quinta-feira, novembro 06, 2008

Precisávamos de Brasília?

por Sylvio Micelli

Quero deixar claro que nada tenho contra a cidade, seus moradores, sua história e arquitetura ímpar. Tenho amigos lá, físicos e virtuais. Lembremos, porém, o fato de que Juscelino Kubitschek entrou para a história brasileira como um de seus mais bem sucedidos presidentes. Pacato, como bom mineiro e populista como convém a todo "homem do povo", JK foi o homem certo na hora certa. Vivíamos a segunda metade dos anos 50. O Brasil experimentava um grande crescimento no pós-guerra, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro trazia astros e estrelas de primeira grandeza e para ratificar e até ampliar a estima do País, a seleção brasileira de futebol sagrava-se campeã do mundo, na Suécia em 1958, minimizando o desastre de oito anos antes em sua própria casa.

Neste cenário, de um certo nacionalismo exacerbado, surge a construção de Brasília. Muito se diz que o então presidente quis valorizar terras de sua propriedade o que, de fato, nunca foi confirmado. Mas, independente disso, o assunto incomoda-me. Sempre perguntei o porquê da mudança da capital do Rio de Janeiro, que afinal era o cenário do Brasil que dava certo, e quais motivos ensejaram tal decisão.

Ressalte-se, aqui, que a transferência da capital do Brasil para a região central é algo que vem consagrado em nossa primeira Constituição, no remoto ano de 1824. Claro que, por motivos diversos, a idéia só foi consumada mais de 130 anos depois.

Seus "defensores" acreditavam piamente que tal alteração, em definitivo, foi motivada por dois fatores. Um, a pseudo-necessidade de proteger a capital federal baseado, e muito, num pensamento europeu. A maior parte das grandes capitais européias não fica no litoral. Ora! Quem pode acreditar que o Rio dos anos 50, do Maracanã e da Confeitaria Colombo seria alvo de um ataque externo? O outro motivo apontado seria o "desenvolvimento" do Brasil Central.

Quase meio século depois lamento informar que nem uma coisa nem outra logrou êxito. A cidade de Brasília é, digamos, uma ilha paradisíaca que vive as delícias do Poder, qualquer que seja ele. Mas tem uma Rodoviária, a cerca de 3 km do Palácio do Planalto, que reflete bem as diferenças sociais do Brasil. As cidades que se desenvolveram em seu entorno, e que formam o Distrito Federal, transformaram-se em cidades-dormitório, carentes das mais essenciais condições à vida. O "desenvolvimento" do Brasil Central? Ficou no marketing da época. Má distribuição de renda, pobreza, enfim, violência por falta de efetivo amparo social.

O Rio de Janeiro sem ser Capital do Brasil ficou um tanto acéfala. Também nada tenho contra esta cidade que amo e que me acolheu por uns anos, onde fiz muitos amigos. Desnecessário, aqui, declamar sua beleza.

A terra abençoada por Cristo, de "braços abertos sobre a Guanabara", ficou decapitada. Tenta sobreviver às exéquias de um Poder que não mais lhe pertence. Há, ainda, muitas estatais por lá, mas realmente falta alguma coisa. No entorno do Brasil que dava certo, subiram favelas, caoticamente, nos morros da Zona Norte e Sul. A pobreza da Baixada Fluminense fomenta a mão-de-obra de Copa, Ipanema, Leblon até a Barra. Má distribuição de renda, pobreza, enfim, violência por falta de efetivo amparo social. Repito, propositadamente, a frase descrita acima.

Enfim, Brasília não levou o desenvolvimento que se acreditava ou vendia. Em relação ao Rio, “o velho” já saiu da “porta da Colombo” (¹) e para piorar, há a possibilidade do Maracanã ser destruído. Uma arena multiuso deve ocupar o espaço daquele que foi "o maior do mundo" (²).

(¹) Referência à música "Sassaricando", marchinha composta por Luiz Antônio, Zé Mário e Oldemar Magalhães, imortalizada na voz de Virgínia Lane e que estourou na Carnaval de 1952.

(²) Apelido do Estádio Mário Filho, o Maracanã, inaugurado para a Copa de 1950 e que, realmente, já foi o maior estádio do mundo com capacidade estimada, oficialmente, em 150 mil pessoas.

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