sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A MORTE BATE À PORTA


            Vivemos numa era de violência urbana. Os motivos são vários, seja a grande vilã da vez, as drogas, seja o de sempre, as intrigas políticas, seja a perda da racionalidade e dos valores humanos que tomou conta de nós no final do século passado e início deste.
            Trágicos acontecimentos marcam com sangue as nossas vidas cotidianas e outra coisa não se lê nos periódicos que não violência e mais violência.
            Há duas semanas seguidas Joaquim Gomes vem registrando assassinatos em seu solo. Mais um episódio de uma novela cotidiana e a população parece não se dá conta que a morte pode bater à porta de qualquer um, indistintamente, nessa cidade, até que alguém “mais conhecido” se torna vítima da violência.
            No domingo (08.09.10), foi assassinado o policial Petrúcio de Santana, o Pel. Conhecido no meio por sua honestidade, bravura e disposição para o trabalho, sucumbiu à pior das doenças que assola essa terra, a violência. Não foi nessa cidade, mas poderia ter sido, diante de suas atividades aqui desenvolvidas e da proximidade da cidade onde ocorreu o crime. Ao que dizem, policial honesto e trabalhador, figura querida e conhecida nestas plagas, sem passagens pelo crime e sem máculas em sua atividade. A morte lhe surpreendeu num momento de descontração, enquanto estava com alguns amigos conversando em plena rua, entre o Batalhão da Polícia Militar e a Delegacia de Polícia. Foi para humilhar a polícia, disseram os colegas de trabalho.
            Não se sabe bem até agora os motivos do crime, se em razão de sua atuação como policial, o que possivelmente deixou furiosa a bandidagem local, inclusive, talvez, a bandidagem política da região, quiçá mais poderosa e perigosa que a  criminalidade ligada ao tráfico de drogas (visto que estava investigando por conta própria a morte de dois parceiros seus ligados a um correligionário político comum), ou se por questões político-partidárias já que mantinha essa atividade no vizinho município. Contudo, foi preciso que alguém mais conhecido, mais próximo da sociedade fosse vitimado para que a população se desse conta do estado de violência em que vivemos.
            Quem será o próximo? Algum anônimo da periferia que se confunde com o centro urbano, a engrossar as gordas estatísticas? Ou outro “conhecido nosso”, a nos surpreender?
            Tal fato remete a uma questão prática e cotidiana do dia - a - dia de uma Promotoria de Justiça, o Tribunal do Júri, onde a sociedade é chamada para julgar crimes dessa natureza. Nos últimos julgamentos realizados recentemente, fizemos menção à onda de violência que vem tomando conta da cidade. Dissemos que era necessário endurecer com o crime. Que o castigo em qualquer ocasião em que se reconheça um delito é merecido e só muito excepcionalmente, é que o Júri popular poderia dar clemência.
            A luta contra a violência não é só dever das autoridades investidas e competentes. É um dever de toda sociedade. Na família, através do exemplo e da formação do caráter dos menores; na escola, através do ensino de valores éticos, morais e humanos; nas instituições públicas e privadas através do respeito ao próximo e do reconhecimento da individualidade de cada um; no âmbito individual, através da autocrítica e do repensar das nossas ações.
            No Tribunal do Júri, não obstante as peculiaridades de cada caso concreto, o certo é que é exigível dos jurados, representantes autênticos da sociedade, uma maior responsabilidade social em relação ao crime. É preciso analisar bem cada caso, absolver quando assim sentir os jurados, mas, por outro lado, não se pode ser tolerante com o crime, não se pode ser permissivo com a violência, sob pena de sermos responsáveis pela contribuição da elevação dos níveis de violência e sermos vítimas de nossas próprias decisões.
            EDUARDO GALEANO, um historiador uruguaio contemporâneo, autor do famoso livro As veias abertas da América Latina, disse em uma de suas obras: “A impunidade recompensa o delito, induz à sua repetição e faz sua propaganda: estimula o delinquente e torna contagioso o seu exemplo” (De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso) (recomendo a leitura). Em verdade, ao ser complacente com o crime, mediante absolvições fundadas na clemência, ou por ter sido o criminoso alguém de influência social, os jurados podem se converter em perigoso instrumento de estímulo ao crime, principalmente se pensar que a atribuição dos julgamentos e a responsabilidade pela segurança pública competem exclusivamente às autoridades investidas para tanto. A impunidade recompensa o delito na medida em que o criminoso recebe dos jurados o aval do crime cometido; induz a sua repetição porque uma vez impune o criminoso terá a certeza de que pode praticar mais crimes e sair sempre impune; faz a propaganda, na medida em que outras pessoas que tenham ideias de cometerem crimes se valerão da impunidade dada ao criminoso, e verá que também pode praticar crimes impunemente o que se torna um estímulo à delinquência, contagiando, inclusive, outras pessoas pelo péssimo exemplo.
            É preciso requestionar a convicção de que a violência é assunto das autoridades e assumir também a responsabilidade pela sua ocorrência, seja dando o exemplo de dignidade e respeito em casa; seja assumindo uma postura pública comprometida com a paz e a honestidade, seja participando ativamente dos assuntos da cidade e para isso não faltam fóruns competentes, a igreja, ou o templo, as reuniões sociais (onde se pode trocar a embriaguez por discussões voltadas ao assunto), os diversos conselhos existentes na cidade, como o de direitos da criança e do adolescente (onde se discute políticas públicas voltadas para os menores e, consequentemente, programas de recuperação e prevenção de delitos), o conselho escolar, o conselho da comunidade (ainda não criado aqui), entre outros.
            A participação da comunidade, enfim, é essencial às questões voltadas ao enfrentamento da violência. Participar dos problemas sociais, se envolver nas questões do município, seja denunciando, seja procurando soluções e, principalmente, não contemporizando com o crime é um ato de cidadania.
            É sabido que maior taxa de mortalidade entre jovens e adultos jovens, segundo estatísticas, se dá em consequência da violência. Não esperemos a morte bater à porta de forma tão cruel e levar os nossos amados. Certamente não somos imortais, mas as vidas das pessoas estão sendo levadas cedo de mais em razão da violência. Façamos a nossa parte.

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