjuntiva nenhuma, nem sutil nem grosseira, material. Note que o nível do sono profundo se refere especificamente ao domínio desses processos incoscientes que, em seu conjunto, co-originam as realidade do estado desperto. No estado sem sonhos, o ser que capta os objetos do ponto de vista da experiência direta está totalmente adormecido. (Brainard, 2000, p. 141) ,r Realmente, lá ele não vê, mas ele está realmente vendo, embora ele não veja, pois não existe a cessação da visão do vidente, que é imperecível. Não há, no entanto, um secundo, nada separado dele que ele possa ver. (Brhadaranyaka Upenissd IV.3.23; Radhakrishnan, 2009, pp. 263-264) Para compreender melhor essa descrição, pensemos em uma pessoa que esteja em um quarto totalmente escuro. Não há nada que ela possa ver, mas ela não perdeu sua visão, e pode ter consciência de estar olhando, sem no entanto estar vendo qualquer conteúdo. A mesma Upenised se refere em seguida às outras sensações (olfato, paladar, tato, audição) e também ao próprio pensamento: Realmente, lá ele .não pensa, mas ele está realmente pensando, embora ele não pense, pois não existe a cessação do pensamento do pensador, que é imperecível. Não há, no entanto, um segundo, nada separado dele que ele possa pensar. (Brhadaranyaka Upenised IV.3.28; Radhakrishnan, 2009, p. 265) Há uma cessação de toda dualidade, por isso é impossível tanto ter sensações como até mesmo ter pensamentos. Realmente, quando existe um outro por assim dizer, então pode-se ver o outro, pode-se cheirar o outro, pode-se sentir o sabor do outro, podese falar ao outro, pode-se ouvir o outro, pode-se pensar sobre o outro, pode-se tocar o outro, pode-se conhecer o outro. Mas [no estado de sono sem sonhos] ele se torna como a água, uno, o vidente sem dualidade. [ ... ] Este é o objetivo mais elevado; este é o tesouro mais elevado, este é o mundo mais elevado, esta é a felicidade (ananda) mais elevada. As outras criaturas vivem de uma partícula desta felicidade. (Brhadaranyaka Upenised IV.3.31-32; Radhakrishnan, 2009, pp. 266-267) 96 Klaus K. Klostermaier considera que o estado do sono profundo e um estado de sem sonhos isusupti) "é um 'estado de bem-aventurança', unificação no qual o espírito não está mais espalhado por uma profusão de coisas objetivas e subjetivas, mas não existe consciência dessa unificação e bem-aventurança" (Klostermaier, 1994, p. 199). Segundo John Woodroffe, durante o sono sem sonhos a pessoa não está consciente de nada, mas ao despertar preserva apenas a noção: "Eu dormi feliz; eu não estava consciente de nada" (Woodroffe, 1950, p. 80). Estes e outros autores ignoram um aspecto essencial da análise dos estados de consciência das Upenised; a possibilidade de estar consciente durante o estado de sono sem sonhos. Alguns tratados técnicos de Yoga, como o Sive-Sútre e seus comentários, indicam a possibilidade de estar consciente de estar sonhando Uãgrat-svapna),assim como estar consciente de estar em um sonho profundo (jêqrst-susupti) : Este é o estado que vivenciamos quando perdemos a consciência tanto de nosso meio físico externo quanto de nosso meio interno mental. Por um momento, ficamos em um vazio completo, totalmente ausentes de nossa situação presente. O yogin pode permanecer neste estado de absorção por longos períodos de tempo, desfrutando a beatitude sutil da unidade, e por isso é denominado "bem desperto" (prabhudda). (Dyczkowski, '1992, p.33) Ou seja: os aspectos positivos que foram descritos a respeito do terceiro estado (sono sem sonhos) não são meras abstrações e sim descrições de vivências que podem ser obtidas por quem dispõe do treinamento adequado para entrar o estado do sono profundo sem perder o fluxo de sua consciência. 97 \ De acordo com as escrituras de Yoga citadas por Mark Dyczkowski, o yogin deve manter a consciência de sua própria natureza (ou seja, do seu Eu como observador ou testemunha) nos três estados (vigília, sonho e sono sem sonho), prestando atenção ao momento de transição .de um estado para o seguinte, à cessação de um estado de consciência e o início do seguinte (Dyczkowski, 1992, pp. 131-132). Somente levando em conta essa informação, torna-se possível compreender aquilo que as Upani$ad descrevem a respeito do 50n,O sem senhas. Esta técnica de Yoga, que perrnlte atravessar as mudanças de estado sem quebra da consciência, é o que torna possível ao praticante ter vivência a respeito do estado de sono sem sonhos, que não é uma mera ausência de consciência, ou vazio e sim uma vivência extremamente elevada de õrebmenÃtman. Sob o ponto de vista técnico, as vivências que podem ser obtidas nesse estado de sono profundo consciente são um tipo de samãdhi. Elas podem também ser atingidas de outras formas, através das práticas internas de Yoga (Martins, 2012, pp. 94-96). É impressionante que, já no século XIX, Paul Deussen conseguido compreender o significado deste quarto estado: Mais tarde, com o surgimento do sistema Yoga, ganhou reconhecimento um estado anímico do yoga que foi exaltado acima do sono profundo, pois esta união com Brahman e a beatitude suprema associada com ela, que se manifesta no sono profundo, à parte da consciência individual continuada que mantém sua memória mesmo depois do despertar, é vivenciada no yoga juntamente com a manutenção completa da consciência individual desperta. [ ... ] Esta supressão da consciência dos objetos e união com o eterno sujeito de conhecimento é trazida pelo Yoga e coincide com o despertar absoluto, sendo designada como o "quarto" estado do ãtman, ao lado do estado desperto, do sonho e do sono profundo. (Deussen, 1966, pp. 309-310) A interpretação do quarto estado não é evidente, e escapou até mesmo a diversos comentadores indianos, como Swami Nikhilanãnda, que afirmou: Apenas turiya é a realidade que subjaz a todas as experiências, a realidade que subjaz ao universo. É o universo em sua verdadeira essência. Assim como a tela que não se move e não está associada a nada dá conexão e continuidade às imagens descontínuas em um cinema, assim também o turiya sem atributos, imutável e semelhante a uma testemunha dá conexão e continuidade às experiências disjuntas do ego, naquilo que chamamos de nossa vida fenomênina. A vida não é possível sem o substrato de turiye, que é a realidade que permeia o universo. (Nikhilahãnda, 1947, p. 84) o 'quart:e.estado Ag,er.a, torna-se possível esclarecer .o significado do quarto estado, csturtn«, 'ou turtve. Embora a vivência consciente do yogin no estado de sono sem sonhos seja excepcionalmente importante, elaé apenas um estado passageiro, como ocorre também com .os diversos tipos de semõdni: O quarto estado, por outro lado, é a obtenção de uma situação contínua de vivência de Brahman-Ãtman, que é rnantlda durante a sucessão dos três estados (desperto, sonho, sono sem sonhos). A .consciência tndlvldual {e sua memória) é marittda de forma contínua; e nos três estados a pessoa consegue voltar sua atenção para- o seu Eu interno (o observador, a consciência, a testemunha), não se distraindo com as vivências externas e externas que estão presentes durante o estado desperto- e 'os sonhos. Essa concepção é expressa na Kaiva/ya Upemsed: Note-se que Swami Nikhilanãnda não percebeu qual é a vivência associada a turíya, dando-lhe uma interpretação puramente cosmológica e metafísica, sem conteúdo psicológico. O mesmo equívoco pode ser encontrado na obra de Swami Adiswarananda, que também utiliza a comparação com a tela de cinema (Adiswarananda, 2004, p. 18) e afirma: De acordo com o Vedãnta, o Eu de um indivíduo é distinto de todos os três estados de existência: vigília, sonho, sono sem sonho. Este Eu reside internamente e é aquele que experimenta os três estados, e no entanto permanece sem ser afetado por eles. O Eu foi descrito como turtye, ou o quarto, o substrato imutável de todos os três estados relativos de existência. Turiya é "ser", enquanto os três estados indicam diversos níveis de "tornar-se". [ ... ] O conceito de um Deus pessoal é a mais elevada leitura possível de turiya pela mente humana. (Adiswarananda, 2004, p. 18) Nos três estados de consciência, tudo o que aparece como objeto de desfrute, ou como o apreciador, ou como satisfação - Eu sou diferente deles, a testemunha (sãk$in), a pura consciência, à eterno Siva" (Kaiva/ya Upani~d 18; Radhakrishnan, 2009, p.930). O yogin se torna "completamente bem desperto" (suprebuddher quando vivencia o quarto estado também enquanto desperto, e consegue continuar a perceber seu Eu e funcionar no meio da diversidade, enquanto mantém uma consciência de sua verdadeira natureza consciente (Dyczkowski, 1992,p. 33). Embora esteja passando do despertar para o sonho e do sonho para o sono profundo, nesse quarto estado (turíya) ele mantém sua atenção fixa na 'beatitude, na luz brilhante do conhecimento puro. Mantendo-se no centro de tudo,essa consciência permeia os três estados. A consciência brilha como um relâmpago, livre de todo obscurecimento, ao longo da vida diária, quando o yogin consegue perceber o quarto estado como consciência e beatitude contínua, que é o próprio Siva, plenoe perfeito, dando vida aos três estados (Dyczkowski, 1992,.p. 158). Ramana Maharshi, grande mestre espiritual indiano do século XX, apresentou esclarecimentos bastante lúcidos a respeito do quarto estado: Turiya significa aquilo que é o quarto. Aqueles que vivenciam Uiva) os três estados - desperto, de sonhos e de sono profundo - e que são conhecidos como visve, taijasa e prajnã, que vagueiam sucessivamente nesses três estados, não são o Eu. É com o objetivo de tornar isso claro - ou seja, que o Eu é aquilo que é diferente deles e que é a testemunha desses estados - que ele é chamado de quarto (turiya). Quando isso é conhecido, os três vivenciadores desaparecem, e a própria ideia de que o Eu é uma testemunha, que é a quarta, também desaparece. (Maharshi, 2004, p. 36) sonhos]. 98 havia Existem apenas três estados, o desperto, o sonho e o sono [sem TurTya não é um quarto; é aquilo que subjaz a esses três. Mas 99 \ ADISWARANANDA, Swami. The Vedanta way to peace and happiness. Woodstock: SkyLight Paths Publishing, 2004. AIYAR, K. Narayaoasvami. 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(Venkataramaiah, 2006, pp. 331-332) Estes esclarecimentos nos permitem compreender a comparação que é feita na MaIJ(jiJkya Upenised, entre os três estados e os fonemas constituintes do Om, e com o quarto estado. No Om, os fonemas A, V, M se sucedem um ao outro, assim como os três estados de consciência se sucedem. O quarto estado não é algo que venha depois dos três, mas sim algo que passa a permear todos os três - uma consciência contínua do Eu - e é comparável, portanto, ao próprio som completo do Om, a vibração indivisa que integra em uma unidade os três fonemas constituintes. Comentários finais Vimos alguns exemplos de textos indianos tradicionais, do Veda até as Upenised, que apresentam paradoxos ou absurdos lógicos. Dedicamos uma atenção especial à MaIJ(jiJkya Upenissd, uma importante obra que analisa os estados de consciência e que introduz o "quarto estado" que não é, consciente do que está dentro, não é consciente do que está fora, não é csnscíente de ambos ao mesmo tempo, não é consciente do vazio, não é eonscíente, não é não-consciente. Tais paradoxos não são uma evidência da falta de lógica dos pensadores indianos e sim uma indicação de que, em certos pontos, eles querem indicar algo indizível, que não pode ser expresso claramente por palavras (evvepedeéve) e que, portanto, é impensável ou inconcebível (acíntya). Esses aparentes absurdos apontam para algo que só pode ser compreendido de outra forma (não conceitual) e que exige uma experiência ou vivência pessoal (vijnana) não racional. Na tradição indiana, a teoria filosófica não pode ser separada da prática (Yoga), que é o processo pelo qual se pode atingir aquilo que nãopode ser reduzido ao pensamento. Agradecimento O autor agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), cujo apoio foi fundamental para o desenvolvimento da presente pesquisa. Referências bibliográficas \ and Sankara's commentary.Calcutta: Advaita Ashrama, 1987. ono, Rudolf. The idea of the holy. An inquiry into the non-rational factor in the idea of the divine and its relation to the rational. Trad. John Wilfred Harvey. London: H. Milford, Oxford University Press, 1923. PANIKKAR, Raimundo. The Vedic experience - MantramaFíjari. An anthology of the Vedas for modern man and contemporary celebration. Delhi: Motilal Banarsidass, 1989. RADHAKRISHNAN, Sarvepalli. The principal Upanishads. Delhi: Harper Collins, 2009. RAO, Saligrama Krishna Ramachandra. Purusha Sükta. Text, transliteration, translation and commentary. Bangalore: Sri Aurobindo Kapãli Sãstri Institute of Vedic Culture, 2008. SALIBA, John A. "Homo Religiosus" in Mircea Eliade: an anthropological evaluation. Leiden: E. J. 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O presente trabalho, resultante de nossa pesquisa de Pós-Doutorado desenvolvida junto ao PPCIR/UFJF,versa sobre a história do Voga na India e suas concepções de corpo, através da análise de um de seus textos clássicos, produzido num período tardio de sua trajetória milenar: O Gherenoe Semhitê, um compêndio de posturas e práticas provavelmente datado do século XVII. A afirmação de que o texto é representante de um momento relativamente tardio na história desta tradição se deve ao fato de que a história do Voga remete aos primórdios da civilização indiana. Para o historiador das religiões Mircea Eliade, a própria história do Voga está diretamente associada à própria história da India, em virtude de seu ideal de libertação. Nas palavras deste autor, o Voga pode ser definido como: Um conjunto de técnicas que permitem ao homem realizar o si mesmo, fundir a sua consciência egóica, individual, com a mente universal. Desde sua origem, o problema central da filosofia é a busca da verdade, mas não a verdade para enaltecer o ego do filósofo, mas sim a verdade ~omo meio para atingir a libertação da ilusão. O fim supremo do sábio na India é a conquista da liberdade: "libertar-se equivale a impor-se outro plano de existência, apropriar-se de outro modo de ser, transcendendo a condição humana" (ELIADE, 2004, p. 20). Assim, a este conjunto de técnicas ou disciplinas que buscam a libertação da própria condição humana egóica e individual, pode-se chamar de Voga. Trata-se de um termo que envolve diversas técnicas e práticas em diferentes momentos históricos com este espirituais que se desenvolvem mesmo fim CGNERRE,2011). Embora este objetivo do Voga se mantenha o mesmo em diversos momentos de sua história, podemos identificar algumas variações importantes na maneira como se busca este ideal de libertação. Justamente em virtude destas diferentes características que a prática foi assumindo em diferentes momentos históricos, os estudiosos do Voga no ocidente estabeleceram uma periodização para a história do Yoqa?'. Segundo esta periodização, o texto do Gheranda Samhita faz parte de um período denominado pós-clássico. 91 Periodização estabeleci da essencialmente por autores ocidentais a partir das primeiras décadas do século xx, e que está presente nas obras de ELIADE (2004), FEUERSTEN (2005) e outros importantes autores. 102 103 João Marcos Leitão Santos ORGANIZADOR Comissão Científica Prof. Dr. José Oscar Beozzo - CESEP Prof. Dr. Edson H. Silva - UFPE Prof. Dr. Luciano Barbosa [ustino - UEPB Prof. Dr. Carlos Alberto Cunha Miranda - UFPE Prof. Dr. Marcelo Ayres Camurça Lima - UFJF Prof- .. Dr- Hulda Helena CoracÚlfa Stádler - UFRPE Prof. Dr. Paulo Donizéti Siepierski - UFRPE Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth- UMESP Prof. Dr. Sérgio Ricardo da Mata - UFOP Prof. Dr. Silas Guerriero PUC/SP Prof. Dr. Vasni deAlmeida UFT Prof. a Dr. a Elizete da Silva UEFS Prof» Dr," Leila Marrach Basto de Albuquerque UNESP Prof.' Dr.ÉriCo Arnaldo Huff Iúnior UFJF Prof= Dr;- Ester Fraga Vilas Boas Carvalho do Nascimento - UNIT Prof Dr. Antonio Carlos Magalhães Melo - UEPB Religião, a Herança das Crenças e as Diversidades de Crer EDITORA DA UNIVERSIDADE DI \ CAMPINA GRANDE FEDERAL ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES Presidente: Wellington Teodoro da Silva (PUC Minas) Secretário Geral: Vasni de Almeida (UFT) Secretário de Divulgação: Daniel Rocha (UFMG) Tesoureiro: Ítalo Domingos Santirocchi (UFMA) Apresentação Welington Teodoro da Silva _____________________________ 07 UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE FENÔMENOS RELIGIOSOS José Edilson Amorim - Reitor Vicemário Simões - Vice Reitor Ricardo Barosi Lemos- Pró-Reitor de Ensino Diretor do Centro de Humanidades - Luciênio Teixeira Idade Moderna: genealogia da História das Religiões entre Civitas e Religio _________________________________________ Adone Agnolin 11 O imaginário e as convergências profundas Carlos André Cavalcanti 27 Irreligião? Ou mutações religiosas conduzidas pela ciência? EduardoR. Cruz 41 A Teologia e as novas linguagens do falar religioso Manoel Bernardino de Santana Filho 55 Organizador: Dr. João Marcos Leitão Santos COMISSÃO EDITORIAL Prof. Dra. Juciene Ricart Apolinário UFCG Prof. Dr. João Marcos Leitão Santos UFCG Prof. Dr. Edson H. Silva - UFPE Prof. Dr. Lyndon Araujo Santos - UFMA Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth - UMESP Praf. Dr. Sérgio Ricardo da Mata - UFOP Prof. Dr. Silas Guerriero - PUC/SP Prof. Dr. Vasni de Almeida -UFT Prof. a Dra. Elizete da Silva - UEFS Prof. Dr. Arnaldo Huff Júnior - UFJF O que é o ser humano? Elementos de uma antropologia religiosa a partir do Candomblé __________________________ Volney Jose Bekenbrock O indizível no pensamento indiano: a sabedoria que ultrapassa os conceitos Roberto de Andrade Martins Diagramação e Edição textual Alisson Pereira Silva FICHA CATALOGRÁFICA ~ 69 FILOSOFIA E CULTURA ORIENTAL Arte Lays Anorina Barbosa de Carvalho R382 ÍNDICE ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFCG Religião a herança das crenças e as diversidades de crer / João Marcos Leitão Santos Organizador. - Campina Grande: EDUFCG, 2013. 238 p. : il. 85 O corpo é um Templo: história do corpo na tradição do Hatha Voga Maria Lucia Abaurre Gnerre · 103 A estrutura do pensamento oriental e sua relação com a filosofia ocidental Deyve Redyson 117 ISBN 978-85-8001-112-8 1. Religião. 2. Crença - Herança. 3. Diversidade Religiosa 4. Herança Religiosa. I. Título. 11.Santos, João Marcos Leitão. CDU2-1 EXPRESSÕESCATÓLICAS Intolerância e religiosidade na América Portuguesa: a resistência religiosa pela documentação da Inquisição Angelo Adriano Faria de Assis ' 05 133